São Paulo, segunda, 1 de junho de 1998

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Seleção vira refém do Romário de 1994

CLÓVIS ROSSI

A novela Romário só demonstra que Zagallo é mais medroso do que supersticioso.
Explico: se se deixasse guiar apenas pela superstição, o técnico já teria cortado Romário, porque está se repetindo, sem tirar nem pôr, o que aconteceu na Copa de 1990, na Itália.
Romário também estava machucado e ficou o corta-não-corta até a véspera da entrega à Fifa da lista definitiva de inscritos pelo Brasil. A Rede Globo, melosa como agora, chegou até a entregar ao jogador uma imagem de santa, no intervalo de um dos treinos na cidadezinha italiana de Gubbio (primeira concentração do Brasil), para que ela ajudasse na recuperação e, por extensão, na inscrição de Romário.
A santa fez a sua parte: Romário foi, de fato, dado como recuperado e acabou inscrito. O resto é história conhecida: o rapaz mal jogou e, quando jogou, foi mal das pernas, acompanhando, de resto, o ritmo medíocre de um time que marcou apenas quatro gols em igual número de partidos (nenhum deles, aliás, de Romário).
Insistir com Romário, em 1990, ainda fazia algum sentido. O elenco da época era ruinzinho e o jogador estava no auge do prestígio na Europa, adquirido em seus tempos de PSV.
Já insistir com Romário em 1998 é sandice. Zagallo e boa parte da mídia parecem ter ficados reféns do Romário autor dos dois gols contra o Uruguai, que classificaram o Brasil para a Copa de 94. Fez, é verdade, mais cinco na própria Copa, mas, se fosse de fato um "fora de série", como está sendo tratado, teria desequilibrado o jogo final contra a Itália. Não fez nada.
É mais justo atribuir o título de 1994 aos italianos Baggio e Baresi, que perderam os pênaltis, do que ao próprio Romário.
Não se trata de negar valor ao atleta. Trata-se, sim, de ter um mínimo de perspectiva.
O único fora de série nessa seleção chama-se Ronaldinho. Mas, além dele, o Romário, versão 98, perde, mesmo inteiro, para, por exemplo, Denílson e Edmundo. Basta relembrar e comparar o desempenho dos três (e de suas equipes) nos campeonatos mais recentes.
Claro que o ideal seria contar com Romário, se estivesse em plena forma. Mas, ao contrário do que aconteceu em 94, ganhar a Copa não depende dele, porque o Brasil raramente conseguiu juntar em um mesmo grupo um número tão formidável de atletas de enorme talento individual.
Faltou, até agora, é verdade, que essa constelação de astros exibisse, coletivamente, o futebol que cada um deles tem individualmente.
Mas jogo coletivo, sabidamente, não é o esporte preferido de Romário.
Está na hora, pois, de lembrar um fato da vida: o melhor jogador do mundo chama-se Ronaldo, seguido, aliás, de Roberto Carlos.
Pena que tanto Zagallo como boa parte da mídia dêem a sensação de que se esqueceram desse fato e tenham ficado reféns daqueles dois gols do Maracanã contra o Uruguai e dos cinco da Copa dos EUA.



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