São Paulo, Quinta-feira, 20 de Maio de 1999
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QUARTEL-GENERAL
Sem autonomia formal e acusado de cometer irregularidades, órgão produz o melhor e o pior da economia
Anos FHC deram superpoderes ao BC

GUSTAVO PATÚ
da Sucursal de Brasília

O presidente Fernando Henrique Cardoso nunca se empenhou em conceder a autonomia formal reivindicada pelo Banco Central, mas na prática tornou o órgão o mais poderoso do Executivo, com poderes para produzir o que seu governo fez de melhor e de pior.
Com políticas de juros e de câmbio, o BC proporcionou cinco anos de inflação baixa ao país e dois mandatos presidenciais a FHC. Também com juros altos e câmbio sobrevalorizado, foi triplicada a dívida pública, e o país quase teve de declarar uma moratória.
O BC ganhou permissão para, se necessário, passar um banco de um dono para outro, com uso de dinheiro público. Foi evitada uma grande crise bancária, mas vieram à tona relações de dirigentes do BC com o mercado.
Em qualquer país do mundo, o banco central é poderoso em razão das informações de que dispõe: a situação financeira de cada banco e os rumos das políticas que vão produzir vencedores e perdedores no mundo financeiro.
Nem todos os bancos centrais, porém, têm a faculdade de tomar decisões como o BC brasileiro. Alguns não passam de meros apêndices do Ministério da Fazenda ou de alguma instância do governo.
Era assim no Brasil nos tempos do presidente Itamar Franco, que chegou a afastar um presidente do BC -Paulo César Ximenes- que disse ser inviável a proposta do Palácio do Planalto de regulamentar o uso de cheques pré-datados.
No papel, o BC ainda é subordinado à Fazenda e ao Conselho Monetário Nacional (CMN). Desde o início dos anos FHC, as coisas não têm acontecido exatamente assim.
Pedro Malan, ministro da Fazenda, ex-presidente do BC, é favorável à autonomia do órgão.
O CMN, que já chegou a contar com vários ministros de Estado, presidentes de bancos públicos, representantes do mercado e até de trabalhadores, hoje é formado pelo presidente do BC, pelo ministro da Fazenda e pelo ministro do Orçamento -Pedro Parente, funcionário do BC.
Há exemplos eloquentes do poderio do BC, como a decisão de tirar o Bamerindus, um dos maiores bancos do país, das mãos de José Eduardo de Andrade Vieira, aliado e financiador da campanha de FHC, que deixou o Ministério da Agricultura atacando o governo.
Ou a alta dos juros de 19% para 49% ao ano em setembro do ano passado, a poucos dias das eleições presidenciais.
A intervenção no Banespa (Banco do Estado de São Paulo) gerou uma crise com o PSDB paulista, e a quebra do Econômico provocou a ira do PFL baiano, dois pilares da candidatura FHC. Nos dois casos, o Palácio do Planalto foi preservado, e o BC, atacado.
Ficaram mais evidentes, também, dois vícios antigos do BC: a falta de transparência nas relações com o público e o excesso de intimidade nas relações com o mercado financeiro.
Algumas peculiaridades do BC ajudam a explicar a origem dos vícios e os motivos pelos quais eles se perpetuam e podem até se agravar em vez de serem corrigidos.
Criado em 1964 como uma das principais medidas de modernização econômica do regime militar, o BC conta hoje com 4.585 funcionários, uma burocracia mais bem qualificada e remunerada que a média do serviço público.
Os escalões superiores lidam com temas impenetráveis para a maioria de seus colegas de funcionalismo. Boa parte da tecnocracia brasiliense -incluindo, por exemplo, a Receita Federal e o Tribunal de Contas da União- hostiliza o BC.
O Banco Central considera necessário contar em sua diretoria com executivos do mercado, capazes de trazer uma experiência que os burocratas não têm.
Depois de chegar ao auge da carreira, o funcionário do BC tem como caminho natural o mercado, que paga alto por dirigentes que conheçam a máquina pública.
Foi agindo sem transparência e muito próximo ao mercado que o BC se viu mais de uma vez envolvido em suspeitas de vazamento de informações privilegiadas.
No governo FHC, os problemas começaram em 95, quando o então presidente do BC, Pérsio Arida, passou um fim-de-semana com seu amigo e banqueiro Fernão Bracher, do BBA, às vésperas de uma desvalorização do real.
Arida caiu, embora nada tivesse sido provado contra ele. Mas houve, na época, um vazamento comprovado: o senador José Eduardo Dutra (PT-SE) obteve de um funcionário do BC documentos mostrando uma participação ativa do BBA no mercado de câmbio.
A segunda suspeita, mais recente, envolveu a troca de Gustavo Franco por Francisco Lopes.
Denúncias contra bancos que lucraram com a compra de dólares antes da saída de Franco se misturaram à descoberta de uma operação de socorro -secreta e mal explicada- a dois bancos perdedores, o Marka e o FonteCindam.
Em nenhum dos dois casos foram descobertas provas de vazamento até agora, mas o desgaste do BC se acentuou.



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