São Paulo, domingo, 02 de junho de 2002

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TURISTA OCIDENTAL

Um passeio aos banheiros públicos de Suwon, com fachada, terraço, flores, música e, claro, leitura

A LUXÚRIA DO LUGAR SOLITÁRIO

MÁRIO MAGALHÃES
ENVIADO ESPECIAL A SUWON

Parece coisa de maluco, e talvez seja mesmo. Mas uma providencial maluquice, como sabe qualquer um que já tenha passado pelo sufoco de não encontrar um banheiro decente na hora do aperto -e quem não passou?
A Prefeitura de Suwon, cidade sul-coreana que receberá quatro jogos da Copa do Mundo, inclusive Brasil x Costa Rica, no dia 13, teve a idéia: queria oferecer aos turistas algo mais que o novo estádio e o sítio histórico da Fortaleza Hwaseong, do século 18.
Resolveu: iria superar um "atraso de dez anos" em relação "à cultura japonesa de banheiros públicos" e faria os mais bonitos do mundo. Acha que conseguiu. Haja estranheza: ao entrar em um dos 33 banheiros já construídos, a pessoa penetra numa antiga fortaleza, numa tradicional casa coreana, numa de arquitetura contemporânea, noutra em forma de pote ou castelo. Cada banheiro com uma fachada.
Dentro, são diferentes. Porém exibem traços comuns: são repletos de flores e há sempre música: clássica ou daquele tipo "para relaxar". A obsessão com flores é tamanha que nas alas masculinas, sentado, até encerrar o serviço contemplam-se quadros emoldurados com imagens florais. De pé, em mictórios coloridos, há buquês naturais diante do nariz.
No banheiro Banditbuli, o terraço -o banheiro tem terraço!- é um mirante virado para a montanha e o lago. Os construtores não quiseram privar tal cartão postal de quem urina: "A frente dos mictórios é feita de vidro para que se aproveite a vista e se ouça música", divulga a prefeitura num catálogo promocional.
Sobre música: não se conhece o critério, se algum estudo sobre o efeito de suas composições no esforço humano para satisfazer certas necessidades, mas o veneziano Antonio Vivaldi (1678-1741) foi honrado com o batismo de um banheiro com o seu nome.
Assim, o cidadão vai até a estação ferroviária Seongkyunngwandae, caminha cem passos e resolve seus problemas ao som de "As Quatro Estações".
Pode demorar, porque até nisso pensaram. À entrada de cada banheiro foram instaladas prateleiras com livrinhos e folhetos, para se ter o que ler durante outras tarefas. Não precisa devolver. Os livros, para evitar filas, são pequenos. Nada, por sorte, de tijolos como "Guerra e Paz".
Banheiro é coisa séria. Um jornalista brasileiro, cuja identidade se preservará, viveu um pesadelo nos primeiros meses de casamento. De tal modo habituado à residência dos pais, com quem morava, não conseguia frequentar o banheiro do novo lar quando determinadas atitudes urgiam. Corria para a velha casa, vizinha.
Na luxúria dos banheiros de Suwon, o ocidental, em geral, e o brasileiro, em particular, se ressente da ausência de grafitos, aquelas mensagens, quase sempre baixarias, que motivaram teses acadêmicas e livros. Aqui, ninguém escreve nada. Não se vê, em qualquer idioma, algo como o clássico citado por universitários brasileiros, que registra variações de palavras conforme o Estado: "Neste lugar solitário/ Onde a vaidade se apaga/ Onde todo fraco faz força/ E todo valente se...".
Os banheiros mais simples têm privadas comuns, com assento protegido por um plástico que gira a cada visita. Outras são de madeiras nobres, como se costuma ver em revistas de decoração.
O sinal de ocupado é uma luz dentro de um quadro florido. Os espelhos são amplos. Há toalhas de todo o tipo, inclusive com rajadas de ar que secam de verdade. Vidros com desenhos em relevo separam mictórios. Cada cabine tem uma ventilação específica. Funcionários borrifam perfume. A energia é solar.
No banheiro Daseulgi, na ala feminina ocupam o mesmo espaço um sanitário de adulto, para a mãe, e um de criança, para o filho. A suntuosa bancada de uma das pias busca, segundo a prefeitura, reproduzir "o charme dos toaletes de cafés".
No caminho dos sanitários, há aquários coloridos. No banheiro Pot, as mulheres também têm à disposição secador de cabelo.
Esses serviços são gratuitos. A maioria dos banheiros ficou pronta nos últimos dois anos. O projeto é de 1997. Cada um custou o equivalente de R$ 85 mil a R$ 121 mil. O banheiro Sukji consagrou o segundo piso, ao ar livre, como ponto de encontro de moradores. Os banheiros estão distribuídos por toda a cidade, que tem 913 mil habitantes e fica cerca de 50 km ao sul de Seul. Ainda são minoria em relação ao total mantido pelo município.
Instalações como essas teriam sido preciosas no episódio da Maldição de Montezuma: na Copa do Mundo de 1986, no México, quase todos os jornalistas brasileiros foram vítimas do estrago intestinal provocado pela culinária local. Houve descompasso no tempo e no lugar: a Maldição de Montezuma e os banheiros de Suwon nasceram um para o outro.


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