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FUTEBOL
O inimigo da prosa
JOSÉ GERALDO COUTO
COLUNISTA DA FOLHA
Alex voltou a brilhar, mas
não deixou de dividir opiniões.
Muitos comentaristas e torcedores continuam ressabiados,
sem confiar muito na boa fase do
jogador e pouco dispostos a defender sua convocação para a seleção brasileira.
É compreensível esse "pé atrás".
Afinal, todos nós depositamos em
algum momento (sobretudo na
Olimpíada de 2000) grandes esperanças em Alex, e ele nos deixou
na mão.
É um consenso que a atual boa
fase do atleta se deve, basicamente, a dois fatores: a melhora de seu
condicionamento físico e a boa
organização do time do Cruzeiro.
Concordo. Mas, observando detidamente os jogos do campeão
mineiro, é possível notar que Alex
ainda mostra períodos de ausência, de "apagamento", de vazio.
Confesso que tenho quebrado a
cabeça pensando nisso, pois as explicações correntes não me satisfizeram. Nunca achei que Alex dormisse em campo ou que não tivesse fibra, coragem ou vibração.
Foi um comentário de um leitor, tempos atrás, que levou meu
raciocínio para outro rumo: "Já
reparou que o Alex nunca faz um
gol feio?". Reparei até mais: ele
nunca faz uma jogada feia.
Pode prestar atenção. Alex nunca joga propriamente mal, ou seja, não erra passes seguidos, não
perde bola tentando o drible, não
chuta longe do gol, não perde o
controle da bola tentando matá-la, não bate de canela. Com ele, é
tudo ou nada. Ou brilha ou some.
Minha primeira conclusão foi a
de que Alex tem horror à feiúra.
Mas, pensando melhor, vejo que
não é bem isso. Ele tem horror é à
banalidade. Prefere sumir a dar
um mero passe de lado.
Ocorre que, no futebol como na
vida, 99% é rotina, repetição de
gestos, convenção, redundância.
Só 1%, se tanto, é novidade, descoberta, invenção. Em outras palavras: 99% é prosa, 1% é poesia.
O poeta e cineasta Pier Paolo
Pasolini costumava distinguir o
"cinema de prosa" do "cinema de
poesia". O primeiro era constituído pelos filmes que se limitam a
contar uma história, com uma
narrativa convencional, imediatamente acessível a qualquer espectador. Já o "cinema de poesia"
seria aquele que propõe novas
formas de associação entre as
imagens e os sons, de maneira a
inquietar o espectador e ampliar
sua sensibilidade.
Se pudéssemos transpor, ainda
que de modo manco e grosseiro,
essa teoria para o futebol, Alex seria um legítimo representante do
"futebol de poesia", em contraste
com o "futebol de prosa" que estamos cansados de ver.
O problema é que, no dia-a-dia,
a poesia não basta -ou não é suportável. A prosa é necessária para a comunicação entre os homens -e o prosaico, para sua vida em comum. No futebol é a
mesma coisa.
Para vencer a resistência dos
torcedores e dos críticos, para inscrever seu nome duradouramente
entre os grandes do futebol, Alex
tem que superar sua aversão ao
prosaico e aprender a falar com os
pés a linguagem do homem comum.
Inimigo da poesia
Após ver o sofrível empate sem
gols do Brasil com o México, estou inclinado a concordar com
a Soninha sobre a inutilidade
dos amistosos da seleção, seja
contra adversários fracos ou
fortes. A única coisa que daria
sentido àquele jogo seria a escalação de jovens como Diego e
Robinho. Com medo da poesia,
Parreira preferiu a velha prosa,
repleta de lugares-comuns.
Fim de um ciclo
Zinho está deixando o Palmeiras depois de uma história repleta de glórias (na primeira fase) e decepções (na segunda).
Ainda tem muito futebol a oferecer. Vão me chamar de maluco, mas, se eu fosse dirigente do
Corinthians, tentaria contratá-lo. Um pouco mais de técnica e
sagacidade não faria mal ao
meio-campo alvinegro.
E-mail jgcouto@uol.com.br
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