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A nova era do futebol brasileiro
JANIO DE FREITAS
Entre os adversários do futebol brasileiro, e não só
da seleção, o mais recente é tão
traiçoeiro que tem acovardado
técnicos e preparadores físicos e,
ainda por cima, é tratado pela
mídia como saudável diversão.
O que está acontecendo (mais
uma vez) a Romário é o de menos. O futevôlei está provocando efeitos muito mais extensos e
variados, que incluem desde a
queda ou contratação de técnicos para um clube como o Flamengo até a desastrosa redução
dos treinos no Brasil, com as
consequências que as arquibancadas vazias conhecem bem.
Quinze minutos corridos de
um bom futevôlei bastam para
exigir dos músculos o mesmo
que deles exigem os 90 minutos
do futebol. De jogo mesmo, bola
em movimento, o futebol tem,
em média, o equivalente a pouco mais de um tempo.
Além disso, enquanto a ação
está em uma parte do campo,
nas outras, os que não chegarem a descansar estão, pelo menos, poupando fôlego e energia.
O futevôlei, para começar, não
usa o piso plano e quase meigo
da grama, que ajuda a impulsão,
para cima ou para a frente, e
atenua um pouco as quedas. O
piso do futevôlei é a areia fofa e
cruel. Em vez de base para o movimento das pernas, envolve os
pés, aprisiona-os na inconsistência, entorta-os na desigualdade
infinita dos montículos e depressões, exigindo-lhes força adicional para o equilíbrio.
Se andar na areia fofa já é um
exercício, qualquer jogo nela é
uma cobrança brutal aos músculo das pernas. E entre esses esportes nenhum é mais estupidamente exigente do que o futevôlei. Mais do que consome,
exaure mesmo. E ninguém joga
só 15 minutos de futevôlei. Romário, Edmundo e demais promotores dessa moda entre os jogadores de futebol passam horas jogando, vão da manhã à
tarde, revezando-se nas duplas
afinal exaustas.
Já o futebol de praia cobrava
alto. O esplêndido craque que
foi o Júnior, por exemplo, provavelmente teria ido ainda mais
longe no tempo se não fosse o
futebol de praia. Mas Júnior e
outros ainda se beneficiavam da
autoridade que técnicos e preparadores físicos tinham para
orientá-los e proibir os desgastes
prejudiciais fora do campo.
Ou seja, estavam antes da era
Romário, que, tanto faz, poderia
ser a era do futevôlei. Acovardados pelos riscos de boicote, técnicos e preparadores físicos foram abrindo mão do essencial.
Ou têm caído. Luxemburgo
saiu do Flamengo, onde mal
chegara, porque queria treino
para organizar o time abagunçado. Mas Romário não queria. Ou
melhor, não podia. Mais recentemente, outro se aventurou a
marcar treinos para organizar o
time ainda mais avacalhado.
Mas Romário não queria, não
podia. A competência de Paulo
Autuori foi vencida pela atitude
coletiva talvez mais patife no futebol brasileiro: o time parou para deixar o Vitória fazer 5 a 0 no
Flamengo. Romário continuou
no futevôlei diário. O co-líder do
boicote, Júnior Baiano, continuou abandonando a defesa para tentar um golzinho.
Não são coisas do Flamengo,
não. O Flamengo entrou aí como
exemplo mais gritante. A velha
resistência a treinos está vitoriosa e, irradiada do Rio, vai se expandindo pelo país afora. O argumento de que o excesso (verdadeiro) de jogos inviabiliza treinos só contém uma pequena
verdade. Uma partidinha de futevôlei, um jogo de futebol de
praia ou de salão consome muito mais do que um treino.
Mas aqueles esporte extras
vão se tornando a ocupação
maior e mais frequente do jogador brasileiro. E nem por isso podem negar que tudo o que depende de habilidade depende
de treino.
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