São Paulo, segunda, 1 de junho de 1998

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A nova era do futebol brasileiro

JANIO DE FREITAS

Entre os adversários do futebol brasileiro, e não só da seleção, o mais recente é tão traiçoeiro que tem acovardado técnicos e preparadores físicos e, ainda por cima, é tratado pela mídia como saudável diversão.
O que está acontecendo (mais uma vez) a Romário é o de menos. O futevôlei está provocando efeitos muito mais extensos e variados, que incluem desde a queda ou contratação de técnicos para um clube como o Flamengo até a desastrosa redução dos treinos no Brasil, com as consequências que as arquibancadas vazias conhecem bem.
Quinze minutos corridos de um bom futevôlei bastam para exigir dos músculos o mesmo que deles exigem os 90 minutos do futebol. De jogo mesmo, bola em movimento, o futebol tem, em média, o equivalente a pouco mais de um tempo.
Além disso, enquanto a ação está em uma parte do campo, nas outras, os que não chegarem a descansar estão, pelo menos, poupando fôlego e energia.
O futevôlei, para começar, não usa o piso plano e quase meigo da grama, que ajuda a impulsão, para cima ou para a frente, e atenua um pouco as quedas. O piso do futevôlei é a areia fofa e cruel. Em vez de base para o movimento das pernas, envolve os pés, aprisiona-os na inconsistência, entorta-os na desigualdade infinita dos montículos e depressões, exigindo-lhes força adicional para o equilíbrio.
Se andar na areia fofa já é um exercício, qualquer jogo nela é uma cobrança brutal aos músculo das pernas. E entre esses esportes nenhum é mais estupidamente exigente do que o futevôlei. Mais do que consome, exaure mesmo. E ninguém joga só 15 minutos de futevôlei. Romário, Edmundo e demais promotores dessa moda entre os jogadores de futebol passam horas jogando, vão da manhã à tarde, revezando-se nas duplas afinal exaustas.
Já o futebol de praia cobrava alto. O esplêndido craque que foi o Júnior, por exemplo, provavelmente teria ido ainda mais longe no tempo se não fosse o futebol de praia. Mas Júnior e outros ainda se beneficiavam da autoridade que técnicos e preparadores físicos tinham para orientá-los e proibir os desgastes prejudiciais fora do campo.
Ou seja, estavam antes da era Romário, que, tanto faz, poderia ser a era do futevôlei. Acovardados pelos riscos de boicote, técnicos e preparadores físicos foram abrindo mão do essencial.
Ou têm caído. Luxemburgo saiu do Flamengo, onde mal chegara, porque queria treino para organizar o time abagunçado. Mas Romário não queria. Ou melhor, não podia. Mais recentemente, outro se aventurou a marcar treinos para organizar o time ainda mais avacalhado. Mas Romário não queria, não podia. A competência de Paulo Autuori foi vencida pela atitude coletiva talvez mais patife no futebol brasileiro: o time parou para deixar o Vitória fazer 5 a 0 no Flamengo. Romário continuou no futevôlei diário. O co-líder do boicote, Júnior Baiano, continuou abandonando a defesa para tentar um golzinho.
Não são coisas do Flamengo, não. O Flamengo entrou aí como exemplo mais gritante. A velha resistência a treinos está vitoriosa e, irradiada do Rio, vai se expandindo pelo país afora. O argumento de que o excesso (verdadeiro) de jogos inviabiliza treinos só contém uma pequena verdade. Uma partidinha de futevôlei, um jogo de futebol de praia ou de salão consome muito mais do que um treino.
Mas aqueles esporte extras vão se tornando a ocupação maior e mais frequente do jogador brasileiro. E nem por isso podem negar que tudo o que depende de habilidade depende de treino.



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