São Paulo, domingo, 03 de setembro de 2006

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Atleta negro é escravo, diz sociólogo

Ex-jogador de futebol americano, William Rhoden tenta explicar por que os afrodescendentes são alijados do poder

No livro "Escravos de Quarenta Milhões de Dólares", autor esquadrinha o tortuoso caminho do preconceito no esporte


Joel Silva/Folha Imagem
Professor-doutor da UFSCar, Nelson Prudêncio caminha pela pista de atletismo da instituição


GUILHERME ROSEGUINI
DA REPORTAGEM LOCAL

A cena que inspirou o título do livro diz muito sobre seu conteúdo. Em 1999, Larry Johnson, um negro de 2,01 m que defendia o New York Knicks na liga de basquete dos EUA, recusou-se a responder às indagações dos jornalistas. Disse que ele e seus colegas de time eram "escravos rebeldes".
Pouco tempo depois, um torcedor que acompanhou a celeuma procurou o atleta em um treino e disparou: "Você é não é nada além de um escravo de 40 milhões de dólares".
O episódio era a centelha que faltava para William C. Rhoden, sociólogo, jornalista e colunista do jornal "The New York Times" desde 1983, buscar explicações para um dilema que sempre o atormentou: por que os negros, apesar dos altos salários que recebem, são zombados quando tentam se unir em prol de objetivos comuns, não conquistam respaldo para crescer fora do esporte e ficam alijados do posto de gestores das modalidades que praticam?
Respostas aparecem nas 286 páginas de "Forty Million Dollar Slaves" ("Escravos de Quarenta Milhões de Dólares"), um ensaio polêmico recém-lançado nos Estados Unidos.
"Acredito que, ao menos no mundo dos esportes, a relação de poder estabelecida nas plantações não mudou. O negro não escapou de um sistema que só o valoriza pelos dotes físicos. Quando sua carreira acaba, ele é descartado. Não à toa, vemos tão poucos que seguem no meio trabalhando como técnicos, dirigentes, advogados ou psicólogos. Eles estão excluídos", afirma Rhoden à Folha.
Suas explicações para tal teoria vão muito além de um ataque aos órgãos que controlam o esporte. "Os afrodescendentes que se destacam sempre precisaram provar seu valor agradando aos cartolas brancos que os comandam. Assim, a cada dia, buscam ficar mais parecidos com seus chefes, ignorando seus semelhantes. Nunca se criou com êxito uma noção de classe negra. Sobrou a figura do "negro apolítico", que apenas obedece normas de conduta. No fim da carreira, ele acaba dispensado e frustrado."
É importante ressaltar que Rhoden não é um observador alheio que decidiu explorar o tema. Ele é negro e ex-jogador de futebol americano.
Na década de 60, estudou em colégios concebidos apenas para pessoas de pele escura e torceu pelo sucesso das ligas negras de beisebol que espocaram naquela época.
"Foram boas iniciativas, mas acabaram por culpa dos próprios atletas. Muitos debandaram, seduzidos por altos salários. Ninguém tinha a exata noção de que estava contribuindo para perpetuar esse esquema nocivo de poder."
Rhoden afirma que desenvolveu sua pesquisa pensando em exemplos de seu país. Quando o assunto é o esporte, contudo, afirma que a questão é global. "O Brasil também depende dos negros para conquistar boa parte de suas façanhas esportivas, não é? Agora me diga se eles conseguem, após a aposentadoria, prosseguir a carreira em seu meio, como treinadores ou dirigentes. Que eu saiba, são poucos."
Ao menos no cenário atual, os casos realmente são escassos. Não há um negro na presidência da CBF ou em suas quatro mais importantes afiliadas -as federações de futebol de São Paulo, Rio, Minas Gerais ou Rio Grande do Sul.
Também não existem negros no comando do Comitê Olímpico Brasileiro ou são poucos os que conseguem posições de destaque nas 27 entidades afiliadas que enviam atletas para as edições da Olimpíada.
Mesmo assim, as idéias de Rhoden encontram vozes dissonantes. "Acho que a realidade americana não pode explicar a nossa", pondera Antonio Soares, doutor em estudos culturais do esporte e professor da Universidade Gama Filho e da Universidade Federal do Rio de Janeiro. "Talvez a sociedade brasileira tenha herdado conceitos de pensadores que, no século 19, diziam que o negro tinha aptidão para provas físicas e deficiências em outras atividades. Mas existem tantas pessoas que romperam essa barreira, inclusive no esporte, que fica difícil apontá-la como principal problema", completa.
Negros e pardos representam hoje 48% da população brasileira, segundo os dados mais recentes da Pnad (Pesquisa Nacional por Amostragem de Domicílios).


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