São Paulo, sábado, 08 de janeiro de 2005

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Onze rainhas

Megatorneio de várzea, Peladão faz final hoje e decide abrir espaço no campo para as mulheres, que até aqui brilhavam apenas na passarela, ajudando suas equipes

MARIANA LAJOLO
DA REPORTAGEM LOCAL

Arquibancada lotada, holofotes acesos. Aos poucos, centenas de mulheres saem dos túneis e ganham o gramado. Enfileiradas, desfilam para a platéia, provocam frisson, ganham aplausos.
Seria só mais um concurso de beleza, se delas não dependesse o destino de centenas de equipes de futebol que disputam o maior campeonato de peladas do país.
No Peladão, as rainhas e o sucesso dos clubes estão intimamente ligados. Ligação que deve se estreitar neste ano. Antes restritas à passarela, as mulheres desfilarão também com a bola no pé.
"Elas são a alegria da festa. Com elas no estádio, os atletas ficam até mais calmos", brinca Arnaldo Santos, organizador do Peladão. "Neste ano, vão brilhar também no campo, teremos 30 times."
A 32ª edição do torneio, que começou no ano passado, termina hoje, às 19h15 (de Brasília), com o jogo entre Alternativa e Cantareira, no Vivaldo Lima, em Manaus. Após quase quatro meses, 552 equipes da capital e 384 do interior já deram adeus ao evento.
O número é sete vezes maior do arregimentado pela Copa Kaiser, torneio amador de São Paulo, ou mais de 15 vezes superior ao do Campeonato de Favelas do Rio, bandeira social da CBF.
Cada time deve apresentar uma candidata ao Rainha do Peladão. A escolha é fundamental. Se um deles ficar pelo caminho, e a representante seguir na luta, pode ser resgatado para uma repescagem. Neste ano, 650 clubes de Manus foram aprovados no torneio, mas só 554 participaram. Os outros foram barrados porque não levaram suas rainhas à abertura.
À medida que expande as fronteiras com as mulheres -já faz o Peladinho e o Master-, porém, o Peladão vê a retração dos inscritos. Segundo a organização, o motivo é a rigidez do regulamento. "Neste ano, tivemos 800 inscritos, mas não queremos qualquer um, e sim qualidade", diz Santos.
O fenômeno, porém, não serve de empecilho para times como o Águia Dourada, de Paricatuba.
Para calçar as chuteiras, seus jogadores cumprem quase cinco horas pelo rio Negro. Muitas vezes, tempestades obrigam a equipe a ficar encalhada na margem para evitar o naufrágio. Isso quando não perde a partida por causa de um veículo moroso.
"A gente se prepara o ano todo para isso. É complicado, viaja muito de madrugada, pernoita no barco, mas a força de vontade é maior. Toca um pagode, um forró e, quando vê, já chegou", explica Cleusimar Lucas, presidente, preparador físico, técnico e jogador do clube, suspenso por três jogos por afrontar um juiz. "A gente não pode expulsá-lo, então precisa fazer alguma coisa", explica-se.
A dificuldade para preparar a equipe é a mesma para todos. Os times não se conhecem, e os confrontos são definidos por sorteio.
"A gente planeja o que vai fazer, ensaia as substituições e vai. A torcida ajuda muito, às vezes dá palpites valiosos", conta Lucas.
Sobretudo nos bairros afastados e no interior, o campeonato mantém intacto o espírito das peladas. Muitos times arregimentam atletas entre trabalhadores locais.
Para resgatar a tradição, o primeiro jogo da decisão foi disputado na poeira de um campo de areia, no sábado passado. O Cantareira venceu por 1 a 0.
Se a tática ensaiada não dá certo, o time ainda ainda pode torcer pela rainha. Por isso, o concurso é acompanhado de perto por dirigentes, atletas e patrocinadores.
No ano passado, oito times foram "salvos" e jogaram o "Paralelo da Rainha". O vencedor bateu o campeão do interior e ocupou a 16ª vaga das oitavas-de-final.
A rainha do Peladão-2004 é Gabriele Costa, 18, do 3 B, que levou o título, em uma final no estilo "Miss Brasil", após três tentativas. Seu time ficou pelo caminho.


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