São Paulo, domingo, 27 de abril de 1997.

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O marco de modernização

ANTONIO KANDIR
A privatização da Companhia Vale do Rio Doce é um marco importante no processo de modernização do Estado e da economia no Brasil.
Existem ainda, no entanto, pessoas que se perguntam se é necessário privatizar a Vale do Rio Doce. A essas pessoas quero dizer que estamos seguros da necessidade da privatização, por três razões básicas.
A primeira delas é a falta de recursos da União para investir na empresa. Como qualquer grande empresa que deseja aproveitar oportunidades e melhorar sua posição nos mercados em que atua, a Vale precisa de novos aportes de capital de seus acionistas.
Ocorre que a União, acionista majoritária, não tem mais como fazer esses aportes. Não é mais prioridade do governo federal aplicar recursos escassos em atividades empresariais, visto que o capital privado dispõe de melhores condições financeiras e gerenciais para exercê-las.
Do ponto de vista do investimento, as prioridades do governo brasileiro hoje são prioridades de natureza social -educação, saúde, saneamento etc.
A segunda razão para privatizar é a necessidade de a companhia ter maior liberdade empresarial.
Como empresa estatal, a Vale não só está limitada em sua capacidade de investir, mas também tolhida em sua mobilidade empresarial, por estar sujeita a toda uma legislação complexa e restritiva.
Como empresa privada, a Vale ganhará ampla liberdade empresarial e estará assim em melhores condições para ser eficaz, lucrativa e enfrentar a competição nos mercados em que atua.
A terceira razão para vender a Vale é o fato de a companhia oferecer baixo retorno financeiro. O valor da participação da União no capital da Vale está hoje em torno de R$ 5 bilhões. Se esses recursos estivessem, por exemplo, em caderneta de poupança, com um rendimento anual de 6%, a remuneração do capital investido seria da ordem de R$ 300 milhões.
A União, no entanto, recebe muito menos em dividendos da Vale (em 1995, R$ 130 milhões). É um retorno financeiro realmente muito baixo. Principalmente se levarmos em conta que o governo paga juros de cerca de 15% ao ano sobre sua dívida.
Ou seja, o governo tem um ativo de cerca de R$ 5 bilhões que lhe rende dividendos de R$ 130 milhões/ano e carrega uma dívida que lhe custa, sobre os mesmos R$ 5 bilhões, R$ 750 milhões/ano.
Com a receita apurada na privatização da companhia vamos poder reduzir a dívida líquida do setor público, que é a variável-chave para o ajuste fiscal. De duas maneiras: metade da receita será apropriada pelo Tesouro para resgate de títulos em poder do mercado; a outra metade será utilizada para financiar, por meio do BNDES, projetos do setor privado que sejam importantes para tornar mais competitiva nossa economia.
O resultado, em ambos os casos, é a redução da dívida líquida (visto que os empréstimos aumentarão os créditos do setor público contra o setor privado).
Acresce que, nessa operação, estaremos sepultando parte do "esqueleto" do FCVS (o BNDES, em troca de ações da Vale do Rio Doce, está assumindo parte desse passivo; como ele só começa a vencer daqui a alguns anos, o banco poderá financiar projetos do setor privado com a receita apurada com a venda das ações da Vale).
Há, portanto, razões de sobre para a privatização da Vale do Rio Doce. Acresce ter o governo cercado o processo de todas as cautelas e garantias, para que a venda da companhia atenda aos interesses do país.
Dentre elas, por falta de espaço, destaco apenas uma: o contrato de risco firmado entre a Vale do Rio Doce e o BNDES, que assegura a parte da União no lucro da exploração futura de recursos minerais ainda não perfeitamente dimensionados.
Não se tem assim por que temer a privatização da Vale. Ela continuará a ser uma empresa brasileira. Só que, a partir de agora, mais eficiente.
Além disso, a privatização nos permitirá avançar no ajustamento das contas públicas e no processo de modernização da estrutura produtiva, os dois grandes desafios para consolidar a estabilidade econômica e assegurar a retomada do desenvolvimento.


Antonio Kandir, 43, é ministro do Planejamento e Orçamento

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