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São Paulo, terça-feira, 08 de julho de 2003

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BASQUETE

Banana split

MELCHIADES FILHO
EDITOR DE ESPORTE

Às vezes, os miolos embananam. Difícil definir de onde veio a paixão, hoje convertida em obsessão intelectual que me devasta as madrugadas e, paradoxo, às vezes me embala o sono.
Lembro-me dos jogos da Brigham Young University, transmitidos pela brilhante equipe da TV Cultura de São Paulo. Tio Toinho era mórmon, e, à vitamina de frutas que ele batia com bolachas Piraquê, eu retribuía prestigiando as partidas do time daquela universidade religiosa de Utah -às vezes, também pintava na tela a Kansas State do armador brasileiro Agra (que, anos mais tarde, eu descobriria que, coincidência, também saíra de Pernambuco).
Lembro-me de que, enquanto outros se dividiam entre os tocos do veterano Ubiratan e os dribles do jovem Carioquinha, eu idolatrava Adílson, um ás nos arremessos com-auxílio-da-tabela que a molecada de hoje acha que o Tim Duncan inventou. Eu invocava teorias táticas, reclamava que o país ignorava seu "jogador mais moderno". Mas o que me fascinava era o penteado "black power" do saltitante ala-pivô.
Lembro-me do absurdo desenho baseado nos Harlem Globetrotters, atração do psicodélico programa "Globo Cor Especial", que sempre esfriava os ovos mexidos do almoço. A animação era tosca, e o esporte, irrelevante nas histórias, todas sem pé nem cabeça. Mas como resistir a um pivô que, acossado no garrafão, sacava utensílios da vasta cabeleira? Eu viajava, sim, doidão de gemas, claras, manteiga e sal.
Lembro-me de ficar intrigado com a nossa "geração de ouro". Não pelo basquete, que não pude ver. Mas porque reunia apelidos de boteco, como Algodão e Mosquito, e nomes-sobrenomes de cartão de visita, casos de Wlamir Marques e Amaury Pasos.
Lembro-me das fichas técnicas, nomes e pontuação em tamanho miudinho, no pé das reportagens do memorável caderno de esportes do "Jornal da Tarde" de Avallone, Baklanos, Helena e Cia.
Lembro-me de observar fotografias dos bigodudos de Franca, o guru Pedroca e o discípulo Hélio Rubens, para mim heróis da resistência, representantes do cangaço da bola que o tempo alaranjou.
Lembro-me de decorar as seleções da Iugoslávia de cada ano 70. Kicanovic, Dalipagic, Delibasic, Kosic, Radovanovic, Slavnic, Zizic, os meus adversários nas longas partidas de "vinte e um" que disputávamos na sala com uma bolinha de tênis (ou de papel alumínio) e um vaso de latão.
Lembro-me de escapulir da escola (com o Minhoca? com o Fofinho? com o Beribe?) para procurar no Ibirapuera um dos "Ics" do Bosna, equipe iugoslava surrada pelo Sírio no Mundial interclubes no final daquela década.
Lembro-me de ouvir Aleksandar Petrovic anunciar que o irmão adolescente um dia revolucionaria as quadras.
Acabo de me lembrar que há exatamente 20 anos Drazen Petrovic estreou na seleção titular. E que há exatamente dez anos, no auge de sua carreira, sem paralelos na Europa e pioneira na NBA, o cestinha morreu no trânsito.
Como eu disse, às vezes os miolos embananam.

Petrovic 1
O currículo lê três pódios olímpicos (duas pratas e um bronze) e dois mundiais (um ouro e um bronze), além de quatro títulos europeus de clubes. O armador detém os recordes de pontos em finais da Eurocopa (62) e do Espanhol (42), ambos pelo Real Madrid em 1989.

Petrovic 2
Em sua última temporada, o cestinha liderou o New Jersey Nets com 22,3 pontos por jogo e 51,8% de aproveitamento nos arremessos.

Petrovic 3
Por que os europeus invadem a NBA, no vácuo do ídolo croata? Porque treinam mais. A legislação limita os universitários americanos a 20 horas semanais de exercícios. O teen Petrovic torrava quase 50.

E-mail melk@uol.com.br


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