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FUTEBOL
O homem conservador
MÁRIO MAGALHÃES
COLUNISTA DA FOLHA
Carlos Alberto Parreira é
um dos três melhores técnicos de futebol do Brasil e um dos
melhores do mundo. Perde para
Luiz Felipe Scolari e Wanderley
Luxemburgo na cancha menor de
quem não foi jogador.
Leva vantagem em horas de
vôo, no saber do que vai pelo planeta e no empenho pelo estudo do
seu ganha-pão. É o homem certo
no lugar certo: o comando da seleção brasileira.
Os times de Scolari suam com
garra de gaúcho lá de Passo Fundo. Os de Luxemburgo atacam na
vertical com voracidade de chefe
de departamento de recursos humanos. Os de Parreira, tão eficientes quanto os dos outros dois,
são os que mais exaltam o futebol
clássico nativo: desfilam na cadência do toque de bola. Na tática
do cerca-lourenço, comem pelas
beiradas, demoram mais a chegar
ao gol, mas chegam.
Por que a seleção que se conteve
num sepulcral 0 a 0 no Defensores
del Chaco não chega?
Não penso que o entrosamento
tênue seja a fonte dos nossos males. Com mais tempo para treinar,
melhora-se. Verdade ululante.
Treino, contudo, não resolve por
si. Enquanto o meio-campo recusar a razão de viver desse setor, a
ligação da defesa com o ataque, a
equipe dependerá dos rasgos de
talento dos atletas.
Hoje, é um time com cabeça e
membros. Dida não dá chutão
porque quer, mas porque lhe faltam opções. Quando um zagueiro
arrisca lançamentos insensatos,
não está apenas a expor suas chagas: não tem para quem passar.
Uma contradição ronda o time:
embora Parreira incense o 4-4-2
com devoção de carola, o sistema
tem sido o 4-3-3. Na disposição
em voga, nem Kaká nem Ronaldinho posicionam-se mais atrás.
Só de vez em quando. Não armam. Talvez nem devam. A bola
não chega ao trio completado por
Ronaldo. E somente um Napoleão de hospício sacaria um deles.
Parreira decerto diagnosticou o
drama da equipe sem tronco. Mas
até agora não deu jeito, pouco
mudou. Constitui traço inarredável de sua alma a aversão à mudança. Quando ocorre, tem velocidade de bonde.
É bola fora carimbar Parreira
como defensivista. Um retranqueiro não manteria três atacantes como agora na seleção e anteontem no Corinthians. Não penaria tanto com a desproteção da
defesa num time que, mesmo despovoado no meio, tem o ataque
como vocação atávica. A equipe
tetra em 94 foi também campeã
de passes certos e finalizações.
O conservadorismo de Parreira
não prevalece na tática, e sim na
resistência à novidade. Nos EUA,
insistiu até quando pôde num Raí
(mais ofensivo) longe do brilho
habitual, antes de escalar Mazinho (mais defensivo). Porém suas
convicções o fizeram bancar o desacreditado Branco, que decidiu
contra a Holanda. E Zinho, que
incorporou funções de bispo e cavalo nos xeques brasileiros.
A inapetência ofensiva, a suspensão de Gilberto e os amistosos
antes do embate com a Argentina
talvez façam Parreira trocar mais
do que seis por meia dúzia. Os
conservadores também mudam.
Sangue!
Faz quase 20 anos, foi no Maracanã cheio, foi numa noite talvez mais clara do que as memórias sombrias sugiram. As torcidas cariocas se uniram nas semifinais do Campeonato Brasileiro de 86 para apoiar o renascido América contra o São Paulo. Eu nunca gritara "sangue!",
o célebre brado de guerra americano. Nunca mais voltaria a
gritar. Poucas vezes gritaria
tanto por um time. Não deu.
Lembrei daquela noite dos diabos ao assistir ao comovente
documentário da ESPN Brasil
sobre o centenário do América,
com roteiro de José Trajano e
Helvídio Mattos. E ainda pude
ouvir uma palhinha do americano Vicente Celestino a cantar
"Noite cheia de estrelas". Era o
tempo dos cantores com voz de
macho. Valeu, sangue!
E-mail
mario.magalhaes@uol.com.br
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