São Paulo, domingo, 27 de abril de 1997.

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Sistema de transporte é espinha dorsal da Vale

JOSÉ ROBERTO DE TOLEDO
da Reportagem Local

A opinião dos consultores sobre a Companhia Vale do Rio Doce contraria o senso comum e até a propaganda oficial. Mais do que uma mineradora, a Vale é uma empresa de logística, cuja espinha dorsal é o sistema de transportes.
Os especialistas dizem que seu maior valor é a capacidade de transportar o que quer que seja, até onde haja um mercado disposto a consumir essa mercadoria, por preços competitivos.
Dona de duas ferrovias e sócia de uma terceira, a Vale é a maior transportadora sobre trilhos do país. A soma do movimento de seus trens, portos e 18 navios rendeu R$ 849 milhões no ano passado -20% de sua receita.
Esse sistema de transporte se sustenta porque não se limita a minérios. No ano passado, ele carregou, por exemplo, 5 milhões de passageiros, carros, aço, grãos, combustível e refrigerantes.
Para Antoninho Marmo Trevisan, ex-secretário de Controle das Estatais, é essa ``expertise'' que faz da Vale uma boa opção de investimento não apenas para os futuros donos privados, mas também para o pequeno investidor.
Na sua opinião, se a estatal fosse vendida em partes poderia render não R$ 10,3 bilhões, mas o dobro.
A consultoria de Trevisan, líder do segmento de privatizações (participou de 18 delas), fez um estudo sobre as ações das empresas privatizadas. Na média, tiveram uma valorização de 50% no período de um ano após a venda.
Já o economista e consultor de empresas (entre elas, de algumas sócias japonesas da Vale) Paulo Yokota acha que a privatização da estatal, com pouca transparência, pode trazer riscos para seu futuro.
``O que os novos sócios vão acrescentar à Vale?'', pergunta. Para ele, a estatal é um sistema logístico, em que cada subsidiária alimenta a holding, criando uma sinergia que faz a grande vantagem competitiva da Vale.
Yokota prevê que, apesar das regras da privatização impedirem a divisão da Vale até cinco anos após sua venda, haverá uma cisão de fato na administração da estatal.
Isso porque, nos dois consórcios interessados, os sócios já têm interesses específicos nos vários segmentos da Vale: um quer a parte de celulose e alumínio, outro, o ouro, e um terceiro, o minério de ferro.
Trevisan concorda que essas afinidades dos sócios com subsidiárias da Vale devem levar a uma segmentação da empresa. Mas os consultores discordam sobre o que isso pode representar em relação ao futuro da estatal.
Yokota tem dúvidas sobre a manutenção da sinergia necessária. Ele diz que os novos sócios têm interesses, culturas (há brasileiros, sul-africanos e japoneses) e objetivos diferentes.
Com visão oposta, Trevisan acha que é justamente a passagem do Estado para a iniciativa privada que trará mais vantagens à Vale. Ele diz que os novos donos agregarão, por exemplo, novas cargas ao sistema de transporte da empresa.
Além disso, prevê, os agentes financeiros internacionais vão ter mais interesse em investir numa empresa com gestão privada do que estatal -o que alavancaria o crescimento da Vale.
Para o ex-ministro Delfim Netto, a privatização trará mudanças na empresa. Ele também acha que, na prática, haverá uma cisão da administração da Vale. Mas não considera isso o principal.
Delfim prevê que a empresa deve se tornar mais lucrativa, mas abandonará sua ``função social'' -como, por exemplo, desbravar áreas novas e incorporar, economicamente, novas regiões do país.
Ele diz que foi em sua gestão como ministro da Fazenda e, depois, do Planejamento, durante o regime militar, que Eliezer Batista obteve carta branca para reinvestir todo o lucro da Vale em novos empreendimentos.
Graças a décadas dessa política foram construídas ferrovias e portos que, por exemplo, transformaram a estatal na fonte de nada menos do que 50% da receita de impostos do Estado do Maranhão.
``Isso deve acabar, porque o objetivo da iniciativa privada é o lucro'', diz Delfim. Ao mesmo tempo, isso deve também pôr fim, ou ao menos diminuir, a interferência política na gestão da empresa.
Mas ainda é política -na opinião de Delfim, Yokota e Trevisan- a principal razão pela qual a Vale está sendo privatizada.
Segundo eles, a Vale é a jóia da coroa. Nas atuais condições, dizem, se ela não for vendida, todo o processo de privatização brasileiro seria colocado em suspeição.
A maior consequência, afirmam, é que seria interrompida a entrada de capital externo. Sem isso, o balanço de pagamentos -a exemplo do México- teria um déficit insustentável e poria em risco a estabilidade da economia e do real.
Um dos comandantes do processo de privatização, o ministro Antônio Kandir aponta outros motivos. A razão primeira para a privatização, segundo ele, é a necessidade de novos aportes de capital -os quais a União não pode mais bancar- para investimentos da Vale.


Colaborou Célia de Gouvêa Franco

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