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COMO É NO BRASIL
No mercado de ações, quem se vale de dados confidenciais está sujeito a multas, mas não vai para a cadeia
Uso de informação sigilosa não é crime
CLÁUDIA TREVISAN
da Reportagem Local
O uso de informação privilegiada
no mercado acionário não é considerado crime no Brasil, ao contrário do que ocorre nos Estados Unidos e grande parte dos países europeus. A prática é punida somente
com penas de natureza civil e administrativa, como multas e indenização por perdas e danos.
Isso significa que ninguém vai
para a cadeia no Brasil por usar informação privilegiada em benefício próprio ou de terceiros na
compra e venda de ações.
Já o vazamento de informações
sigilosas por funcionário público,
principal vedete das investigações
da CPI dos Bancos, é considerado
crime no Brasil desde 1940, quando foi aprovado o Código Penal.
Nos 59 anos decorridos desde
então, outras leis classificaram como crime o vazamento de informações sigilosas, inclusive por
parte de funcionário de instituição
financeira pública ou privada (veja
quadro nesta página).
Mas não há previsão clara na legislação sobre a punição que pode
ser aplicada a quem se beneficiar
de informação sigilosa fornecida
por funcionário público.
Bolsa de Valores
O advogado Nelson Eizirik, ex-diretor da CVM (Comissão de Valores Mobiliários, responsável pela
fiscalização das atividades nas Bolsas de Valores), está entre os que
defendem que o uso de informação privilegiada passe a ser crime.
As Bolsas de Valores são o lugar
clássico dessa prática, conhecida
como "insider trading". Tanto é
que o assunto é tratado pela Lei das
Sociedades Anônimas.
Os mercados de juros e câmbio
estão em um "buraco negro" legal
-neles, não há regras claras sobre
uso de informação privilegiada.
Tradicionalmente, é na Bolsa de
Valores que diretores de companhias abertas -ou amigos, parentes, sócios, "laranjas" etc.- podem ganhar dinheiro com o uso de
informação ainda não divulgada
ao público e aos demais acionistas.
Em razão do cargo que ocupam,
diretores podem saber que a companhia fará um grande negócio ou
terá um prejuízo considerável. Os
dois fatos terão impacto positivo
ou negativo na cotação das ações
da empresa. Antes que o público
tenha acesso a esses dados, o diretor poderá comprar ou vender
ações da companhia, diretamente
ou por meio de terceiros.
"Quem usa informação privilegiada ganha dinheiro jogando desonestamente", diz o advogado
criminalista Arnaldo Malheiros Filho. Ou seja, sabe de algo que a outra parte, que vende ou compra as
ações, também deveria saber.
Apesar de haver punições nessa
área, elas não são frequentes e enfrentam um problema também
existente em relação aos crimes
contra o sistema financeiro: deficiências das instituições encarregadas da investigação.
"O Brasil não tem a menor idéia
de como investigar o uso de informação privilegiada", diz o ex-presidente da CVM Ary Oswaldo Mattos Filho. "É muito difícil provar o
uso de informação privilegiada",
afirma o advogado Ives Gandra.
Crimes financeiros
Na opinião de Mattos Filho, um
dos principais problemas do Brasil
na área de ilícitos financeiros é a
ausência de punições exemplares.
"O sistema bom é aquele no qual a
punição aplicada a uma pessoa
serve de exemplo para outra."
A experiência brasileira demonstra que a existência de leis não é suficiente para garantir a punição de
crimes financeiros.
Apesar de possuir uma Lei do
Colarinho Branco com penas severas, o Brasil tem pouca tradição na
condenação de delitos dessa natureza -que incluem a manutenção
de caixa-dois e a gestão fraudulenta de instituição financeira.
A procuradora da República Ela
Castilho analisou 682 investigações de irregularidades encaminhadas pelo Banco Central ao Ministério Público entre janeiro de 87
e dezembro de 95 e constatou que
só houve punição em menos de 5%
do total. A maioria esmagadora
dos casos ainda tramita no Ministério Público ou no Judiciário.
A principal conclusão de Castilho é que o problema não está na
falta de previsão legal dos crimes,
mas na demora de julgamento
provocada pelas regras do processo penal. "Os instrumentos básicos
para a punição de crimes contra o
sistema financeiro já existem."
Castilho também critica a pouca
especialização da polícia e do Ministério Público nessa área.
O advogado Modesto Carvalhosa, especializado em direito comercial, é um dos que acreditam
que a legislação brasileira já tem
todos os instrumentos para punição das supostas irregularidades
investigadas pela CPI dos Bancos.
Outros advogados, como o ex-presidente da CVM Arnoldo Wald,
sustentam que a lei não só existe
como é excessivamente rigorosa.
"A Lei do Colarinho Branco é tão
drástica que acaba não sendo aplicada", diz Wald.
Fiscalização
Mas melhor do que punir os delitos é evitar que eles ocorram, afirmam algumas das pessoas ouvidas
pela Folha.
O advogado Jairo Saddi, autor do
livro "O Poder do Cofre - Repensando o BC", acredita que a fiscalização do BC é "imperfeita".
Essa tese é reforçada pela análise
das estatísticas de liquidações extrajudiciais decretadas pela instituição. Desde a criação do BC, em
1964, foram 707 liquidações -dessas, 49 depois do Plano Real.
"É muito", diz Saddi. A liquidação é decretada quando a instituição comete irregularidades ou tem
problemas de liquidez. Do total de
liquidações, 55% terminaram com
a decretação da falência da instituição. Para Saddi, o percentual
mostra que a atuação do BC ocorreu tarde demais, quando as instituições já estavam quebradas.
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