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MOTOR
Última volta
JOSÉ HENRIQUE MARIANTE
EDITOR-ADJUNTO DE ESPORTE
Em 27 de agosto de 1994, Rubens Barrichello marcava
sua primeira pole. Em Spa, a bordo de um Jordan mequetrefe, havia feito o melhor tempo na sexta
em uma volta derradeira, iniciada instantes antes da bandeirada.
A chuva castigara quase toda a
sessão, mas arrefecera pouco antes do final. O então mais jovem
piloto da F-1 arriscou sair de
slicks, equilibrou-se no trilho seco
aberto pelos adversários e, para
espanto geral, se deu bem.
No sábado, choveu a valer.
Christian Fittipaldi, que, com
problemas em seu Arrows, quase
não andara na sexta, foi o único a
melhorar o tempo. Barrichello era
um garoto. Não conseguia esconder a expectativa. Eddie Jordan,
como um pai, o abraçava. Mecânicos, técnicos, quase todo mundo
que cruzava seu caminho passava
a mão em sua cabeça. A façanha
dependia dos céus e comoveu o
paddock. Senna ainda era uma
forte lembrança. Parecia justo
que o destino premiasse um piloto
brasileiro -chuva, treino oficial,
pole, afinal, tudo conspirava.
Assim foi. Não lembro mais da
corrida, apenas da largada. Barrichello defendeu a posição na
primeira curva, um capricho, mas
abriu para os poderosos na descida para a Eau Rouge. Não fazia
sentido segurar ninguém.
Dez anos mais tarde, em 29 de
agosto de 2004, domingo passado,
Michael Schumacher conquistou
seu sétimo título mundial em Spa.
Barrichello, com duas paradas
forçadas no início da corrida,
caiu para último e se esforçou para chegar ao pódio. O vencedor foi
Raikkonen, em desempenho espetacular. Largou em décimo, ultrapassou meio mundo, Schumacher
inclusive, e levou seu sofrido
McLaren até a linha de chegada.
Saiu do carro e disse que corre
pelo título no ano que vem. Tomara. A F-1 do alemão é chata.
Em uma década, perdemos a sexta, depois o sábado e neste ano o
domingo. Em uma década, perdemos Barrichello, ele virou piada.
Que Spa seja um novo começo,
não apenas uma doce concessão
da história, como há dez anos.
Em 27 de agosto de 1994, "Olhos
Vermelhos" era o título desta coluna. Comecei assim, com um título piegas, uma brincadeira com
o fato de Barrichello ter usado
lentes de contato pela segunda
vez dentro do carro para dar sua
volta voadora em Spa. Ele não
chorou naquele dia. E eu então
não fazia a menor idéia que ele
choraria tanto todos esses anos.
Escrevi que ele tinha tomado
uma série de decisões para tentar
fazer aquela pole e que seu sucesso, portanto, não era uma questão de sorte. O céu estava fechado,
o dia parecia noite. As lentes, enfim, tinham sido fundamentais.
Decisões são vitais na F-1. Algumas são fáceis, outras, muito difíceis. Quem olha de fora acha que
é sorte. Barrichello e Schumacher,
meus grandes personagens dessa
década, estão nos extremos desse
raciocínio. Um decide por decidir,
o outro decide. Um acaba a mercê
da tal sorte, o outro a evita. Um,
com sorte, brilha, o outro brilha.
Hoje, mais de 500 colunas depois, continuo achando que sorte
não existe. Isso pouco explica o fato de parar de escrever neste espaço. É uma decisão e só.
Não, não uso lentes.
Barrichello
A não ser que ocorra uma tragédia, vai vencer em Interlagos. Vão dizer que Schumacher deixou. O grande público não vai se importar.
Schumacher
Fez 108 pontos em 2000, 123 em 2001, 144 em 2002 e 93 no ano passado. Era para perder neste ano. Os concorrentes foram incompetentes. Corre pelo oitavo título se ninguém se acertar. Vai Raikkonen!
Futuro
Neste momento, Pizzonia parece ser a única chance, mas somente se
continuar correndo como fez em Spa. A F-1 terá sérios problemas
com a disputa entre seus vários donos. Montadoras, FIA e Bernie estão perdidos. Button, Raikonnen, Webber. É mais ou menos por aí.
E-mail mariante@uol.com.br
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