São Paulo, quarta-feira, 02 de junho de 2004

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FUTEBOL

Não é final de Copa

TOSTÃO
COLUNISTA DA FOLHA

A seleção brasileira tem mais chances de vencer hoje porque atua no Brasil, está mais pronta e possui um número maior de grandes craques, como Roberto Carlos e Ronaldo. Não será surpresa também uma vitória do rival. Há um otimismo exagerado com a seleção brasileira por causa dos três últimos amistosos, contra duas fraquíssimas equipes. Ronaldinho Gaúcho pode fazer falta.
A Argentina está em formação, é inferior ao time da última eliminatória, mas possui excelentes jogadores em todas as posições e uma grande tradição.
A Argentina atua diferente de todas as seleções. Joga com uma linha de três autênticos zagueiros, outra com um volante e dois alas e um meia (Aimar) na ligação com os três da frente. Os atacantes pelos lados vão marcar os laterais brasileiros. Só o centroavante vai ficar fixo à frente.
O time argentino é bastante ofensivo, não por causa do desenho tático, e sim porque pressiona na marcação. Quando recuperam a bola, estão próximos do gol.
Com Bielsa, a Argentina nunca jogou na defesa, esperando a outra equipe para contra-atacar, como faz o Boca Juniors. Será surpresa se isso acontecer.
Marcar por pressão é um grande risco, principalmente contra o Brasil. Se a Argentina jogar assim, aumentam suas chances de vencer ou de levar uma goleada.
Se essa marcação por pressão for eficiente, o meio-campo brasileiro terá dificuldades em tocar a bola, e os dois atacantes ficarão isolados. Porém, se os armadores conseguirem sair dessa marcação, haverá espaços na defesa argentina para o Kaká arrancar do meio-campo, para o Luis Fabiano e o Ronaldo receberem lançamentos e para o Cafu e o Roberto Carlos avançarem pelas pontas.
Luis Fabiano vai substituir Ronaldinho Gaúcho. Seria melhor adiantar um pouco o Kaká e colocar o Alex? São duas ótimas opções. Com Alex, o time manteria o desenho tático. Como a Argentina deve jogar com apenas um volante, Alex e Kaká teriam mais chances de tocar a bola e se aproximarem do Ronaldo.
O Brasil, em qualquer época, raramente atuou com dois centroavantes. A única dupla que brilhou foi Romário e Ronaldo, durante pouco tempo, em 97. Os dois se alternavam para receber a bola, trocavam passes e faziam belíssimos gols. Dois gênios. Romário estava em forma, e Ronaldo tinha mais mobilidade. Luis Fabiano é um excepcional atacante, mas não é o Romário daqueles inesquecíveis tempos.
Teoricamente, dois centroavantes atuam melhor contra equipes que jogam com dois zagueiros. Por outro lado, dois craques artilheiros, que também possuem habilidade e velocidade, são melhores do que um, desde que não ocupem o mesmo espaço. Quando a bola rolar, muitos fatores não ponderáveis vão ajudar ou atrapalhar a atuação da dupla. Não será com um jogo a definição se os dois farão uma ótima parceria.
Os festeiros, vendedores e parte da imprensa transformaram uma partida entre duas grandes seleções rivais numa final de Copa do Mundo. Não é bem assim. Quem perder não vai deixar de ir ao Mundial de 2006.

Dez anos atrás
Após passar um longo tempo afastado dos estádios, fui ver, antes da Copa de 94, um garoto franzino chamado Ronaldo atuar pelo Cruzeiro. Fiquei encantado.
No outro dia levaram o Ronaldo na minha casa para fazer uma reportagem. Ele me perguntou se eu tinha comprado o apartamento com o dinheiro que ganhara no futebol. Ele já demonstrava ser um jovem sonhador e ambicioso, como os grandes campeões.
Ronaldo foi embora, mas esqueceu a carteira. Freud diria que o esquecimento foi um ato falho, um desejo inconsciente de retornar ao lugar. Não acho que seja sempre assim. Ronaldo voltou, e conversamos mais um pouco, sem os repórteres. Nesse dia, tinha saído uma foto no jornal com o Ronaldo deitado na cama do seu quarto. Disse a ele que não deveria misturar o homem com o atleta. Provavelmente ele não prestou atenção no que eu disse. Nem deveria. Os jovens, com razão, pensam em coisas mais alegres e descontraídas. Nenhum jovem é também preparado para a fama. Eu também não era, mas reagia.
Ronaldo ficou mais forte ("o gordinho" chega sempre antes do zagueiro) e se transformou, junto ao Romário, no mais fascinante centroavante de todos os tempos. Ele é uma mistura de talento, obstinação e mistério. Um fenômeno.

E-mail tostao.folha@uol.com.br


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