São Paulo, sábado, 04 de janeiro de 2003

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FUTEBOL

Misturados venceremos

JOSÉ GERALDO COUTO
COLUNISTA DA FOLHA

No discurso de posse lido por Lula no Congresso, o trecho que mais me tocou foi aquele em que o novo presidente destacou nossa miscigenação étnica e nosso sincretismo cultural como contribuições preciosas do Brasil ao mundo.
A idéia não é nova, claro. Desde Gilberto Freyre, passando por Darcy Ribeiro e pelos tropicalistas, vários intelectuais e artistas brasileiros têm procurado mostrar que a mistura e a variedade que nos caracterizam são fatores de riqueza, e não defeitos, como durante muito tempo nossa "elite" quis nos fazer crer.
O que nos deformou como nação foram outras coisas: a escravidão, a exploração predatória do solo e das águas, o autoritarismo, a ignorância endêmica. É essa herança que precisamos superar.
Mas a assimilação de inúmeras culturas e etnias, as incontáveis possibilidades de combinação entre elas, isso é nosso maior patrimônio.
Um exemplo evidente é a música. É provável que não exista no mundo uma música popular mais fecunda e diversificada que a brasileira, graças ao entrelaçamento (e às vezes ao entrechoque) de ritmos e gêneros vindos da África, da Península Ibérica, da América do Norte e do Caribe.
O que essa conversa toda está fazendo numa coluna dedicada ao futebol? A resposta é óbvia. O futebol brasileiro é outro exemplo fulgurante da nossa singular contribuição cultural à humanidade.
Não se trata de repetir o chavão de que jogamos "o melhor futebol do mundo", nem tampouco de dizer que só demos certo "no samba e na bola". A música e o futebol são como senhas para pensarmos nossa inserção no mundo.
O importante, no caso, não é ter o melhor futebol, mas sim o "nosso" futebol, jogado de um jeito que nenhum outro povo joga. Essa é nossa dádiva original ao planeta de chuteiras.
Hoje, depois de cinco Copas do Mundo conquistadas, a excelência dos nossos futebolistas e do nosso modo de jogar parece incontestável. Mas nem sempre foi assim.
Depois da vitória da Inglaterra na Copa de 66, por exemplo, muitos analistas e treinadores concluíram que o futebol brasileiro estava superado e que deveria se render à suposta superioridade britânica.
Zombando dessa tendência colonizada, Nelson Rodrigues comentou que, durante um amistoso entre Brasil e Inglaterra, no Maracanã, em 1968, os cronistas brasileiros elogiavam até as bolas recuadas pelos ingleses a seu goleiro. "Como eles recuam bem", diziam os deslumbrados, antes de o Brasil vencer de virada com gols de Tostão e Jairzinho.
Nelson Rodrigues, escritor inigualável, via o futebol através das lentes do nacionalismo. Não é o meu caso. Mas confesso que me comovo não apenas com as vitórias brasileiras, mas principalmente com a admiração que nosso jogo inspira nos estrangeiros.
Já citei aqui a frase do historiador britânico Eric Hobsbawn, um dos maiores intelectuais vivos: "Quem viu Pelé e seus companheiros jogarem não poderá negar ao futebol o estatuto de arte".
Nestes tempos de mudanças -ou pelo menos de esperança-, seria bom que nos convencêssemos de vez de que não somos um povo manco, olhando de baixo para cima a elite do mundo.
Quem transforma uma correria bruta em arte é capaz de muitas outras maravilhas.
Basta acreditar.

Verde azulado
Com a contratação de Adãozinho e a volta de Claudecir e Magrão, o Palmeiras, sob a batuta de Jair Picerni, ganha uma feição muito parecida com a do São Caetano que surpreendeu o país nos últimos três anos. O forte do Azulão, apesar das várias mudanças que sofreu no período, sempre foi, a meu ver, a solidez de seu meio-campo. O que mais faltou ao Palmeiras no ano passado foi, justamente, um meio-campo consistente.

Dúvidas corintianas
O Palmeiras tenta se reestruturar, o Santos busca evitar o desmanche, o São Paulo corrige seus pontos fracos. E o corintiano se aflige: Beto vem ou não vem? Vampeta fica ou sai? Nesse contexto de dúvidas, aproveito para meter minha colher: por que não tentar trazer Adriano (ex-São Paulo) para reforçar o meio-campo alvinegro?

E-mail: jgcouto@uol.com.br


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