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QUARTEL-GENERAL
Sem autonomia formal e acusado de cometer irregularidades, órgão produz o melhor e o pior da economia
Anos FHC deram superpoderes ao BC
GUSTAVO PATÚ
da Sucursal de Brasília
O presidente Fernando Henrique Cardoso nunca se empenhou
em conceder a autonomia formal
reivindicada pelo Banco Central,
mas na prática tornou o órgão o
mais poderoso do Executivo, com
poderes para produzir o que seu
governo fez de melhor e de pior.
Com políticas de juros e de câmbio, o BC proporcionou cinco anos
de inflação baixa ao país e dois
mandatos presidenciais a FHC.
Também com juros altos e câmbio
sobrevalorizado, foi triplicada a
dívida pública, e o país quase teve
de declarar uma moratória.
O BC ganhou permissão para, se
necessário, passar um banco de
um dono para outro, com uso de
dinheiro público. Foi evitada uma
grande crise bancária, mas vieram
à tona relações de dirigentes do BC
com o mercado.
Em qualquer país do mundo, o
banco central é poderoso em razão
das informações de que dispõe: a
situação financeira de cada banco
e os rumos das políticas que vão
produzir vencedores e perdedores
no mundo financeiro.
Nem todos os bancos centrais,
porém, têm a faculdade de tomar
decisões como o BC brasileiro. Alguns não passam de meros apêndices do Ministério da Fazenda ou de
alguma instância do governo.
Era assim no Brasil nos tempos
do presidente Itamar Franco, que
chegou a afastar um presidente do
BC -Paulo César Ximenes- que
disse ser inviável a proposta do Palácio do Planalto de regulamentar
o uso de cheques pré-datados.
No papel, o BC ainda é subordinado à Fazenda e ao Conselho Monetário Nacional (CMN). Desde o
início dos anos FHC, as coisas não
têm acontecido exatamente assim.
Pedro Malan, ministro da Fazenda, ex-presidente do BC, é favorável à autonomia do órgão.
O CMN, que já chegou a contar
com vários ministros de Estado,
presidentes de bancos públicos,
representantes do mercado e até
de trabalhadores, hoje é formado
pelo presidente do BC, pelo ministro da Fazenda e pelo ministro do
Orçamento -Pedro Parente, funcionário do BC.
Há exemplos eloquentes do poderio do BC, como a decisão de tirar o Bamerindus, um dos maiores
bancos do país, das mãos de José
Eduardo de Andrade Vieira, aliado
e financiador da campanha de
FHC, que deixou o Ministério da
Agricultura atacando o governo.
Ou a alta dos juros de 19% para
49% ao ano em setembro do ano
passado, a poucos dias das eleições
presidenciais.
A intervenção no Banespa (Banco do Estado de São Paulo) gerou
uma crise com o PSDB paulista, e a
quebra do Econômico provocou a
ira do PFL baiano, dois pilares da
candidatura FHC. Nos dois casos,
o Palácio do Planalto foi preservado, e o BC, atacado.
Ficaram mais evidentes, também, dois vícios antigos do BC: a
falta de transparência nas relações
com o público e o excesso de intimidade nas relações com o mercado financeiro.
Algumas peculiaridades do BC
ajudam a explicar a origem dos vícios e os motivos pelos quais eles se
perpetuam e podem até se agravar
em vez de serem corrigidos.
Criado em 1964 como uma das
principais medidas de modernização econômica do regime militar,
o BC conta hoje com 4.585 funcionários, uma burocracia mais bem
qualificada e remunerada que a
média do serviço público.
Os escalões superiores lidam
com temas impenetráveis para a
maioria de seus colegas de funcionalismo. Boa parte da tecnocracia
brasiliense -incluindo, por
exemplo, a Receita Federal e o Tribunal de Contas da União- hostiliza o BC.
O Banco Central considera necessário contar em sua diretoria
com executivos do mercado, capazes de trazer uma experiência que
os burocratas não têm.
Depois de chegar ao auge da carreira, o funcionário do BC tem como caminho natural o mercado,
que paga alto por dirigentes que
conheçam a máquina pública.
Foi agindo sem transparência e
muito próximo ao mercado que o
BC se viu mais de uma vez envolvido em suspeitas de vazamento de
informações privilegiadas.
No governo FHC, os problemas
começaram em 95, quando o então
presidente do BC, Pérsio Arida,
passou um fim-de-semana com
seu amigo e banqueiro Fernão Bracher, do BBA, às vésperas de uma
desvalorização do real.
Arida caiu, embora nada tivesse
sido provado contra ele. Mas houve, na época, um vazamento comprovado: o senador José Eduardo
Dutra (PT-SE) obteve de um funcionário do BC documentos mostrando uma participação ativa do
BBA no mercado de câmbio.
A segunda suspeita, mais recente, envolveu a troca de Gustavo
Franco por Francisco Lopes.
Denúncias contra bancos que lucraram com a compra de dólares
antes da saída de Franco se misturaram à descoberta de uma operação de socorro -secreta e mal explicada- a dois bancos perdedores, o Marka e o FonteCindam.
Em nenhum dos dois casos foram descobertas provas de vazamento até agora, mas o desgaste do
BC se acentuou.
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