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BM&F é um grande balcão de apostas
da Reportagem Local
A suspeita de vazamento de informação privilegiada na desvalorização do real e os megalucros e
perdas gerados no mercado futuro
de dólar tiraram a BM&F (Bolsa de
Mercadorias & Futuros) das colunas especializadas e a colocaram
na mira do noticiário.
Mas o que significa negociar algo
em um mercado futuro?
A idéia de negociação de produtos "a futuro", como se diz no jargão do mercado, é bem menos virtual do que se pode imaginar. Surgiu há muitos séculos, a partir da
necessidade de agricultores de negociar suas safras futuras para evitar perdas com quebras.
No setor financeiro, o objetivo
dos contratos futuros é o de reduzir o risco de oscilações de preços.
Se um importador vai ter de pagar pelas mercadorias que comprou em 180 dias, por exemplo, e
tem medo de que o dólar suba até
lá, ele pode eliminar o risco de ter
de desembolsar mais reais recorrendo ao mercado futuro.
Digamos que esse importador
encomendou US$ 100 mil em relógios e vai pagar só daqui a 180 dias.
O importador vai então à BM&F
e compra US$ 100 mil em contratos de dólar futuro com vencimento em seis meses.
Se o dólar realmente subir, a diferença a mais que tiver de pagar não
será mais um problema: a mesma
oscilação de preço fará com que ele
receba essa diferença do contrato
que comprou na Bolsa.
E de onde vem essa diferença que
o importador recebe, evitando que
gaste mais reais do que o previsto
inicialmente? Na outra ponta da
operação, está alguém que vendeu
esses contratos.
Pode ser um exportador, cujo
risco é justamente o oposto, ou seja, de queda do dólar. Por exemplo,
um produtor de soja que vai vender os mesmos US$ 100 mil de sua
colheita para a Europa e tem medo
que uma valorização do real diminua seu lucro.
Corretoras atuam
Assim como o importador de relógios, o exportador de soja vai à
BM&F. Só que ele vende os seus
US$ 100 mil em contratos futuros.
As duas partes então fecham a
negociação do dólar com vencimento em 180 dias a um preço determinado, por exemplo R$ 1,60
por dólar. O negócio nunca é entre
eles: cada um procura uma corretora que faz a transação.
Mas nenhum dos dois vai realmente comprar ou vender US$ 100
mil. Não é a entrega física da moeda que está em questão. O que importa é apenas a variação de preço.
Assim, se o dólar sobe para R$
1,70 durante a vigência do contrato, o exportador de soja paga a diferença de R$ 0,10 da alta porque
ele se comprometeu a "vender"
dólares ao preço antigo. E o importador de relógio, que havia comprado o dólar a R$ 1,60, embolsa
naquele dia a alta de R$ 0,10 por cada dólar comprado.
Mas isso não significa uma perda
para o produtor de soja. Como ele
é um exportador e ganha em dólar,
sua receita também subiu. Uma
coisa anula o efeito da outra.
Se o dólar cai para R$ 1,50, é o
comprador do contrato quem vai
pagar a diferença de R$ 0,10 ao
vendedor porque ele se comprometeu a "comprar" o dólar ao preço antigo. Mais uma vez, não há
um prejuízo para o comprador,
porque, como ele é um importador, sua dívida em dólar caiu.
O que ocorre é que ambos eliminam o risco de variação de preço
do dólar e, quando chegar a hora
de fazer o negócio no mundo real,
com dinheiro na mão, manteve o
valor que tinha em dólares protegido de mudanças cambiais.
Esse é a chamada operação de
"hedge", ou seja, de proteção.
Depósito de margem
Mas tudo isso não significa que o
importador e o exportador não
gastem nenhum dinheiro na negociação. Para entrar no jogo, é preciso pagar o chamado depósito de
margem na Bolsa, que pode chegar
a 20%. Ou seja, no exemplo hipotético, o importador e o produtor teriam que depositar até US$ 20 mil
dos US$ 100 mil que vão tentar
proteger na Bolsa. Se não houver
uma grande crise, com quebradeira de bancos e corretoras, esse dinheiro volta para o bolso do dono
ao fim do contrato.
Quem quiser fazer a proteção
também tem que pagar taxas à corretora que fizer o negócio para ele.
E terá de pagar taxas à Bolsa.
Outro personagem importante é
o especulador, que compra ou vende um contrato futuro simplesmente por apostar que o preço do
produto em questão vai subir ou
cair. Embora a palavra tenha ganho conotação pejorativa, o especulador tem papel fundamental.
Na prática, são eles que aceitam
tomar o risco indesejado por aqueles que buscam o "hedge".
O caso do Banco Marka é um
bom exemplo. O banco estava
apostando que o real continuaria a
se desvalorizar lentamente. Se isso
acontecesse, seu lucro estava garantido. Como o dólar subiu bruscamente, o banco, que tinha se
comprometido a "vender" a moeda a um preço mais baixo, perdeu,
quase quebrou e foi salvo pelo BC.
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