São Paulo, quarta-feira, 04 de abril de 2001

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FUTEBOL

Figura decorativa

TOSTÃO
COLUNISTA DA FOLHA

Como era previsto, a função do coordenador técnico da seleção, Antônio Lopes, é decorativa. Assim também foi a do Zico na Copa de 98, ao lado do Zagallo, e a do Candinho com Luxemburgo.
Quem escala, treina e decide a programação técnica é Leão. Quem resolve os problemas burocráticos e logísticos são os administradores da seleção.
A função do coordenador seria coordenar a comissão técnica e discutir, com o treinador, os problemas da equipe.
Na prática, o coordenador técnico apenas acompanha e referenda as decisões da comissão técnica e desfruta das mordomias da seleção.
A maioria dos técnicos brasileiros, como Emerson Leão, não está acostumada a dialogar no mesmo nível nem a dividir responsabilidades. Nos clubes, contratam seus auxiliares para dizerem amém.
Esse foi um dos motivos de eu não aceitar o convite para ser o coordenador da seleção, mesmo sabendo que eu escolheria o treinador. Além de não ter afinidade com a direção da CBF, não aceitaria um cargo para não fazer nada.
É preciso pensar em um novo modelo. Em algumas equipes da Inglaterra, os técnicos de campo executam os treinos, sentam-se no banco nos dias de jogos, mas é um outro quem planeja, decide o esquema tático e contrata os jogadores. É também um modelo ditatorial. Só muda quem manda.
Acredito numa solução diferente e democrática. O treinador de campo acompanharia os treinamentos, ficaria no túnel no dia da partida, mas o planejamento, a escalação, a contratação e a dispensa de jogadores e o esquema tático seriam discutidos e decididos por ambos. Seria utopia?
O único treinador que já demonstrou sobriedade, equilíbrio emocional e capacidade de dialogar no mesmo nível foi o Parreira na Copa dos EUA, em 1994. Na verdade, Zagallo opinava, mas toda a responsabilidade era do técnico.
Não estou sugerindo a volta da dupla. Parreira não quer arriscar seu prestígio.
Prefere ensinar e contar sua experiência, como faz o treinador francês Aimé Jacquet, campeão do mundo em 1998.
Além disso, no atual momento crítico, a seleção brasileira precisa de um treinador ousado, inovador, experiente e com conhecimento técnico. Capaz de mudar a filosofia, o desenho tático, definir uma equipe, fazer com que alguns jogadores brilhem como em seus clubes e, principalmente, criar uma empatia, uma cumplicidade dos atletas com a seleção e o público brasileiro.
Esse supertécnico só existe na TV. Trocar de treinador novamente pode ser ainda pior. A razão e o bom senso dizem que é muito cedo para julgar a atuação de Leão, mas a intuição sussurra no meu ouvido que ele não tem futuro.
Muitos leitores preferem o Zagallo. O "Velho Lobo" é experiente, bom técnico, merece todas as homenagens pela sua carreira, mas esse é um momento de renovação.
Zagallo tem ótima saúde, vibra como um jovem, mas suas idéias são velhas.
Os que iriam gostar de ver o Zagallo chorando e falando em amor pela camisa amarela, diante das câmeras de TV, são os anunciantes e a economia de mercado. Eles dominam o mundo, o futebol, e já estão preocupados com a seleção.

Crítico não existe somente para criticar, mas também para elogiar e observar as coisas boas. O problema é que, no atual momento do futebol brasileiro, está difícil gostar de alguma coisa.
Na partida contra a seleção equatoriana, com exceção das falhas individuais no gol do adversário, o sistema defensivo brasileiro foi melhor ou menos ruim que nos jogos anteriores.
Roque Júnior, um jogador mediano, é melhor do que o Edmilson.
Uma outra constatação positiva no futebol brasileiro é a mudança de comportamento da maioria dos treinadores. Deixaram de ofender os árbitros e os auxiliares, dão entrevistas com bom humor e explicam suas condutas.
Por outro lado, em Minas Gerais, Abel Braga e Felipão continuam dando show e ofendendo os árbitros. Merecidamente, o técnico do Atlético foi suspenso -e o mesmo deve acontecer com Felipão.
Os treinadores só mudarão definitivamente de postura quando a maioria da imprensa criticar e deixar de enaltecer o machismo e o comportamento teatral desses profissionais.
Temos de aplaudir não somente a preocupação física da comissão técnica do São Paulo com o meia-atacante Cacá, em aumentar sua massa muscular, mas também a humana e a psicológica.
O treinador Vadão teme que o excesso de elogios e de convites para o jogador comparecer às tevês e festas atrapalhem o jovem.
Cacá não pode se iludir e desconcentrar. Ainda é apenas uma promessa. Precisa aprender a conviver com o assédio. Separar o profissional do ídolo e do homem.
O sucesso é prazeroso, sedutor, mas frequentemente empobrece o ser humano.

E-mail: tostao.folha@uol.com.br



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