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SURFE
Hexacampeão, que se afastou do Mundial nesta temporada, busca um novo estímulo para o seu "vício"
No auge, Slater desafiará megaondas
CARLOS SARLI
Colunista da Folha
PAULO LIMA
especial para a Folha
Você tem 27 anos, mais de US$
10 milhões no banco, um romance com a atriz Pamela Anderson
no currículo, é um atleta equiparado a Michael Jordan e Ronaldo,
tem seis títulos mundiais de surfe,
conhece mais de 20 países, ganha
muito para viajar, pegar ondas,
dar autógrafos para mulheres bonitas e participar de noitadas.
O que você faz?
Se a resposta for largar tudo isso
para descobrir algum significado
para sua existência, seu nome é
Kelly Slater.
"Trip" - Você está sempre rodeado por mulheres querendo
te agarrar, garotos querendo
ver você surfar e ver suas pranchas. Como você lida com esse
assédio permanente?
Kelly Slater - É bom ser admirado, mas é difícil lidar com isso.
Por exemplo, às vezes eu quero
andar na praia no final do dia e é
simplesmente impossível.
"Trip" - E você gostaria que isso mudasse?
Slater - Gostaria de ter uma vida
mais normal.
"Trip" - Como é sua família?
Onde estão suas raízes, já que
você vive viajando pelo mundo?
Slater - Eu não tenho raízes.
Nasci na Flórida (EUA) e tenho
dois irmãos (Kelly é o do meio).
Meus pais se divorciaram há 15
anos.
"Trip" - O que fazem seus irmãos?
Slater - Os dois surfam, inclusive meu pai. O mais velho é shaper
(projetista de pranchas), e o caçula surfa pelo mundo, sem endereço fixo nem telefone, dormindo
na casa dos amigos.
"Trip" - Qual porcentagem do
seu sucesso como atleta você
acha que vem de um dom seu, e
qual porcentagem acha que
vem de muito trabalho?
Slater - Acho que o biotipo do
meu corpo, com uma parte de cima mais desenvolvida, somado
aos instrutores certos, foi primordial para tudo dar certo.
"Trip" - Tom Curren (ex-campeão mundial de surfe e antigo
guru de Slater) viveu durante algum tempo esse auge, mas hoje
a vida dele está uma bagunça:
vive isolado e está sem dinheiro. Você acha que isso também
pode acontecer com você? Qual
foi o erro de Curren?
Slater - Curren é um péssimo
administrador. Ganhou muitas
coisas, mas não conseguiu mantê-las. Não sei se sou um bom homem de negócios, mas aprendi a
lição com 20 anos e hoje tenho
quem cuide de meu dinheiro.
"Trip" - Qual foi essa lição aos
20 anos?
Slater - Quando eu tinha 20
anos, já havia ganho mais de US$
1 milhão e, mesmo assim, ao final
daquele ano, estava quebrado, devendo dinheiro. Venho de uma
família simples e, quando comecei a ganhar dinheiro, comecei
também a gastar, e gastei muito.
Não planejei nada, só gastei.
"Trip" - Hoje, com 27 anos e
seis vezes campeão do mundo,
você já pensou em se expandir
em outra direção e começar um
outro projeto?
Slater - Não. O surfe é minha
paixão, e pretendo trabalhar só
com coisas que amo. Pretendo
continuar fazendo isso pelo resto
de minha vida.
"Trip" - Cada vez mais os atletas de nível mundial, como você, estão preocupados com trabalhos sociais. Você tem alguma
ação nesse sentido?
Slater - Todo ano eu cedo uma
bolsa de faculdade. Costumo falar
sempre para as crianças nas escolas sobre drogas, esse tipo de coisa. Ajudo também a Surfrider
Foundation. Faço o que posso.
"Trip" - Você tem uma filha pequena e nunca foi casado. Como
foi isso? Era uma namorada?
Slater - A garota não era minha
namorada, foi apenas um caso.
Quando ela engravidou, decidiu
ter a criança e eu apoiei a decisão.
Aliás, minha filha já está com três
anos de idade.
"Trip" - Você disse há algum
tempo que, depois de ser o campeão mundial mais jovem, gostaria de ser também o mais velho. Ainda é uma de suas metas?
