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BASQUETE
Banana split
MELCHIADES FILHO
EDITOR DE ESPORTE
Às vezes, os miolos embananam. Difícil definir de onde
veio a paixão, hoje convertida em
obsessão intelectual que me devasta as madrugadas e, paradoxo, às vezes me embala o sono.
Lembro-me dos jogos da Brigham Young University, transmitidos pela brilhante equipe da TV
Cultura de São Paulo. Tio Toinho
era mórmon, e, à vitamina de frutas que ele batia com bolachas Piraquê, eu retribuía prestigiando
as partidas do time daquela universidade religiosa de Utah -às
vezes, também pintava na tela a
Kansas State do armador brasileiro Agra (que, anos mais tarde,
eu descobriria que, coincidência,
também saíra de Pernambuco).
Lembro-me de que, enquanto
outros se dividiam entre os tocos
do veterano Ubiratan e os dribles
do jovem Carioquinha, eu idolatrava Adílson, um ás nos arremessos com-auxílio-da-tabela
que a molecada de hoje acha que
o Tim Duncan inventou. Eu invocava teorias táticas, reclamava
que o país ignorava seu "jogador
mais moderno". Mas o que me
fascinava era o penteado "black
power" do saltitante ala-pivô.
Lembro-me do absurdo desenho baseado nos Harlem Globetrotters, atração do psicodélico
programa "Globo Cor Especial",
que sempre esfriava os ovos mexidos do almoço. A animação era
tosca, e o esporte, irrelevante nas
histórias, todas sem pé nem cabeça. Mas como resistir a um pivô
que, acossado no garrafão, sacava utensílios da vasta cabeleira?
Eu viajava, sim, doidão de gemas,
claras, manteiga e sal.
Lembro-me de ficar intrigado
com a nossa "geração de ouro".
Não pelo basquete, que não pude
ver. Mas porque reunia apelidos
de boteco, como Algodão e Mosquito, e nomes-sobrenomes de
cartão de visita, casos de Wlamir
Marques e Amaury Pasos.
Lembro-me das fichas técnicas,
nomes e pontuação em tamanho
miudinho, no pé das reportagens
do memorável caderno de esportes do "Jornal da Tarde" de Avallone, Baklanos, Helena e Cia.
Lembro-me de observar fotografias dos bigodudos de Franca,
o guru Pedroca e o discípulo Hélio
Rubens, para mim heróis da resistência, representantes do cangaço
da bola que o tempo alaranjou.
Lembro-me de decorar as seleções da Iugoslávia de cada ano
70. Kicanovic, Dalipagic, Delibasic, Kosic, Radovanovic, Slavnic,
Zizic, os meus adversários nas
longas partidas de "vinte e um"
que disputávamos na sala com
uma bolinha de tênis (ou de papel
alumínio) e um vaso de latão.
Lembro-me de escapulir da escola (com o Minhoca? com o Fofinho? com o Beribe?) para procurar no Ibirapuera um dos "Ics" do
Bosna, equipe iugoslava surrada
pelo Sírio no Mundial interclubes
no final daquela década.
Lembro-me de ouvir Aleksandar Petrovic anunciar que o irmão adolescente um dia revolucionaria as quadras.
Acabo de me lembrar que há
exatamente 20 anos Drazen Petrovic estreou na seleção titular. E
que há exatamente dez anos, no
auge de sua carreira, sem paralelos na Europa e pioneira na NBA,
o cestinha morreu no trânsito.
Como eu disse, às vezes os miolos embananam.
Petrovic 1
O currículo lê três pódios olímpicos (duas pratas e um bronze) e dois
mundiais (um ouro e um bronze), além de quatro títulos europeus
de clubes. O armador detém os recordes de pontos em finais da Eurocopa (62) e do Espanhol (42), ambos pelo Real Madrid em 1989.
Petrovic 2
Em sua última temporada, o cestinha liderou o New Jersey Nets com
22,3 pontos por jogo e 51,8% de aproveitamento nos arremessos.
Petrovic 3
Por que os europeus invadem a NBA, no vácuo do ídolo croata? Porque treinam mais. A legislação limita os universitários americanos a
20 horas semanais de exercícios. O teen Petrovic torrava quase 50.
E-mail melk@uol.com.br
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