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São Paulo, sábado, 03 de maio de 2003

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FUTEBOL

O inimigo da prosa

JOSÉ GERALDO COUTO
COLUNISTA DA FOLHA

Alex voltou a brilhar, mas não deixou de dividir opiniões.
Muitos comentaristas e torcedores continuam ressabiados, sem confiar muito na boa fase do jogador e pouco dispostos a defender sua convocação para a seleção brasileira.
É compreensível esse "pé atrás". Afinal, todos nós depositamos em algum momento (sobretudo na Olimpíada de 2000) grandes esperanças em Alex, e ele nos deixou na mão.
É um consenso que a atual boa fase do atleta se deve, basicamente, a dois fatores: a melhora de seu condicionamento físico e a boa organização do time do Cruzeiro.
Concordo. Mas, observando detidamente os jogos do campeão mineiro, é possível notar que Alex ainda mostra períodos de ausência, de "apagamento", de vazio.
Confesso que tenho quebrado a cabeça pensando nisso, pois as explicações correntes não me satisfizeram. Nunca achei que Alex dormisse em campo ou que não tivesse fibra, coragem ou vibração.
Foi um comentário de um leitor, tempos atrás, que levou meu raciocínio para outro rumo: "Já reparou que o Alex nunca faz um gol feio?". Reparei até mais: ele nunca faz uma jogada feia.
Pode prestar atenção. Alex nunca joga propriamente mal, ou seja, não erra passes seguidos, não perde bola tentando o drible, não chuta longe do gol, não perde o controle da bola tentando matá-la, não bate de canela. Com ele, é tudo ou nada. Ou brilha ou some.
Minha primeira conclusão foi a de que Alex tem horror à feiúra. Mas, pensando melhor, vejo que não é bem isso. Ele tem horror é à banalidade. Prefere sumir a dar um mero passe de lado.
Ocorre que, no futebol como na vida, 99% é rotina, repetição de gestos, convenção, redundância. Só 1%, se tanto, é novidade, descoberta, invenção. Em outras palavras: 99% é prosa, 1% é poesia.
O poeta e cineasta Pier Paolo Pasolini costumava distinguir o "cinema de prosa" do "cinema de poesia". O primeiro era constituído pelos filmes que se limitam a contar uma história, com uma narrativa convencional, imediatamente acessível a qualquer espectador. Já o "cinema de poesia" seria aquele que propõe novas formas de associação entre as imagens e os sons, de maneira a inquietar o espectador e ampliar sua sensibilidade.
Se pudéssemos transpor, ainda que de modo manco e grosseiro, essa teoria para o futebol, Alex seria um legítimo representante do "futebol de poesia", em contraste com o "futebol de prosa" que estamos cansados de ver.
O problema é que, no dia-a-dia, a poesia não basta -ou não é suportável. A prosa é necessária para a comunicação entre os homens -e o prosaico, para sua vida em comum. No futebol é a mesma coisa.
Para vencer a resistência dos torcedores e dos críticos, para inscrever seu nome duradouramente entre os grandes do futebol, Alex tem que superar sua aversão ao prosaico e aprender a falar com os pés a linguagem do homem comum.

Inimigo da poesia
Após ver o sofrível empate sem gols do Brasil com o México, estou inclinado a concordar com a Soninha sobre a inutilidade dos amistosos da seleção, seja contra adversários fracos ou fortes. A única coisa que daria sentido àquele jogo seria a escalação de jovens como Diego e Robinho. Com medo da poesia, Parreira preferiu a velha prosa, repleta de lugares-comuns.

Fim de um ciclo
Zinho está deixando o Palmeiras depois de uma história repleta de glórias (na primeira fase) e decepções (na segunda). Ainda tem muito futebol a oferecer. Vão me chamar de maluco, mas, se eu fosse dirigente do Corinthians, tentaria contratá-lo. Um pouco mais de técnica e sagacidade não faria mal ao meio-campo alvinegro.

E-mail jgcouto@uol.com.br



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