Slater - É sim. Mas do jeito que
o Occy e o Damien estão surfando, eu posso ter problemas (os
surfistas australianos Mark Occhilupo e Damien Hardman, ambos de 33 anos, continuam competindo e atualmente estão em
primeiro e quarto lugares no ranking do circuito mundial).
"Trip" - Você acha que um surfista pode ficar melhor com o
passar dos anos?
Slater -Tenho certeza disso.
Tom Carroll e Tom Curren surfam melhor hoje do que quando
foram campeões mundiais.
"Trip" - Qual sua prioridade no
surfe, já que você abandonou o
circuito neste ano?
Slater - As ondas grandes. Quero focar no surfe de ondas grandes, coisa que não faço há anos.
"Trip" - Essa parada é temporária? Você volta ao circuito no
ano que vem?
Slater - Acho que não. Tenho
muita coisa para pensar e quero
organizar a minha vida.
"Trip" - Como foi seu relacionamento com uma das mulheres mais desejadas do mundo,
Pamela Anderson?
Slater - Nos encontramos pela
primeira vez em 92, em um set de
gravações do Baywatch (seriado
da TV norte-americana). A princípio, não me senti atraído por
ela. Nós dois estávamos comprometidos e, para dizer a verdade,
não achava ela tudo isso. Acho
que ela olhava pra mim e dizia:
"Quem é aquele surfista vagabundo?" Depois de um ano, encontrei-a no Havaí. Ela estava gravando nas areias de Pipeline e, quando apareci, simplesmente largou
tudo e foi me abraçar. Do nada, se
declarou apaixonada por mim.
"Trip" - Você viu o vídeo da Pamela com o marido dela (gravação de relações sexuais entre a
atriz e Tommy Lee Jones, amplamente divulgado pelo mundo, inclusive na Internet)?
Slater - Assisti, mas não consegui chegar ao final. Não vi nenhuma boa tomada (risos).
"Trip" - Você gosta de ler?
Slater - Bastante.
"Trip" - O que tem lido?
Slater - Tenho lido muitos livros de autoconhecimento.
"Trip" - E o que você tira de
proveito deles?
Slater - Que o mais fácil para as
pessoas é trabalhar, ir para o bar e
arranjar uma transa, por exemplo. Mas há algo que está faltando
em suas vidas. Isso aconteceu comigo no surfe. Talvez por causa
da separação dos meus pais, cresci duvidando dos relacionamentos e mergulhei com tudo no surfe. O surfe foi, durante muito tempo, um vício para mim, assim como as drogas e o álcool são para
outras pessoas. A diferença é que
eu tinha consciência disso.
"Trip" - Isso seria um dos motivos que o levaram a abandonar
o circuito mundial neste ano?
Slater - É o principal motivo.
"Trip" - Quais foram as ondas
que mais te marcaram na vida?
Slater - Quando tinha 19 anos,
peguei uma em Pipeline, durante
um campeonato, que me marcou
bastante. Há dois anos, surfei uma
onda em G-Land (Indonésia) que
também foi especial.
"Trip" - Qual a sua opinião sobre o tow-in (prática em ondas
enormes na qual o surfista é puxado por um jet ski em vez de
remar por conta própria)?
Slater - É OK, diferente, sei lá. Já
experimentei o tow-in, mas não é
algo que me conquistou. Sou de
uma geração que não curte muito
o jet ski. As maiores ondas que já
surfei, eu remei para pegá-las.
Quero continuar remando para
surfar ondas grandes.
"Trip" - Qual seu patrimônio?
Slater - Dirijo uma Mercedes,
que adoro, e tenho uma casa na
Flórida e outra na Austrália. Mas
descobri que quanto mais coisas
tenho, mais bagunçada fica a minha vida.
"Trip" - Até bem pouco tempo,
você era o novo talento que
veio para desbancar os surfistas
mais velhos. Hoje, já existem
novos garotos, novos talentos.
Como você encara isso?
Slater - Não me preocupo com
isso. Tenho confiança no meu
surfe. Eu passo por cima deles.
"Trip" - Muita gente chegou a
comentar que você, na época
em que estava vencendo todas
as competições, chegava a se
sentir solitário e entediado por
ser sempre o melhor. Isso é verdade?
