São Paulo, sábado, 04 de setembro de 2004

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MOTOR

Última volta

JOSÉ HENRIQUE MARIANTE
EDITOR-ADJUNTO DE ESPORTE

Em 27 de agosto de 1994, Rubens Barrichello marcava sua primeira pole. Em Spa, a bordo de um Jordan mequetrefe, havia feito o melhor tempo na sexta em uma volta derradeira, iniciada instantes antes da bandeirada. A chuva castigara quase toda a sessão, mas arrefecera pouco antes do final. O então mais jovem piloto da F-1 arriscou sair de slicks, equilibrou-se no trilho seco aberto pelos adversários e, para espanto geral, se deu bem.
No sábado, choveu a valer. Christian Fittipaldi, que, com problemas em seu Arrows, quase não andara na sexta, foi o único a melhorar o tempo. Barrichello era um garoto. Não conseguia esconder a expectativa. Eddie Jordan, como um pai, o abraçava. Mecânicos, técnicos, quase todo mundo que cruzava seu caminho passava a mão em sua cabeça. A façanha dependia dos céus e comoveu o paddock. Senna ainda era uma forte lembrança. Parecia justo que o destino premiasse um piloto brasileiro -chuva, treino oficial, pole, afinal, tudo conspirava.
Assim foi. Não lembro mais da corrida, apenas da largada. Barrichello defendeu a posição na primeira curva, um capricho, mas abriu para os poderosos na descida para a Eau Rouge. Não fazia sentido segurar ninguém.
Dez anos mais tarde, em 29 de agosto de 2004, domingo passado, Michael Schumacher conquistou seu sétimo título mundial em Spa. Barrichello, com duas paradas forçadas no início da corrida, caiu para último e se esforçou para chegar ao pódio. O vencedor foi Raikkonen, em desempenho espetacular. Largou em décimo, ultrapassou meio mundo, Schumacher inclusive, e levou seu sofrido McLaren até a linha de chegada.
Saiu do carro e disse que corre pelo título no ano que vem. Tomara. A F-1 do alemão é chata. Em uma década, perdemos a sexta, depois o sábado e neste ano o domingo. Em uma década, perdemos Barrichello, ele virou piada.
Que Spa seja um novo começo, não apenas uma doce concessão da história, como há dez anos.
Em 27 de agosto de 1994, "Olhos Vermelhos" era o título desta coluna. Comecei assim, com um título piegas, uma brincadeira com o fato de Barrichello ter usado lentes de contato pela segunda vez dentro do carro para dar sua volta voadora em Spa. Ele não chorou naquele dia. E eu então não fazia a menor idéia que ele choraria tanto todos esses anos.
Escrevi que ele tinha tomado uma série de decisões para tentar fazer aquela pole e que seu sucesso, portanto, não era uma questão de sorte. O céu estava fechado, o dia parecia noite. As lentes, enfim, tinham sido fundamentais.
Decisões são vitais na F-1. Algumas são fáceis, outras, muito difíceis. Quem olha de fora acha que é sorte. Barrichello e Schumacher, meus grandes personagens dessa década, estão nos extremos desse raciocínio. Um decide por decidir, o outro decide. Um acaba a mercê da tal sorte, o outro a evita. Um, com sorte, brilha, o outro brilha.
Hoje, mais de 500 colunas depois, continuo achando que sorte não existe. Isso pouco explica o fato de parar de escrever neste espaço. É uma decisão e só.
Não, não uso lentes.

Barrichello
A não ser que ocorra uma tragédia, vai vencer em Interlagos. Vão dizer que Schumacher deixou. O grande público não vai se importar.

Schumacher
Fez 108 pontos em 2000, 123 em 2001, 144 em 2002 e 93 no ano passado. Era para perder neste ano. Os concorrentes foram incompetentes. Corre pelo oitavo título se ninguém se acertar. Vai Raikkonen!

Futuro
Neste momento, Pizzonia parece ser a única chance, mas somente se continuar correndo como fez em Spa. A F-1 terá sérios problemas com a disputa entre seus vários donos. Montadoras, FIA e Bernie estão perdidos. Button, Raikonnen, Webber. É mais ou menos por aí.

E-mail mariante@uol.com.br


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