São Paulo, domingo, 22 de agosto de 2004

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Saudações a Hitler, saudações a Roosevelt

OSCAR PILAGALLO
ESPECIAL PARA A FOLHA

Em 20 de abril de 1941, ao completar 52 anos, Hitler recebeu um simpático telegrama de Getúlio Vargas, cumprimentando-o pelo aniversário. O Estado Novo brasileiro e o nazismo alemão tinham pouco em comum, além do projeto autoritário, mas seria politicamente natural a aproximação dos dois ditadores.
Ao redigir a mensagem, no entanto, Getúlio tinha em mente algo que passava ao largo de qualquer coisa que fosse politicamente natural. Se Hitler era o destinatário das congratulações, Franklin Roosevelt, presidente dos Estados Unidos, era o objeto elíptico do texto: ao cortejar um, Getúlio provocava o outro. A estratégia funcionou: três semanas após o envio da correspondência, os Estados Unidos se comprometeram a comprar, com exclusividade e a preços estáveis, materiais estratégicos do Brasil.
Embora não haja relação de causa e efeito entre o telegrama protocolar e o acordo comercial, o episódio ilustra o padrão de comportamento do governo brasileiro que marcou as relações externas entre 1937 e 1945. Getúlio ameaçava se alinhar à Alemanha apenas para, no momento seguinte, obter concessões dos EUA. Não por acaso, ambigüidade, e não indecisão, é o termo mais usado para descrever a diplomacia getulista. No trato com os inimigos da Segunda Guerra, Getúlio não tinha ideologia, só pragmatismo.
A preocupação do governo dos EUA não era descabida. A Alemanha tornara-se um dos principais parceiros comerciais do Brasil. Além disso, no plano político, o governo brasileiro dividia-se entre entusiastas do modelo democrático norte-americano, como Oswaldo Aranha, ministro das Relações Exteriores, e simpatizantes do nazismo, como Eurico Gaspar Dutra, ministro da Guerra. Ou seja, Getúlio tinha elementos de sobra para que Roosevelt levasse a sério a possibilidade de o Brasil ingressar na órbita da Alemanha.
No xadrez da diplomacia de guerra, Getúlio era um peão. A importância do Brasil se resumia basicamente ao Nordeste, região considerada estratégica do ponto de vista militar. Sem muito a oferecer, Getúlio jogava com limitado poder de barganha. Mesmo assim, chegou a dar pelo menos um xeque: a viabilização de uma usina siderúrgica no Brasil.
O governo brasileiro tinha planos de industrializar o país, mas não podia iniciar o processo sem uma siderurgia de grande porte, que por sua vez dificilmente seria construída sem capital estrangeiro. Os Estados Unidos eram potenciais financiadores do projeto, mas a decisão se arrastava por conta do desinteresse da iniciativa privada norte-americana.
As negociações se encontravam nesse compasso quando, pouco mais de um ano antes do telegrama a Hitler, Getúlio fez um discurso interpretado como a adesão do Brasil aos países do Eixo. Cientes de que a Alemanha tinha uma oferta similar para a futura siderurgia brasileira, os Estados Unidos reagiram rapidamente. Em três meses, o governo norte-americano autorizou o empréstimo que viabilizou a construção da usina de Volta Redonda.
Analistas chamam a atenção para esse marco na história do país. Para Ricardo Bielschowsky, autor de "Pensamento Econômico Brasileiro", a siderurgia deu substância à ideologia do desenvolvimentismo. "O fato de Volta Redonda estar na agenda das relações exteriores é representativo da guinada pró-industrialização", afirma o economista. Ítalo Tronca, professor de história do Brasil da Unicamp, atribui à orientação de Getúlio o desenlace da negociação com os Estados Unidos. Para ele, o papel dos militares brasileiros foi restrito. "Uma das hipóteses da historiografia era que os militares se importavam com a industrialização, mas minha tese é que eles apenas defendiam interesses corporativos imediatos", diz Tronca, referindo-se ao rearmamento do Exército, também incluído no acordo.
A participação brasileira na guerra segurou definitivamente o pêndulo do Itamaraty do lado norte-americano. Sob Getúlio, porém, o apoio do Brasil aos Estados Unidos nunca seria incondicional. Em 1951, como presidente eleito, Getúlio negou ao governo de Washington o envio de soldados brasileiros à guerra da Coréia, então palco principal da Guerra Fria. Entre outras razões, uma de natureza pragmática: as compensações não valiam o sacrifício.


Oscar Pilagallo é jornalista e autor de "A História do Brasil no Século 20" (Publifolha).


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