São Paulo, segunda-feira, 09 de agosto de 2004

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ATENAS 2004

Em Olímpia, Jogos deixam de lado propaganda e pódio

Berço olímpico imita Antigüidade para voltar a receber provas

FÁBIO SEIXAS
ENVIADO ESPECIAL A OLÍMPIA

É irresistível. Todo turista que chega ao Stádion, principal ponto do sítio arqueológico de Olímpia, toma posição na linha de largada, faixa de mármore de 33 cm de largura, e dispara. Corre. Brinca de atleta olímpico. E é assim há séculos, juram os guias locais.
No dia 18, a brincadeira será deixada de lado. Japoneses com suas câmeras digitais darão lugar a atletas de ponta. Pela primeira vez em pelo menos 1.611 anos, o antigo santuário vai receber provas olímpicas: os torneios masculino e feminino de arremesso de peso.
Será o verdadeiro retorno às origens. No Peloponeso, 278 km a oeste da capital, é Olímpia, e não Atenas, o berço dos Jogos.
Foi lá, em 776 a.C., que os gregos competiram pela primeira vez no Stádion, descampado de areia e terra batida com 600 pés de comprimento, ou 183 m.
Foi lá que o festival ganhou força, criou a tradição de ser promovido a cada quatro anos -intervalo batizado de Olimpíada- e fez brotar rivalidades até 393 d.C., quando um decreto do imperador Teodósio 1º vetou a disputa.
Foi lá, enfim, que tudo surgiu.
Diferentemente de Atenas, que vive dias frenéticos, Olímpia se prepara com tranqüilidade para debutar na Era Moderna e promover na próxima semana o evento mais curioso -para dizer o mínimo- de toda a Olimpíada.
O motivo: não há muito a ser feito. Na verdade, não há nada.
"Nossa proposta é reproduzir o ambiente dos Jogos da Antigüidade. Ou seja, não haverá nenhuma tecnologia. Não faremos nada de especial ou de diferente. Os atletas simplesmente chegarão aqui e competirão, como séculos atrás", disse Sophia Hassapis, responsável pela organização do evento.
Não é exagero. A primeira eliminatória será às 8h30 (horário local) e a última final, a masculina, começará às 17h30. Portanto, não haverá refletores. "Também não usaremos placares eletrônicos. Haverá só um tabuleiro, no qual colocaremos os resultados."
A força da tradição venceu até os patrocinadores oficiais de Atenas-2004, que investiram, juntos, US$ 603 milhões nos Jogos. O Stádion será a única sede olímpica sem nenhuma faixa com logomarcas -usualmente, apenas o recinto da competição é poupado.
"É um sítio arqueológico dos mais importantes do mundo, não um estádio comum. Não dá para banalizar, torná-lo um ponto comercial. As empresas entenderam perfeitamente", explica Sophia.
Não haverá vendas de ingressos, arquibancadas ou pódio.
As entradas foram distribuídas de graça para quem se inscreveu numa lista de espera e já estão quase esgotadas -há poucos bilhetes, só para as eliminatórias.
O público, de 15 mil pessoas, ficará sentado na grama, como antigamente -só haverá assentos para alguns oficiais do COI (Comitê Olímpico Internacional).
E a premiação, mais um revival, será apenas para o vencedor: um ramo de oliveira. Na Antigüidade, os helênicos desprezavam os segundo e terceiro colocados.
Só dois dias depois, no Estádio Olímpico, já em Atenas, acontecerá a cerimônia oficial. Aí, com direito a ouro, prata e bronze.
A única intervenção em Olímpia, patrimônio da humanidade tombado pela Unesco, será a marcação da área circular para o arremesso e a colocação da gaiola, proteção para evitar acidentes.
Dos 84 inscritos nas duas competições, haverá apenas uma brasileira: Elisângela Adriano, 32, prata no Pan de Santo Domingo.
Ela está na Espanha e chegará à Grécia dois dias antes da prova. Mas está longe da lista de favoritas. No feminino, a Rússia domina o arremesso de peso. Os americanos comandam no masculino.
Para Olímpia, isso pouco importa. Porque também não haverá hino. A vitória será da história.



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