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São Paulo, quinta-feira, 05 de junho de 2003

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LEGISLAÇÃO

Folha revela nota redigida em fevereiro, que é contestada por especialistas e sofre resistência até no ministério

Álibi olímpico foi dado antes do estatuto

GUILHERME ROSEGUINI
MARIANA LAJOLO
PAULO GALDIERI
DA REPORTAGEM LOCAL

Os cartolas do futebol espernearam, ameaçaram interromper o Nacional, foram até Brasília fazer lobby e, mesmo assim, não conseguiram aliviar o teor enérgico do Estatuto do Torcedor.
Com os esportes olímpicos, a novela foi bem diferente. No dia 21 de fevereiro, quase três meses antes de o estatuto virar lei, um parecer jurídico do Ministério do Esporte assegurava que a nova lei não se aplicaria às confederações.
O documento, obtido pela Folha, foi produzido num período em que se discutia a aplicação do texto para as demais modalidades esportivas. Em todo o seu corpo, o estatuto não traz em nenhum momento a palavra futebol. Diz apenas que as novas obrigações devem ser aplicadas a todo o "desporto profissional".
Sancionada em 15 de maio pelo presidente Lula, a lei obriga os dirigentes a oferecerem segurança e infra-estrutura aos fãs de esportes e prevê uma série de penas pesadas aos que a descumprirem.
Para os olímpicos, não seguir os dizeres do texto pode representar também o fim da cessão de recursos públicos. Assim, perderiam sua espinha dorsal de sustentação, a verba da Lei Piva -em 2002, o total repassado às 27 confederações foi de R$ 19,1 milhões.
Pelo que está escrito na lei, o estatuto é válido para todas as modalidades. Apesar disso, o ministro do Esporte, Agnelo Queiroz, deu uma interpretação particular ao estatuto, encampou o parecer de fevereiro e declarou que deveres e penalidades ali previstos atingem só o meio do futebol.
O problema é que, dentro do próprio ministério, há quem discorde da posição de Queiroz.
A Folha apurou que um novo parecer já foi elaborado pela pasta, com a data de anteontem, 3 de junho, dizendo que o conteúdo do Estatuto do Torcedor é, sim, abrangente a todas as modalidades. Procurado pela reportagem, o consultor jurídico do ministério, Francisco Xavier da Silva Guimarães, não atendeu aos pedidos de entrevista para esclarecer as disposições do novo documento.
Além dessa contradição interna, os argumentos da nota que salvaguarda as modalidades ditas amadoras não têm valor legal, segundo especialistas consultados.
Assinado por Mário Drumond Coelho, chefe de gabinete da secretaria executiva do ministério, o documento cita trecho da lei nš 9.981, conhecida com Lei Maguito e que modificou itens do texto original da Lei Pelé, para colocar apenas o futebol como modalidade enquadrada pelo estatuto.
A nota se utiliza do artigo 28 -item que define o atleta profissional-, que seria aplicável apenas para o futebol, caracterizando-o como único esporte em que haveria profissionalismo. Assim sendo, os olímpicos estariam isentos da obrigação de atender às exigências do Estatuto do Torcedor ou de serem punidos.
"O estatuto vale para o desporto profissional, para competições profissionais. Quem determina se um torneio é profissional ou não é o atleta. Como existem jogadores com contratos de trabalho em várias modalidades olímpicas, elas podem ser enquadradas na lei", diz Heraldo Panhoca, especialista em legislação esportiva.
O advogado Leonardo Serafim tem opinião semelhante: "A lei diz apenas que o futebol é o único esporte em que o contrato de trabalho [prova de vínculo profissional] é obrigatório. Mas, se atletas de outras modalidades firmarem contratos com seus clubes, eles também serão caracterizados como profissionais, e os outros esportes igualmente terão que se enquadrar nas exigências do Estatuto do Torcedor".
Como se não bastasse, o próprio texto elaborado por Coelho se contradiz ao argumentar em favor dos olímpicos. Em certo trecho, diz que a "associação do profissionalismo apenas ao futebol é no mínimo duvidosa".


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