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FUTEBOL
O Santos à espera do Messias
JOSÉ GERALDO COUTO
O campeão mundial Marcio
Santos teve ontem, na Vila Belmiro, seu momento de peladeiro: logo no início do primeiro tempo,
presumindo que o jogo estava parado, pegou a bola com as duas
mãos dentro da área. Pênalti para
a Lusa.
Leandro bateu muito mal, mas
teve sorte: rebatida por Carlos
Germano, a bola voltou caprichosamente para sua cabeça, dando-lhe uma segunda chance.
Curiosamente, o outro gol da
partida, que deu o empate ao
Santos no último instante, também nasceu de uma casualidade.
Uma bola cruzada na área lusa
ricocheteou no goleiro e na zaga e
foi para o fundo da rede.
O fato de nenhum dos gols ter sido fruto de planejamento, habilidade ou competência diz muito
sobre o clássico. Em outras palavras, faltou futebol ontem na Vila
Belmiro.
Foram poucas as jogadas dignas
das melhores tradições dos dois
clubes. O Santos teve mais posse
de bola, mas não soube o que fazer com ela. Poucas vezes foi à linha de fundo, poucas vezes tentou
tabelas.
Sobraram chuveirinhos, chutes
de longe e algumas arrancadas
individuais (duas de Rincón no
primeiro tempo, uma de Michel
no segundo). Não passou disso.
A Lusa -cuja enganosa modéstia parece espelhar a de seu treinador, Nelsinho Batista- mostrou-se mais eficiente na defesa e
perigosa no ataque. É um time
sem estrelas (ao contrário do Santos), mas com alguns bons jogadores, como o volante Simão, o meia
Evandro e os atacantes Leandro e
Bentinho (que ontem não jogou
nada).
O Santos tem diversos atletas
que já passaram por seleções
(Carlos Germano, Marcio Santos,
Rincón, Caio, Valdo), mas não
parece um time, e sim um ajuntamento de jogadores, que podem
jogar bem numa partida e pessimamente na outra.
Carlos Alberto Silva não conseguiu impor um padrão de jogo a
esse elenco caro. E precisa fazer isso logo, pois a pressão é muito
grande.
A torcida santista, acostumada
às glórias passadas, é uma das
mais impacientes do país. Em sua
constituição psicológica, parecem
mesclar-se o sentimento de superioridade de quem já foi dono do
mundo e o complexo de vira-lata
de quem não ganha nada.
Jogar no alçapão da Vila Belmiro é uma vantagem duvidosa para o time. Ontem, por exemplo, a
torcida praiana vaiou seus próprios jogadores, xingou o treinador de burro e chegou a gritar
"olé" quando a Lusa tocava a bola de um lado para outro.
O peso de uma história gloriosa,
a sombra de Pelé, a longa espera
por um título expressivo -tudo
isso contribui para abalar a tranquilidade do elenco santista, instaurando em torno do clube uma
espécie de mentalidade messiânica e salvacionista: cada jogador
que entra, cada novo técnico, cada presidente eleito tem a responsabilidade de resolver de uma hora para outra o "karma santista".
Em suma: se algum time precisa
de orientação psicológica, esse time é o Santos.
Muitos leitores discordam de
mim quando digo que Romário
deveria ser convocado para a seleção brasileira.
Segundo alguns deles, o atacante do Vasco só faz gols no estadual
do Rio, contra times como Friburguense e Americano. Pode até ser
que tenham razão.
Mas prefiro atribuir essa resistência a Romário ao mesmo sentimento anticarioca que levou legiões de torcedores de outros Estados (sobretudo paulistas) a questionar o futebol de craques como
Zico e Paulo César Caju -sobre
os quais também se dizia que só
sabiam jogar no Maracanã. Esse
tipo de distorção do discernimento só pode ser explicada pela paixão regionalista ou pela antipatia
pessoal.
Chega a ser ofensiva a insinuação de que os comentaristas (eu
entre eles) deslumbram-se com
dois ou três lances casuais de Romário contra zagas de terceira categoria.
Pensei que tivéssemos ultrapassado esse nível de discussão. Depois de praticamente nos dar uma
Copa do Mundo (a de 94) e cansar
de fazer gols em três países (Brasil,
Holanda e Espanha), me parece
que Romário não precisa provar
mais nada. Ou precisa?
E-mail jgcouto@uol.com.br
José Geraldo Couto escreve às segundas-feiras e aos sábados
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