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FUTEBOL
O dia em que o jogo foi censurado
MÁRIO MAGALHÃES
COLUNISTA DA FOLHA
Rememoram-se por esses
dias o atentado da rua Tonelero e a tragédia de Getúlio. Naquela mesma quadra, meio século atrás, o jovem Nelson Pereira
dos Santos filmava a obra que
mudaria para sempre o cinema
brasileiro e daria ao futebol um
dos mais belos registros na tela:
"Rio, 40 graus".
O Maracanã estava cheio. De
verdade, não com as 80 mil pessoas que agora o lotam. O clube
de massa barrou o veterano Daniel, ídolo da torcida. Sua saída
não foi decisão do técnico Mário,
mas de um cartola de bigodinho.
Entrou o garoto Foguinho.
No primeiro tempo, nada de o
substituto engrenar. Gol do adversário. Um pessoal do morro do
Cabuçu, sem dinheiro para o ingresso, acompanhou pelo rádio
do boteco. No estádio com menos
de cinco anos de vida, a torcia pedia por Daniel, que a tudo assistia
de calça e camisa social.
No intervalo, o cartola cobrou
do treinador o desempenho do
novato. "Eu não queria escalar o
garoto. Foi o senhor que insistiu",
respondeu Mário. O dirigente deu
aula sobre jornalismo: "A imprensa já está conversada. Fará
dele [Foguinho] um herói, salvador da pátria".
Foguinho foi recuado e passou a
ponta-de-lança. Antes que deixasse o vestiário, alcançou-o o
"acabado" Daniel. Em vez de desabafo, ouviu-se solidariedade.
Daniel: "Você precisa dar o couro pra se defender. Defender sua
profissão e o seu estômago. (...)
Pense na torcida que tá te esperando. Jogue por você e por ela.
Ela merece respeito e sabe recompensar o jogador honesto".
"Eu não sei por que me escalaram no seu lugar", murmurou o
boleiro acuado. Daniel encerrou:
"Isso são outros 500 cruzeiros.
Talvez porque já esteja velho.
Mas há de chegar o dia em que
deixaremos de ser mercadoria".
O cartola comentou na tribuna
que não liberaria Daniel. Até o
fim da carreira, ficaria preso ao
clube. O apito trilou, Foguinho
marcou dois, virou e levou à vitória. O cartola contou vantagem.
Às vésperas da estréia, em 1955,
a fita recebeu cartão vermelho. O
chefe de Polícia do então Distrito
Federal, um coronel lacerdista,
proibiu a exibição. Não faltavam
motivos, dizia. O palavreado era
vulgar, o cineasta só mostrava
miséria, e 40 graus só podiam ser
ficção: no Rio, não fazia. Tudo
por causa do dito subversivo Nelson, militante do clandestino Partido Comunista do Brasil. Depois
do governo-tampão de Café Filho, liberou geral.
Para um país que se habituara
a chanchadas, foram um assombro as várias histórias ficcionais
(a do Maracanã é uma delas)
pontuadas pelas andanças de meninos que vendiam amendoim.
Influenciado pelo neo-realismo
italiano, o filme flerta com o realismo socialista em momentos essenciais: quando dois fortões, ao
se reconhecerem velhos companheiros de greve, não consumam
a briga pela mulata; e quando
uma certa consciência de classe se
impõe, e o jogador barrado incentiva o sucessor. Mesmo assim, é
bacana, um gol estético e futebolístico que ainda dá gosto de ver.
O "Medalhão"
Duas revelações da semana,
ambas do colunista Juca Kfouri
no diário "Lance!", ajudam a
entender a gestão do Ministério
do Esporte. Ao ministro Agnelo
Queiroz, não bastou vestir a camisa amarelinha e subir no palanque na Copa América. Ele
voltou com uma medalha. Ganhou, dos jogadores, o apelido
de "Medalhão". Outra informação, documentada: ao contrário do que propagava, o ministro operou contra dois artigos do Estatuto do Torcedor: o
sorteio de árbitros (norma exaltada pelo PC do B, partido de
Agnelo, em julho de 2003) e a
responsabilidade dos organizadores das competições por prejuízos a torcedores. Ofícios assinados pelo novo amigo da cartolagem mostram por quais
interesses e por quem ele agiu.
E-mail
mario.magalhaes@uol.com.br
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