São Paulo, segunda-feira, 03 de abril de 2000


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FUTEBOL
O Santos à espera do Messias

JOSÉ GERALDO COUTO
O campeão mundial Marcio Santos teve ontem, na Vila Belmiro, seu momento de peladeiro: logo no início do primeiro tempo, presumindo que o jogo estava parado, pegou a bola com as duas mãos dentro da área. Pênalti para a Lusa.
Leandro bateu muito mal, mas teve sorte: rebatida por Carlos Germano, a bola voltou caprichosamente para sua cabeça, dando-lhe uma segunda chance.
Curiosamente, o outro gol da partida, que deu o empate ao Santos no último instante, também nasceu de uma casualidade. Uma bola cruzada na área lusa ricocheteou no goleiro e na zaga e foi para o fundo da rede.
O fato de nenhum dos gols ter sido fruto de planejamento, habilidade ou competência diz muito sobre o clássico. Em outras palavras, faltou futebol ontem na Vila Belmiro.
Foram poucas as jogadas dignas das melhores tradições dos dois clubes. O Santos teve mais posse de bola, mas não soube o que fazer com ela. Poucas vezes foi à linha de fundo, poucas vezes tentou tabelas.
Sobraram chuveirinhos, chutes de longe e algumas arrancadas individuais (duas de Rincón no primeiro tempo, uma de Michel no segundo). Não passou disso.
A Lusa -cuja enganosa modéstia parece espelhar a de seu treinador, Nelsinho Batista- mostrou-se mais eficiente na defesa e perigosa no ataque. É um time sem estrelas (ao contrário do Santos), mas com alguns bons jogadores, como o volante Simão, o meia Evandro e os atacantes Leandro e Bentinho (que ontem não jogou nada).
O Santos tem diversos atletas que já passaram por seleções (Carlos Germano, Marcio Santos, Rincón, Caio, Valdo), mas não parece um time, e sim um ajuntamento de jogadores, que podem jogar bem numa partida e pessimamente na outra.
Carlos Alberto Silva não conseguiu impor um padrão de jogo a esse elenco caro. E precisa fazer isso logo, pois a pressão é muito grande.
A torcida santista, acostumada às glórias passadas, é uma das mais impacientes do país. Em sua constituição psicológica, parecem mesclar-se o sentimento de superioridade de quem já foi dono do mundo e o complexo de vira-lata de quem não ganha nada.
Jogar no alçapão da Vila Belmiro é uma vantagem duvidosa para o time. Ontem, por exemplo, a torcida praiana vaiou seus próprios jogadores, xingou o treinador de burro e chegou a gritar "olé" quando a Lusa tocava a bola de um lado para outro.
O peso de uma história gloriosa, a sombra de Pelé, a longa espera por um título expressivo -tudo isso contribui para abalar a tranquilidade do elenco santista, instaurando em torno do clube uma espécie de mentalidade messiânica e salvacionista: cada jogador que entra, cada novo técnico, cada presidente eleito tem a responsabilidade de resolver de uma hora para outra o "karma santista".
Em suma: se algum time precisa de orientação psicológica, esse time é o Santos.
Muitos leitores discordam de mim quando digo que Romário deveria ser convocado para a seleção brasileira.
Segundo alguns deles, o atacante do Vasco só faz gols no estadual do Rio, contra times como Friburguense e Americano. Pode até ser que tenham razão.
Mas prefiro atribuir essa resistência a Romário ao mesmo sentimento anticarioca que levou legiões de torcedores de outros Estados (sobretudo paulistas) a questionar o futebol de craques como Zico e Paulo César Caju -sobre os quais também se dizia que só sabiam jogar no Maracanã. Esse tipo de distorção do discernimento só pode ser explicada pela paixão regionalista ou pela antipatia pessoal.
Chega a ser ofensiva a insinuação de que os comentaristas (eu entre eles) deslumbram-se com dois ou três lances casuais de Romário contra zagas de terceira categoria.
Pensei que tivéssemos ultrapassado esse nível de discussão. Depois de praticamente nos dar uma Copa do Mundo (a de 94) e cansar de fazer gols em três países (Brasil, Holanda e Espanha), me parece que Romário não precisa provar mais nada. Ou precisa?

E-mail jgcouto@uol.com.br


José Geraldo Couto escreve às segundas-feiras e aos sábados


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