São Paulo, Quinta-feira, 20 de Maio de 1999
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BM&F é um grande balcão de apostas

da Reportagem Local

A suspeita de vazamento de informação privilegiada na desvalorização do real e os megalucros e perdas gerados no mercado futuro de dólar tiraram a BM&F (Bolsa de Mercadorias & Futuros) das colunas especializadas e a colocaram na mira do noticiário.
Mas o que significa negociar algo em um mercado futuro?
A idéia de negociação de produtos "a futuro", como se diz no jargão do mercado, é bem menos virtual do que se pode imaginar. Surgiu há muitos séculos, a partir da necessidade de agricultores de negociar suas safras futuras para evitar perdas com quebras.
No setor financeiro, o objetivo dos contratos futuros é o de reduzir o risco de oscilações de preços.
Se um importador vai ter de pagar pelas mercadorias que comprou em 180 dias, por exemplo, e tem medo de que o dólar suba até lá, ele pode eliminar o risco de ter de desembolsar mais reais recorrendo ao mercado futuro.
Digamos que esse importador encomendou US$ 100 mil em relógios e vai pagar só daqui a 180 dias.
O importador vai então à BM&F e compra US$ 100 mil em contratos de dólar futuro com vencimento em seis meses.
Se o dólar realmente subir, a diferença a mais que tiver de pagar não será mais um problema: a mesma oscilação de preço fará com que ele receba essa diferença do contrato que comprou na Bolsa.
E de onde vem essa diferença que o importador recebe, evitando que gaste mais reais do que o previsto inicialmente? Na outra ponta da operação, está alguém que vendeu esses contratos.
Pode ser um exportador, cujo risco é justamente o oposto, ou seja, de queda do dólar. Por exemplo, um produtor de soja que vai vender os mesmos US$ 100 mil de sua colheita para a Europa e tem medo que uma valorização do real diminua seu lucro.

Corretoras atuam
Assim como o importador de relógios, o exportador de soja vai à BM&F. Só que ele vende os seus US$ 100 mil em contratos futuros.
As duas partes então fecham a negociação do dólar com vencimento em 180 dias a um preço determinado, por exemplo R$ 1,60 por dólar. O negócio nunca é entre eles: cada um procura uma corretora que faz a transação.
Mas nenhum dos dois vai realmente comprar ou vender US$ 100 mil. Não é a entrega física da moeda que está em questão. O que importa é apenas a variação de preço.
Assim, se o dólar sobe para R$ 1,70 durante a vigência do contrato, o exportador de soja paga a diferença de R$ 0,10 da alta porque ele se comprometeu a "vender" dólares ao preço antigo. E o importador de relógio, que havia comprado o dólar a R$ 1,60, embolsa naquele dia a alta de R$ 0,10 por cada dólar comprado.
Mas isso não significa uma perda para o produtor de soja. Como ele é um exportador e ganha em dólar, sua receita também subiu. Uma coisa anula o efeito da outra.
Se o dólar cai para R$ 1,50, é o comprador do contrato quem vai pagar a diferença de R$ 0,10 ao vendedor porque ele se comprometeu a "comprar" o dólar ao preço antigo. Mais uma vez, não há um prejuízo para o comprador, porque, como ele é um importador, sua dívida em dólar caiu.
O que ocorre é que ambos eliminam o risco de variação de preço do dólar e, quando chegar a hora de fazer o negócio no mundo real, com dinheiro na mão, manteve o valor que tinha em dólares protegido de mudanças cambiais.
Esse é a chamada operação de "hedge", ou seja, de proteção.

Depósito de margem
Mas tudo isso não significa que o importador e o exportador não gastem nenhum dinheiro na negociação. Para entrar no jogo, é preciso pagar o chamado depósito de margem na Bolsa, que pode chegar a 20%. Ou seja, no exemplo hipotético, o importador e o produtor teriam que depositar até US$ 20 mil dos US$ 100 mil que vão tentar proteger na Bolsa. Se não houver uma grande crise, com quebradeira de bancos e corretoras, esse dinheiro volta para o bolso do dono ao fim do contrato.
Quem quiser fazer a proteção também tem que pagar taxas à corretora que fizer o negócio para ele. E terá de pagar taxas à Bolsa.
Outro personagem importante é o especulador, que compra ou vende um contrato futuro simplesmente por apostar que o preço do produto em questão vai subir ou cair. Embora a palavra tenha ganho conotação pejorativa, o especulador tem papel fundamental.
Na prática, são eles que aceitam tomar o risco indesejado por aqueles que buscam o "hedge".
O caso do Banco Marka é um bom exemplo. O banco estava apostando que o real continuaria a se desvalorizar lentamente. Se isso acontecesse, seu lucro estava garantido. Como o dólar subiu bruscamente, o banco, que tinha se comprometido a "vender" a moeda a um preço mais baixo, perdeu, quase quebrou e foi salvo pelo BC.


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