São Paulo, sábado, 08 de abril de 2006

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FUTEBOL

Poderoso e vulnerável Timão

JOSÉ GERALDO COUTO
COLUNISTA DA FOLHA

Peço licença aos santistas e são-paulinos, e a todos os torcedores que amanhã podem se tornar campeões estaduais pelo Brasil afora, mas hoje (doutor, eu não me engano) meu coração é corintiano.
Vi a sofrida vitória alvinegra sobre o Universidad Católica num boteco da pior espécie, abarrotado de corintianos vidrados na transmissão do Sportv. Um sanduíche de queijo quente, algumas cervejas e uma possível gastrite foi o preço que paguei para presenciar o espetáculo, ou melhor, para viver a experiência.
Poucas vezes um time de futebol esteve tão adequadamente à altura de sua mística. Atabalhoado, imprevisível, dramático, vibrante, o Corinthians nunca foi tão Corinthians quanto na noite de quinta-feira. Um time ao mesmo tempo poderoso e vulnerável, como um boxeador que sempre perde ou ganha por nocaute. A vitória por pontos é para os seguros, os frios, os comedidos. Para o bem ou para o mal, o Corinthians é puro fogo.
O jogo teve todos os ingredientes que servem para alimentar as lendas: o alvinegro quase marcou logo no começo, sofreu um gol irregular no minuto seguinte, virou ainda no primeiro tempo, cedeu o empate, voltou do vestiário com os nervos tinindo, teve dois atletas expulsos, encontrou forças para fazer o gol mais bonito da noite e ainda resistir ao cego bombardeio chileno.
O conforto na tabela, o torneio vencido com rodadas de antecipação, a campanha mais regular -a vida fácil, em suma- são coisas que não combinam com o caráter do Corinthians, pelo menos do Corinthians forjado na "longa fila" de 1954 a 1977.
O hino não mente quando diz que o Corinthians é, "do Brasil, o clube mais brasileiro". O brasileiro comum, que não tem imunidade parlamentar, nem conta no exterior, nem parentes importantes, nem anel de doutor, se identifica com a dramática imprevisibilidade posta em cena cada vez que a camisa alvinegra entra em campo.
Nesse salto no escuro, não há salvaguardas, não há direitos adquiridos, nada é seguro. A vida, como escreveu Xico Sá, é uma várzea.
Sei que há contradições nesse quadro. O Corinthians é hoje o clube mais rico do país, o que tem mais jogadores caros. Mas sua massa de torcedores, e o espírito que a anima, impedem-no de se aburguesar, de se tornar um Real Madrid dos trópicos, uma agremiação de barões e cardeais.
A meu ver, não foi por deficiência técnica, nem por desentrosamento com os companheiros, que Roger foi parar no banco nesta hora crucial. Jogador de extremo talento e inteligência, talvez sua imagem blasé não condiga com o clima de entrega e sacrifício característico dos grandes momentos do clube.
E não será por acaso que o ídolo máximo do time é um rapaz feio e descamisado que saiu de Fuerte Apache para lutar por uma bola como quem luta pela vida. E essa luta o torna mais belo que todos os Beckhams e Kakás.

Honra ao mérito
Parece-me um tanto ociosa essa discussão sobre "quem merece mais" o título paulista. Num torneio por pontos corridos, desde que não haja manipulação de resultados, sempre vencerá o maior merecedor, por ter feito a melhor campanha. O que se pode dizer, talvez, é que o São Paulo, em seus bons momentos, brilha mais que o Santos. Mas isso não significa "merecer mais". Merece mais quem vence mais que os outros. Simples assim.

Vida nova
Enquanto Raí, ao que parece, vai virar dirigente do Paris Saint-Germain, seu irmão Sócrates estréia no cinema em "Boleiros 2" mostrando uma surpreendente naturalidade diante das câmeras. Pode ser o início de duas novas carreiras.

E-mail jgcouto@uol.com.br


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