São Paulo, Domingo, 05 de Setembro de 1999
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TOSTÃO
Conselho

Pedro Nava (in memorian), médico e escritor, disse que experiência é como farol de carro iluminando para trás. Na frente, tudo continua escuro. O conselho pouco adianta. Cada pessoa precisa descobrir sua individualidade e seu sonho.
Em algumas situações, um conselho, principalmente uma orientação técnica, pode ajudar o atleta. Quando estreei na seleção, ao lado de Gérson e Pelé, tentei, como fazia no Cruzeiro, jogar sempre de primeira. Gérson, com sua inteligência, chegou para mim e disse: "Jogue com dois toques, que dá tempo para eu chegar perto de você e do Pelé". Segui seu conselho, e tudo melhorou.
No Cruzeiro era diferente. Como Dirceu Lopes, que vinha de trás, era muito rápido, um toque era o tempo certo.
Na semana passada, Romário disse que o Ronaldinho, do Grêmio, era o último jogador romântico do futebol, por causa de seu estilo leve, artístico e criativo. O baixinho aconselhou o jogador a descobrir e jogar onde se sente melhor, não seguir as orientações contrárias de seus técnicos e fazer somente aquilo que realiza bem em campo. Celso Roth e Wanderley Luxemburgo, técnicos do jogador no Grêmio e na seleção, devem ter pensado: "Estão revolucionando a cabeça do bem-comportado guri!".
As recomendações do Romário vão contra o conceito moderno de que o jogador tem que ser versátil, realizar várias funções e atuar para o conjunto. Nem uma coisa nem outra. Fazer somente o que o "professor manda" é uma boa conduta para os jogadores regulares, esforçados e eficientes. O grande craque vai além. Ele tem que ser sábio, como Romário, e descobrir seu brilho individual. O bom técnico é aquele que dá ao atleta as condições para que ele exerça todo seu talento.
Os outros jogadores da equipe também precisam ter consciência desse fato, deixar a vaidade e a inveja de lado e ajudar o craque a jogar bem, pois assim todos saem ganhando.
No Botafogo, os jogadores deixavam o Garrincha isolado, para não atrapalhar a individualidade do anjo de pernas tortas. "Deixem o Garrincha sozinho e vão para a área fazer o gol!", gritava o técnico Saldanha com os jogadores.
É evidente que existem hoje muitos poucos jogadores que merecem esse tratamento diferenciado. A maioria tem que jogar para o conjunto, fazer tudo o que o professor manda e malhar muito para ter um lugar no time.
Ronaldinho, do Grêmio, tem um imenso talento, mas somente o tempo poderá dizer se ele será realmente um craque. No entanto, no time do gaúcho, ele já é uma preciosidade e merece ter essa regalia em campo. A melhor posição do jogador é na frente, perto da área e do gol. Nesses pequenos espaços, Ronaldinho pode fazer a diferença, com um drible, uma finalização ou um passe surpreendente. Não o coloquem para armar e desarmar no meio-campo. Aí, ele não oferece perigo ao adversário.
Noto que o jovem jogador do Grêmio está muito preocupado em jogar para o time e seguir as instruções táticas de seu técnico. O ex-jogador Cruyff escreveu em seu livro que jogava 85 minutos para a equipe e cinco para ele e a torcida. Foram esses cinco minutos que encantaram o mundo.
Ronaldinho precisa seguir as orientações de seus competentes técnicos, mas precisa também sonhar com os conselhos do genial Romário.


Três clássicos

Vasco x Atlético-MG e Palmeiras x Cruzeiro são os principais jogos de hoje do Brasileiro. Coritiba e Paraná realizam o clássico regional da rodada.
Em vez de escalar três atacantes (um pelo centro e dois pelos flancos, como faz o Cruzeiro), o técnico do Vasco, Antônio Lopes, colocou Viola recuado no último jogo, contra o Peñarol, para armar e desarmar no meio-campo, e mais dois atacantes -o que é bem diferente de jogar com três.
Viola, Edmundo e Donizete não têm características de armador. Além disso, em vez de recuar um atacante, é muito melhor colocar um meia com características ofensivas.
O Galo está muito forte em seu alçapão, o estádio do Independência, mas não tem ido bem fora dele. Sua zaga e seus laterais se mostraram frágeis quando o time é pressionado.
Palmeiras e Cruzeiro repetem o já tradicional clássico brasileiro. O time mineiro continua muito forte, com seus três ótimos atacantes, além de Djair e Valdo no meio-campo. O paulista está em fase de recuperação, e uma vitória seria fundamental neste momento.


Somente uma criança que brilhou nos campos de terra pode fazer o gol que o Romário fez no Corinthians. Brincando, ele recebeu a bola de costas para o gol, entre dois zagueiros, dominou, girou o corpo, ajeitando ao mesmo tempo a "redondinha", e finalizou sem defesa para Dida -um gol de pelada. Tudo simples e mágico.
Se o paciente Ronaldinho não fez nenhuma acusação aos médicos da seleção brasileira, não seria o Conselho Regional de Medicina do Rio de Janeiro que iria puni-los.
"Sabiá de setembro tem o orvalho na voz. De manhã, ele recita o sol." (Manoel de Barros)

Tostão escreve aos domingos e às quartas-feiras

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