São Paulo, domingo, 22 de agosto de 2004

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Para Palocci, Getúlio criou disciplina fiscal

Ministro diz que PT é fruto de rompimento com sindicalismo oficial

FERNANDO RODRIGUES
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

O ministro da Fazenda, Antonio Palocci Filho, aponta como uma das características mais marcantes dos governos Vargas o equilíbrio fiscal -justamente o aspecto mais perseguido na política econômica do PT.
Para Palocci, "não há evidência de que regimes autoritários consigam impulsionar o desenvolvimento econômico com mais rapidez". Um dos aspectos relevantes do getulismo foi o "conceito do necessário esforço nacional de desenvolvimento".
Homem mais forte do governo Lula no momento, o ministro da Fazenda reconhece que o "nascimento do PT" se deu "no ambiente do sindicalismo oficial estruturado na era Vargas". Mas faz uma ressalva: "O PT é fruto exatamente do rompimento dos limites do sindicalismo oficial, que levou Lula a colocar a necessidade de um novo partido político".
Ao falar sobre aperfeiçoamentos do legado getulista, Palocci fala sobre "o fortalecimento dos espaços de negociação direta entre sindicatos de trabalhadores e empresários". É o único ponto que o governo federal fará esforço para modificar nos próximos anos. "É uma reforma difícil. Mas pior é não fazê-la tendo em vista a dimensão da informalidade nas relações do trabalho".
Liberal, Palocci se declara contra a obrigatoriedade da transmissão do programa de rádio "A Voz do Brasil", criado por Getúlio Vargas. "Penso que a obrigatoriedade não é necessária nem adequada."
O ministro concedeu essa entrevista por escrito à Folha. A seguir, trechos das respostas:
 

Folha - Qual é ou em que consiste, na sua opinião, o legado getulista?
Antonio Palocci Filho -
O legado mais visível dos governos Vargas é a CLT (Consolidação das Leis do Trabalho) e a representação sindical, tanto dos trabalhadores quanto dos empresários.

Folha - O que há de melhor e de pior no projeto nacional-desenvolvimentista do getulismo?
Palocci -
É uma manifestação de um fenômeno mais amplo de formação de identidade nacional nos anos 1920, sendo em alguns casos colorido, como é natural, por influências do seu tempo -que vão de movimentos políticos da Europa continental nos anos 1930-40, até o período do desmantelamento do modelo colonialista nos anos 1950. O que há de melhor nele é o próprio conceito do necessário esforço nacional de desenvolvimento.

Folha - Em que medida as grandes realizações do getulismo foram possíveis por causa da falta de democracia? Qual a relação entre democracia e velocidade das reformas necessárias em um determinado país? Países com regime autoritário conseguem mais rapidez na adoção de planos nacionais de desenvolvimento?
Palocci -
A instituição da carteira de trabalho, do 13º salário e outras realizações não dependeram, necessariamente, da existência do autoritarismo. Uma outra grande transformação deu-se com a negociação com o governo americano para a instalação da CSN em troca da participação do Brasil no esforço de guerra aliado -o que prescindia de uma ditadura para ser negociada.
A Petrobras, por seu lado, foi criada dentro de um regime democrático. De modo mais geral, não há evidência de que regimes autoritários consigam impulsionar o desenvolvimento econômico com mais rapidez que regimes democráticos. A Irlanda, em nossos dias, é um belo exemplo de desenvolvimento econômico acelerado com plena vigência democrática.

Folha - O que o governo do PT tem a aprender com o getulismo? Ou não há nada a aprender?
Palocci -
Há uma grande diferença entre as bases da formação do "getulismo" e do PT. Até mesmo porque a ascensão do PT ao governo se deu ao longo de duas décadas de evolução crítica e de superação do legado tanto do nacional-desenvolvimentismo quanto das tradições do socialismo real. O próprio nascimento do PT, impulsionado pelas lideranças sindicais do ABC, se dá no ambiente do sindicalismo oficial estruturado na era Vargas, mas o PT é fruto exatamente do rompimento dos limites do sindicalismo oficial, que levou Lula a colocar a necessidade de um novo partido político. O PT é uma criação original, que busca realizar a perspectiva de uma combinação eficaz do esforço de desenvolvimento nacional, baseado na inovação tecnológica, com o trabalho persistente para combater as desigualdades de renda e diminuir o fosso educacional entre as classes sociais em nosso país.

Folha - Que reformas são necessárias para consertar aspectos organizacionais do país herdados do getulismo?
Palocci -
A reforma sindical é a principal, na medida em que a Constituição de 1988 ofereceu um novo marco legal e institucional para o país. Aumentar a liberdade de representação, na linha que estabeleceu a Convenção 87 da OIT [Organização Internacional do Trabalho], seria uma atualização adequada aos desafios atuais.

Folha - Os direitos trabalhistas, sempre relacionados ao getulismo, devem ser flexibilizados? Se sim, quais e como? Se não, por quê?
Palocci -
Penso que o fortalecimento dos espaços de negociação direta entre sindicatos de trabalhadores e empresários deve ser o ponto fundamental de uma reforma nesse campo. É uma reforma difícil. Mas pior é não fazê-la tendo em vista a dimensão da informalidade nas relações do trabalho.

Folha - Neste mês completam-se 50 anos da morte de Getúlio Vargas. O sr. acha que ainda são identificáveis no país os traços do getulismo? Quais e como?
Palocci -
Uma área em que talvez os traços getulistas estejam começando a se tornar identificáveis é a disciplina fiscal. Uma característica dos governos Vargas foi um equilíbrio fiscal bastante acentuado ainda mesmo no período mais turbulento dos anos 1950. Muito possivelmente, essa estabilidade tenha contribuído para a implementação de diversas reformas no seu governo.

Folha - A Voz do Brasil (antigamente a Hora do Brasil) é um programa compulsório criado por Getúlio Vargas. O sr. considera necessário que a transmissão da Voz do Brasil continue sendo obrigatória, agora, no século 21? Há projetos no Congresso que falam em transformar a transmissão em facultativa. O que o sr. acha disso?
Palocci -
Acho adequada a discussão no Congresso. Penso que a obrigatoriedade não é necessária nem adequada e que as instituições do Estado podem produzir programas de qualidade informativa, assim como fazem o Senado, a Câmara e o Poder Judiciário, o que torna essas instituições mais transparentes. Quanto à informação e ao debate de idéias, penso que a imprensa brasileira é tão ampla e diversificada que permite a expressão da pluralidade do pensamento do país.


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