São Paulo, sexta-feira, 06 de fevereiro de 2004

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FUTEBOL

Os técnicos: Nietzsche

JOSÉ ROBERTO TORERO
COLUNISTA DA FOLHA

O busto de Felisberto Nietzsche adorna a praça Sete de Setembro em Ewbank da Câmara. É a única escultura em toda a região, o que dá a medida do grande homem que foi e da importância que teve na vida do interior mineiro.
Nietzsche, no entanto, demorou para ser aceito pelos conterrâneos. O gênio combativo, suas provocações, tudo parecia um pouco fora do tempo, ainda mais se pensarmos que ele viveu o apogeu na metade dos anos 30, época em que predominavam os valores antigos de antigamente.
Não é possível separar a vida do técnico da do Clube Atlético Zaratustra. Foi ali que ele nasceu, viveu e morreu para o futebol.
Na época de Nietzsche, acreditava-se que a tática de um time deveria espelhar uma beleza racional, superior, sublime, enfim um conceito metafísico que não era entendido pela maioria dos jogadores.
Ele, ao contrário, achava que o futebol devia ser uma combinação de duas tendências naturais: a de ordenação, que chamava de apolínea, e a de desmedida, batizada de dionisíaca. Em sua maneira de ver, uma boa mistura dessas duas forças poderia levar a grandes conquistas.
- Teremos um time de super-homens!
E foi o que aconteceu.
Os jogadores mais dados à disciplina eram obrigados a chutar a gol, arriscar dribles e tentar jogadas de efeito. Já os criativos passavam horas aprendendo a marcar, a guardar posição e a cobrir os buracos deixados pelos outros.
Na hora dos jogos, tudo funcionava, e o Zaratustra fazia tremer a Zona da Mata. Seus jogadores tinham um instinto guerreiro e um desejo de força e dominação que cintilava nos olhos e fazia tremer os rivais.
Nada mais natural que, após tantas vitórias, o Zaratustra chegasse à final da Copa Zona. Seu oponente foi o Cruz Azul, de Lima Duarte, que havia feito uma campanha muito inferior e que se destacava só por ter um torcedor entusiasmado: o padre Pereirinha.
No dia da decisão, Nietzsche exclamou:
- Vocês vão ser felizes neste mundo!
Os jogadores subiram as escadas sedentos pela vitória, mas, quando chegaram ao gramado, se depararam com a figura do padre Pereirinha e este lhes disse que os excomungaria do seio da santa madre igreja se ousassem derrotar o Cruz Azul.
- Vocês vão sofrer para sempre no outro mundo!
Nietzsche achou que eles não se curvariam ante uma crendice e gritou: "Não liguem para ele, deus está morto!". Mas o fato é que seus atletas não conseguiram se concentrar na partida e, depois dos 90 minutos, o placar apontava Zaratustra 0 x Cruz Azul 7.
Para o técnico, mais duro que perder a partida decisiva foi perceber que seus atletas não estavam preparados para se libertar de antigas superstições.
Logo depois do apito final do árbitro, ele não se conteve e chorou. Humano, demasiadamente humano.

M.En.T.I.
No Manual Enciclopédico de Times Imaginários, o leitor poderá encontrar dados sobre a gloriosa Associação Esportiva e Recreativa Independência, equipe fundada no dia 7 de setembro de 1922. Seu uniforme era verde e amarelo, e todos os jogadores usavam barba. O Independência foi um time de várzea do bairro do Ipiranga, em São Paulo, e teve razoável sucesso na década de 40. Sua torcida vestia-se como os dragões da independência e gritava todo o tempo "Independência ou Morte". Infelizmente o Independência morreu. Em 1970, o clube afundou em dívidas e teve que vender seu estádio a uma equipe rival, o USA (União Sportiva América).

Contagem regressiva
Cinco...

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