Slater - É. Teve um ano em que
ganhei sete etapas de treze. Pra dizer a verdade, eu sempre quis que
aparecesse alguém que competisse o circuito mano a mano comigo, alguém para disputar cada
etapa, cada onda.
"Trip" - Pode-se dizer que você
passou a competir contra você
mesmo?
Slater - Pode-se dizer que sim.
"Trip" - Qual a sua opinião sobre o atual formato de competição da ASP (Associação de Surfe
Profissional)?
Slater - Vejo vários erros básicos. Um deles é que a associação
não é dona dos eventos, depende
dos patrocinadores e de seus logotipos. Outra falha é o tempo reduzido que o surfista passa no
mar. É muita bateria, mas nem todo mundo surfa contra todos.
"Trip" - Você já pensou em algum formato opcional?
Slater - Já. Eu até cheguei a esboçar um novo formato, no qual
todos surfam contra todos e o
tempo real de baterias é o mesmo.
Mandei para a ASP e nunca recebi
um retorno.
"Trip" - Para onde você acha
que está caminhando a evolução do surfe?
Slater - É preciso estudar o surfe, os equipamentos. Como qualquer outra coisa, precisamos de
especialistas do surfe.
"Trip" - Você acha que é possível ensinar o surfe como um esporte convencional?
Slater - Claro. O surfe é um esporte rebelde, solitário, mas que
pode ser ensinado. Acho que o
surfe ainda não é bem compreendido pelas pessoas.
"Trip" - Na sua opinião, quem
é o atleta do século?
Slater - Pelé.
"Trip" - Você segue alguma
dieta especial?
Slater - Recentemente, vi uma
entrevista do Rickson Gracie (lutador de jiu-jitsu) na qual ele falava muito sobre combinação de diferentes tipos de alimentos. Comprei um livro sobre o assunto e
passei a estudar um pouco. Nos
últimos meses, tenho comido
muito abacate, peixe e camarão.
Mas não é nada muito sério.
"Trip" - Além de surfar, você
vem fazendo algum tipo de preparação especial?
Slater - Faço e recomendo a ioga, tanto para o corpo quanto para a mente de qualquer pessoa.
Costuma-se dizer que um músculo rijo é um bom músculo. Eu não
acredito nisso. É preciso espaço
para esse músculo trabalhar. Outro dia, vi na televisão que os cubanos só exercitam as juntas, e
não os músculos. Na minha opinião, isso faz mais sentido.
"Trip" - O que acha das pessoas que passam a maior parte
do tempo tratando do corpo?
Slater - Elas não devem estar
muito legal por dentro, e aí tentam ficar legal por fora trabalhando os músculos. Eu não devia estar julgando, mas talvez o julgamento faça algum bem para elas.
"Trip" - Quantos países você já
visitou?
Slater - Acho que pelo menos
uns 20.
"Trip" - Você já ganhou tudo o
que podia como surfista. Qual
seu objetivo para o futuro?
Slater - Quero achar uma garota
bacana, ter filhos, levar uma vida
normal. Como já disse, a vida aqui
é um sonho e não vai durar.
"Trip" - Na sua opinião, qual o
melhor surfista brasileiro?
Slater - Fábio Gouveia. Ele tem
o estilo mais bonito, se joga, completa boas manobras.
"Trip" - E entre os big riders,
qual o melhor brasileiro?
Slater - Carlos Burle.
"Trip" - Você não acha que o
Carlos Burle deveria estar na lista de convidados do Eddie Aikau (campeonato de ondas gigantes realizado no Havaí apenas para convidados)?
Slater - Sem dúvida. Não sei o
que acontece nesse processo,
acho que perguntam para os lobistas havaianos.
"Trip" - Você já ouviu falar da
"Big Trip"?
Slater - A promoção da maior
onda para os brasileiros, não é?
Sim, ouvi falar. Quem ganhou?
"Trip" - Rodrigo Rezende, surfando uma onda na manhã do
Eddie Aikau. Calculamos que tinha 27 pés. O que você acha
(mostrando a foto)?
Slater - Acho que essa onda tem
mais de 27 pés (8,2 metros).
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