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A África experimenta a Copa
Removidos para a periferia da Cidade do Cabo, ex-moradores pobres do centro reclamam de vida em "campo de concentração"
FÁBIO ZANINI
ENVIADO ESPECIAL À CIDADE DO CABO
A 30 km do novíssimo estádio Green Point, o assentamento improvisado de Blikkiesdorp está separado da Cidade do Cabo pela enorme
pista do também novíssimo
aeroporto local.
Parece feito sob medida
para não ser visto pelos milhares de torcedores que rumarão direto do terminal de
desembarque para as muitas
atrações da cidade mais turística do país da Copa.
Para seus 3.000 residentes, a Copa do Mundo é uma
maldição. Por causa dela, dizem, foram removidos das
áreas centrais da cidade e jogados no que chamam de
"depósito de gente", ou
"campo de concentração".
O local é cercado por grades. Os moradores vivem em
barracos de zinco de 18 m2,
em que o forro do teto é feito
de plástico-bolha e o piso é
um adesivo imitando lajotas.
As paredes, de tão finas,
podem ser cortadas por tesouras e oferecem proteção
mínima contra o frio e a chuva. No verão, o lugar queima.
"Me disseram que eu iria
para um abrigo temporário.
Estou aqui até hoje ", diz Andrew Maqoyie, 33, que era
morador de rua na região do
estádio. Ele foi retirado de lá
em 2007, quando a arena começou a ser construída.
Muitos moravam de maneira precária no centro, em
casas abandonadas ou nas
calçadas, mas agora, dizem,
a vida piorou. Além de dividirem latrinas e tomarem banho de balde, estão longe de
oportunidades de emprego.
Marietta Monagiee diz que
vivia no bairro central de
Woodstock. Trabalhava como cozinheira numa sinagoga em Sea Point, também na
área central. Após ser transferida para Blikkiesdorp, tentou manter o emprego por
uma semana, mas desistiu.
"Às vezes era preciso trabalhar até tarde, e não há
transporte de volta para cá",
afirma. "Passei anos morando onde estava e nunca me tiraram. Estou aqui por causa
da Copa do Mundo", afirma.
Hoje desempregada, Marietta sobrevive dos 750
rands (R$ 190) que suas três
crianças recebem da versão
local do Bolsa-Família.
Segundo Jane Roberts, líder comunitária local, a prefeitura nunca admitiu que a
limpeza era em razão da Copa. "Para nós, isso é obvio.
Éramos má publicidade."
O assentamento fica num
local isolado. Chegar ao centro leva duas horas, primeiro
em lotação e depois de trem.
São 30 rands (R$ 7,50) a viagem de ida e volta, que pesam no orçamento de quem
mal ganha mil rands ao mês.
A falta de poder aquisitivo
local obriga os donos de vendinhas a serem criativos. Ismail Mosa, 57, vende açúcar
em saquinhos plásticos, ao
preço de um rand. "Aconteceu aqui o mesmo que durante o apartheid. Os pobres foram expulsos para dar
lugar aos ricos", diz.
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