São Paulo, Quinta-feira, 20 de Maio de 1999
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

COMO É NO BRASIL
No mercado de ações, quem se vale de dados confidenciais está sujeito a multas, mas não vai para a cadeia
Uso de informação sigilosa não é crime

CLÁUDIA TREVISAN
da Reportagem Local

O uso de informação privilegiada no mercado acionário não é considerado crime no Brasil, ao contrário do que ocorre nos Estados Unidos e grande parte dos países europeus. A prática é punida somente com penas de natureza civil e administrativa, como multas e indenização por perdas e danos.
Isso significa que ninguém vai para a cadeia no Brasil por usar informação privilegiada em benefício próprio ou de terceiros na compra e venda de ações.
Já o vazamento de informações sigilosas por funcionário público, principal vedete das investigações da CPI dos Bancos, é considerado crime no Brasil desde 1940, quando foi aprovado o Código Penal.
Nos 59 anos decorridos desde então, outras leis classificaram como crime o vazamento de informações sigilosas, inclusive por parte de funcionário de instituição financeira pública ou privada (veja quadro nesta página).
Mas não há previsão clara na legislação sobre a punição que pode ser aplicada a quem se beneficiar de informação sigilosa fornecida por funcionário público.

Bolsa de Valores
O advogado Nelson Eizirik, ex-diretor da CVM (Comissão de Valores Mobiliários, responsável pela fiscalização das atividades nas Bolsas de Valores), está entre os que defendem que o uso de informação privilegiada passe a ser crime.
As Bolsas de Valores são o lugar clássico dessa prática, conhecida como "insider trading". Tanto é que o assunto é tratado pela Lei das Sociedades Anônimas.
Os mercados de juros e câmbio estão em um "buraco negro" legal -neles, não há regras claras sobre uso de informação privilegiada.
Tradicionalmente, é na Bolsa de Valores que diretores de companhias abertas -ou amigos, parentes, sócios, "laranjas" etc.- podem ganhar dinheiro com o uso de informação ainda não divulgada ao público e aos demais acionistas.
Em razão do cargo que ocupam, diretores podem saber que a companhia fará um grande negócio ou terá um prejuízo considerável. Os dois fatos terão impacto positivo ou negativo na cotação das ações da empresa. Antes que o público tenha acesso a esses dados, o diretor poderá comprar ou vender ações da companhia, diretamente ou por meio de terceiros.
"Quem usa informação privilegiada ganha dinheiro jogando desonestamente", diz o advogado criminalista Arnaldo Malheiros Filho. Ou seja, sabe de algo que a outra parte, que vende ou compra as ações, também deveria saber.
Apesar de haver punições nessa área, elas não são frequentes e enfrentam um problema também existente em relação aos crimes contra o sistema financeiro: deficiências das instituições encarregadas da investigação.
"O Brasil não tem a menor idéia de como investigar o uso de informação privilegiada", diz o ex-presidente da CVM Ary Oswaldo Mattos Filho. "É muito difícil provar o uso de informação privilegiada", afirma o advogado Ives Gandra.

Crimes financeiros
Na opinião de Mattos Filho, um dos principais problemas do Brasil na área de ilícitos financeiros é a ausência de punições exemplares. "O sistema bom é aquele no qual a punição aplicada a uma pessoa serve de exemplo para outra."
A experiência brasileira demonstra que a existência de leis não é suficiente para garantir a punição de crimes financeiros.
Apesar de possuir uma Lei do Colarinho Branco com penas severas, o Brasil tem pouca tradição na condenação de delitos dessa natureza -que incluem a manutenção de caixa-dois e a gestão fraudulenta de instituição financeira.
A procuradora da República Ela Castilho analisou 682 investigações de irregularidades encaminhadas pelo Banco Central ao Ministério Público entre janeiro de 87 e dezembro de 95 e constatou que só houve punição em menos de 5% do total. A maioria esmagadora dos casos ainda tramita no Ministério Público ou no Judiciário.
A principal conclusão de Castilho é que o problema não está na falta de previsão legal dos crimes, mas na demora de julgamento provocada pelas regras do processo penal. "Os instrumentos básicos para a punição de crimes contra o sistema financeiro já existem." Castilho também critica a pouca especialização da polícia e do Ministério Público nessa área.
O advogado Modesto Carvalhosa, especializado em direito comercial, é um dos que acreditam que a legislação brasileira já tem todos os instrumentos para punição das supostas irregularidades investigadas pela CPI dos Bancos.
Outros advogados, como o ex-presidente da CVM Arnoldo Wald, sustentam que a lei não só existe como é excessivamente rigorosa. "A Lei do Colarinho Branco é tão drástica que acaba não sendo aplicada", diz Wald.

Fiscalização
Mas melhor do que punir os delitos é evitar que eles ocorram, afirmam algumas das pessoas ouvidas pela Folha.
O advogado Jairo Saddi, autor do livro "O Poder do Cofre - Repensando o BC", acredita que a fiscalização do BC é "imperfeita".
Essa tese é reforçada pela análise das estatísticas de liquidações extrajudiciais decretadas pela instituição. Desde a criação do BC, em 1964, foram 707 liquidações -dessas, 49 depois do Plano Real.
"É muito", diz Saddi. A liquidação é decretada quando a instituição comete irregularidades ou tem problemas de liquidez. Do total de liquidações, 55% terminaram com a decretação da falência da instituição. Para Saddi, o percentual mostra que a atuação do BC ocorreu tarde demais, quando as instituições já estavam quebradas.


Texto Anterior: Hábito de dar presentes afeta o Japão
Próximo Texto: Licitação cancelada gerou primeiro inquérito da CVM
Índice



Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita do Universo Online ou do detentor do copyright.