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Sistema de transporte é espinha dorsal da Vale
JOSÉ ROBERTO DE TOLEDO
da Reportagem Local
A opinião dos consultores sobre
a Companhia Vale do Rio Doce
contraria o senso comum e até a
propaganda oficial. Mais do que
uma mineradora, a Vale é uma
empresa de logística, cuja espinha
dorsal é o sistema de transportes.
Os especialistas dizem que seu
maior valor é a capacidade de
transportar o que quer que seja,
até onde haja um mercado disposto a consumir essa mercadoria,
por preços competitivos.
Dona de duas ferrovias e sócia de
uma terceira, a Vale é a maior
transportadora sobre trilhos do
país. A soma do movimento de
seus trens, portos e 18 navios rendeu R$ 849 milhões no ano passado -20% de sua receita.
Esse sistema de transporte se
sustenta porque não se limita a minérios. No ano passado, ele carregou, por exemplo, 5 milhões de
passageiros, carros, aço, grãos,
combustível e refrigerantes.
Para Antoninho Marmo Trevisan, ex-secretário de Controle das
Estatais, é essa
``expertise'' que
faz da Vale uma
boa opção de investimento não
apenas para os futuros donos privados, mas também
para o pequeno investidor.
Na sua opinião,
se a estatal fosse
vendida em partes
poderia render não R$ 10,3 bilhões, mas o dobro.
A consultoria de Trevisan, líder
do segmento de privatizações
(participou de 18 delas), fez um estudo sobre as ações das empresas
privatizadas. Na média, tiveram
uma valorização de 50% no período de um ano após a venda.
Já o economista e consultor de
empresas (entre elas, de algumas
sócias japonesas da Vale) Paulo
Yokota acha que a privatização da
estatal, com pouca transparência,
pode trazer riscos para seu futuro.
``O que os novos sócios vão
acrescentar à Vale?'', pergunta. Para ele, a estatal é um sistema logístico, em que cada subsidiária alimenta a holding, criando uma sinergia que faz a grande vantagem
competitiva da Vale.
Yokota prevê que, apesar das regras da privatização impedirem a
divisão da Vale até cinco anos após
sua venda, haverá uma cisão de fato na administração da estatal.
Isso porque, nos dois consórcios
interessados, os sócios já têm interesses específicos nos vários segmentos da Vale: um quer a parte de
celulose e alumínio, outro, o ouro,
e um terceiro, o minério de ferro.
Trevisan concorda que essas afinidades dos sócios com subsidiárias da Vale devem levar a uma
segmentação da empresa. Mas os
consultores discordam sobre o que
isso pode representar em relação
ao futuro da estatal.
Yokota tem dúvidas sobre a manutenção da sinergia necessária.
Ele diz que os novos sócios têm interesses, culturas (há brasileiros,
sul-africanos e japoneses) e objetivos diferentes.
Com visão oposta, Trevisan acha
que é justamente a passagem do
Estado para a iniciativa privada
que trará mais vantagens à Vale.
Ele diz que os novos donos agregarão, por exemplo, novas cargas ao
sistema de transporte da empresa.
Além disso, prevê, os agentes financeiros internacionais vão ter
mais interesse em investir numa
empresa com gestão privada do
que estatal -o que alavancaria o
crescimento da Vale.
Para o ex-ministro Delfim Netto,
a privatização trará mudanças na
empresa. Ele também acha que, na
prática, haverá uma cisão da administração da Vale. Mas não considera isso o principal.
Delfim prevê que a empresa deve
se tornar mais lucrativa, mas
abandonará sua ``função social''
-como, por exemplo, desbravar
áreas novas e incorporar, economicamente, novas regiões do país.
Ele diz que foi em sua gestão como ministro da Fazenda e, depois,
do Planejamento, durante o regime militar, que Eliezer Batista obteve carta branca para reinvestir
todo o lucro da Vale em novos empreendimentos.
Graças a décadas
dessa política foram construídas
ferrovias e portos
que, por exemplo,
transformaram a
estatal na fonte de
nada menos do que
50% da receita de
impostos do Estado do Maranhão.
``Isso deve acabar, porque o objetivo da iniciativa privada é o lucro'', diz Delfim. Ao mesmo tempo, isso deve também pôr fim, ou
ao menos diminuir, a interferência
política na gestão da empresa.
Mas ainda é política -na opinião de Delfim, Yokota e Trevisan- a principal razão pela qual a
Vale está sendo privatizada.
Segundo eles, a Vale é a jóia da
coroa. Nas atuais condições, dizem, se ela não for vendida, todo o
processo de privatização brasileiro
seria colocado em suspeição.
A maior consequência, afirmam,
é que seria interrompida a entrada
de capital externo. Sem isso, o balanço de pagamentos -a exemplo
do México- teria um déficit insustentável e poria em risco a estabilidade da economia e do real.
Um dos comandantes do processo de privatização, o ministro Antônio Kandir aponta outros motivos. A razão primeira para a privatização, segundo ele, é a necessidade de novos aportes de capital -os
quais a União não pode mais bancar- para investimentos da Vale.
Colaborou Célia de Gouvêa Franco
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