São Paulo, domingo, 08 de agosto de 2004

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ARTIGO

Politicagem, corrupção e jogo baixo

LUIZ ALBERTO MACHADO CABRAL
ESPECIAL PARA A FOLHA

A utilização do propósito dos Jogos Olímpicos da Antigüidade para torpes finalidades políticas sempre foi uma ameaça ao elevado ideal de competição.
Uma vez que eram considerados os mais importantes de todos os Jogos Pan-Helênicos e uma vitória em Olímpia trazia glória eterna não apenas ao atleta, mas também à sua cidade natal, era inevitável que esse evento fosse visto como um eficiente instrumento de propaganda política. Foi o que ocorreu com Cós e Filipe 2º, rei da Macedônia, que recorreram à cunhagem de moedas utilizando o tema dos Jogos para promoverem a sua boa imagem.
Sabemos que os atletas competiam para conquistar uma simples coroa, a qual, no entanto, valia mais que qualquer riqueza, pela importância moral que se revestia aos olhos dos helenos. Assim, alguns campeões foram persuadidos a receber recompensas materiais por governantes inescrupulosos que almejavam aumentar seu prestígio pessoal.
É o caso clássico de Ástilo, o grande atleta de Crotona, no sul da Itália, que foi vencedor do "stádion" em três Olimpíadas sucessivas (488-480 a.C.). Na primeira, ele havia se inscrito como atleta de Crotona, mas nas duas seguintes, "a convite" do tirano Hiéron, de Siracusa, ele se registrou como atleta desta cidade.
Depois do episódio, no entanto, Ástilo foi banido de Crotona e seus concidadãos destruíram sua estátua, que havia sido erigida no templo de Hera, e transformaram sua casa em uma prisão.
Em vários séculos, as regras raramente foram transgredidas. Entre os poucos exemplos há o do pugilista Diognetos de Creta, que matou seu adversário, Héracles, durante a disputa; os árbitros recusaram-lhe a coroa de oliveira e expulsaram-no de Olímpia.
Havia três tipos de punições: a multa, a exclusão dos Jogos e o castigo corporal. As penalidades eram impostas pelos árbitros e executadas pelos "altai", a polícia oficial dos Jogos, e pelos "rhabdoûkhoi" (portadores de bastões). O açoitamento, infligido pelas infrações mais leves, era uma das punições mais brandas.
Eram excluídos todos os que haviam cometido assassinato, saqueado um templo ou violado o armistício, fossem indivíduos ou cidades. Esparta, por exemplo, foi excluída dos Jogos de 420 a.C. e multada por atacar duas pequenas cidades, Lépreon e Fírcon, durante o armistício.
Uma parte do dinheiro das multas ia para o tesouro do deus, isto é, para o santuário, e a outra era destinada ao adversário prejudicado, caso houvesse um. Com os recursos, eram erigidas as Zânes, estátuas de Zeus. Seis delas foram erguidas pela primeira vez na 98ª Olimpíada, com o dinheiro da multa paga por Êupolos da Tessália e dos pugilistas que ele havia subornado.
Versos elegíacos foram gravados sobre as bases das estátuas enfatizando que uma vitória olímpica não devia ser obtida por intermédio de dinheiro ou meios fraudulentos, mas pela rapidez dos pés e pela força do corpo.
Assim como as regras raras vezes eram violadas, ao que tudo indica os eleios também dispunham de meios efetivos para controlar o doping e as fraudes esportivas, já que os atletas deviam se apresentar em Olímpia um mês antes do início dos Jogos para treinarem sob a supervisão dos juízes e provarem que haviam treinado nos últimos dez meses.
Em Élis, cada atleta seguia um programa predeterminado de trabalho e de dieta, e, durante essa preparação, os árbitros dos Jogos julgavam os competidores por seu caráter, força, perseverança e habilidade técnica.
Além disso, como os treinadores profissionais eram obrigados a acompanhar o treinamento de seus atletas, também eles estavam submetidos à rigorosa fiscalização dos árbitros.


Luiz Alberto Machado Cabral é professor de língua e cultura neo-helênica no Instituto Educacional Ateniense de SP. Traduziu, do grego, "Os Jogos Olímpicos na Grécia Antiga" (ed. Odysseus)


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