São Paulo, sábado, 03 de julho de 2004

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MOTOR

Pacto quebrado

JOSÉ HENRIQUE MARIANTE
EDITOR-ADJUNTO DE ESPORTE

O verdadeiro fã do esporte a motor precisa, uma vez na vida, ir à Inglaterra. Apenas lá acontecem coisas como o Goodwood, um festival de velocidade abastecido por um bando de malucos que compram e conservam preciosidades sobre rodas.
No último final de semana, na 12ª edição do evento, Gil de Ferran pilotou o MP4/8 usado por Senna em Donington-93. Emerson Fittipaldi também deu as caras. O momento maior, no entanto, foi quando uma estranha Ferrari com faixas brancas e adesivos da Michelin saiu à pista.
Era a 312T3 com a qual Gilles Villeneuve ganhou o GP do Canadá de 1978. No cockpit, um capacete original do ídolo canadense em uma cabeça muito especial, a de seu filho, Jacques Villeneuve -"Foi um modo de dizer obrigado a meu pai. De dizer adeus".
Quando Gilles morreu, Jacques era um moleque que brincava entre carros e mecânicos e morava em um trailer estacionado no paddock. E a F-1 era uma atividade esportiva em meio à maior revolução de sua história, a guerra travada entre Fisa e Foca, respectivamente a federação e a ainda incipiente associação de construtores. O que presenciamos hoje muito provavelmente é a tentativa de uma revolução dentro dessa revolução, com os mesmos personagens e alguns papéis trocados.
Da F-1 daqueles dias uma das poucas coisas que restaram foi o Pacto de Concórdia, redigido por Max Mosley e Bernie Ecclestone, entre outros. Nele, a fórmula que transformou a F-1 em um negócio planetário e bilionário, com o fluxo de grana controlado não mais pela cartolagem, mas pelos times.
Dez anos depois o advogado inglês, ex-chefe de equipe (March) e ex-conselheiro da Foca, passou para o outro lado, assumindo o posto de presidente da Fisa, o braço esportivo da FIA, para, em seguida, em astuta manobra, assumir o total controle da federação.
A tosca necessidade de autoridade de Jean-Marie Balestre deu então lugar a uma sólida e polida argumentação. Com ela, Mosley decretou o fim da eletrônica em 1993, sobreviveu ao impacto da morte de Senna, esgrimiu com os políticos por uma enorme sobrevida ao cigarro e ainda transferiu para a FIA o papel de autoridade em segurança automotiva, estabelecendo novos padrões -de chassi a cadeirinha de criança, quase tudo foi normatizado.
O movimento seguinte foi dado a pouco menos de dois anos, quando o dirigente desafiou o pacto que ajudou a criar para desenhar uma nova F-1. No começo, até deu certo. Só que o necessário arremate, o pacote nostálgico anunciado meses atrás, foi demais para os times, e Mosley caiu.
É sintomático que o dirigente tenha esperado um forte motivo para renunciar -duas fraturas na espinha de um piloto obtidas em pleno asfalto. Segurança, porém, é só a ponta do iceberg.
O que está em jogo é o poder de decidir como liberar uma F-1 asfixiada por centenas de contratos que impedem qualquer mudança brusca, por mais que necessária.
Mosley ajudou a criar um monstro. Tentou muitas vezes domá-lo, agora quer matá-lo.
Só tem os fãs a seu lado.

Villeneuve
Em entrevista à "Autosprint", o campeão de 1997 afirmou que precisa de alguns testes para voltar à F-1. Segundo ele, até seu estômago carece de treino para voltar a enfrentar a força G. Nada, porém, que impeça um sacrifício. Se a Williams o tivesse convocado para a França, disse Villeneuve, ele estaria no grid de Magny-Cours amanhã.

Mosley
O advogado inglês descascou os barões da categoria, mas não citou nomes. "Um chefe de equipe em especial leva sempre com ele um homem que gosta de detalhes. Que sempre se prende aos detalhes, em qualquer reunião. Mas sempre aos detalhes errados." O tal chefe é Ron Dennis, o sujeito que, como ninguém, sintetiza a F-1 atual -maior perdedor do ano e, ainda assim, contra qualquer mudança.

E-mail mariante@uol.com.br


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