São Paulo, sexta, 7 de maio de 1999

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ATLETISMO
Sem dinheiro e esquecido, ex-recordista mundial enfrentava com cerveja as frequentes crises de depressão
Álcool e solidão venceram João do Pulo

Reprodução
João do Pulo, joje internado comproblemas no fígado e no pulmão, em foto tirada por um amigo



da Reportagem Local

Caminhar no fim da manhã para o bar mais próximo, tomar uma, duas, três cervejas, assistir aos telejornais esportivos do meio-dia, pedir uma, duas, três cervejas para viagem, passar o resto do dia trancado, só, quase sempre em jejum.
Essa era a rotina diária nos últimos meses de João Carlos de Oliveira, 45, o João do Pulo, um dos maiores nomes da história do esporte brasileiro.
Depois de ter vivido a fama como recordista mundial de salto triplo nos anos 70, o trauma de um acidente de carro que lhe custou uma perna e a carreira no atletismo em 1981 e o prestígio como deputado estadual entre 1986 e 1994, João do Pulo viu nos últimos quatro anos os negócios falirem, a vida pessoal ruir e os amigos se distanciarem.
Hoje, está internado no hospital Beneficência Portuguesa, em São Paulo, tentando se recuperar de uma hepatite C, uma cirrose e uma broncopneumonia.
No bairro da Ponte Grande, em Guarulhos, na Grande São Paulo, onde o ex-atleta construiu sua vida nos últimos 20 anos, João do Pulo continua uma pessoa querida.
Os vizinhos, amigos e familiares tentam se manter distantes da imprensa, a fim de preservar a imagem do ex-atleta. Evitam expor detalhes da sua vida pessoal.
Mas todos confirmam que, desde dezembro, João do Pulo vivia em reclusão, arredio, com uma rotina autodestrutiva.
As crises de depressão e de bebida acirraram-se em dezembro,dois meses depois de sua fracassada candidatura à Assembléia Legislativa, a segunda consecutiva.
Por causa da campanha política, havia adiado seu trabalho de preparação para a Paraolimpíada de Sydney-2000.
O baque da derrota imediatamente provocou o cancelamento dos churrascos e festas em que ele mesmo gostava de cozinhar.
A casa, de cinco quartos, foi fechada. As visitas ao bar do amigo Pereira, onde costumava almoçar, tomar uma cerveja e jogar truco frequentemente, interrompidas. A garagem onde funcionou sua falida transportadora e seu comitê de campanha, abandonada com entulho eleitoral.
Além da derrota nas urnas, os vizinhos atribuem a depressão de João do Pulo à desilusão com alguns amigos e sócios, principalmente com seu ex-motorista Natanael da Silva (leia texto acima).
"Essa raça sumiu toda. Até gente da família não veio mais aí depois que ele saiu da política", conta Francisco Jeová, dono de um bar na rua onde mora o ex-atleta.
Antes de ser internado, ele costumava passar por lá quase todos os dias. "Era só cerveja. Não chegou a beber demais, só em dia de título do Corinthians. Mas não tinha ninguém, não estava se alimentando e entrou em depressão", conta Jeová, cuja filha tem João do Pulo como padrinho. "Ele tentava mostrar que estava bem, mas não dava, estava muito sozinho", diz Jeová, também compadre do ex-atleta.
Sem trabalhar desde que deixou a vida pública e vivendo da pensão que recebe do Exército (cerca de R$ 1.200,00) como sargento aposentado, João do Pulo, que chegou a melhorar a vida de toda a família, estava morando sozinho.
Sem poder pagar o salário, precisara dispensar a empregada.
Por causa de um negócio com uma padaria malsucedido, acabou perdendo os três carros.
Atrasou o pagamento da pensão da filha e chegou a ser detido.
"Ele não pediu ajuda, é orgulhoso. Não sabia dizer não aos favores mais absurdos quando estava bem. Agora, acha que estaria incomodando", diz Rogério Oliveira dos Santos, 31, o Lelo, primo que mora no mesmo bairro e que levou João para o hospital, em sua primeira internação, em 3 de abril.
"Ele não queria ir, mas estava debilitado. Não comia. Tivemos que negociar para que tomasse um prato de sopa", lembra.
"Houve momentos em que ele não dizia coisa com coisa, ficou com confusão mental", completou o parente, sobre o que médicos afirmam ser uma consequência da hepatite tipo C.



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