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ATENAS 2004
Em Olímpia, Jogos deixam de lado propaganda e pódio
Berço olímpico imita Antigüidade para voltar a receber provas
FÁBIO SEIXAS
ENVIADO ESPECIAL A OLÍMPIA
É irresistível. Todo turista que
chega ao Stádion, principal ponto
do sítio arqueológico de Olímpia,
toma posição na linha de largada,
faixa de mármore de 33 cm de largura, e dispara. Corre. Brinca de
atleta olímpico. E é assim há séculos, juram os guias locais.
No dia 18, a brincadeira será deixada de lado. Japoneses com suas
câmeras digitais darão lugar a
atletas de ponta. Pela primeira vez
em pelo menos 1.611 anos, o antigo santuário vai receber provas
olímpicas: os torneios masculino
e feminino de arremesso de peso.
Será o verdadeiro retorno às
origens. No Peloponeso, 278 km a
oeste da capital, é Olímpia, e não
Atenas, o berço dos Jogos.
Foi lá, em 776 a.C., que os gregos
competiram pela primeira vez no
Stádion, descampado de areia e
terra batida com 600 pés de comprimento, ou 183 m.
Foi lá que o festival ganhou força, criou a tradição de ser promovido a cada quatro anos -intervalo batizado de Olimpíada- e
fez brotar rivalidades até 393 d.C.,
quando um decreto do imperador Teodósio 1º vetou a disputa.
Foi lá, enfim, que tudo surgiu.
Diferentemente de Atenas, que
vive dias frenéticos, Olímpia se
prepara com tranqüilidade para
debutar na Era Moderna e promover na próxima semana o
evento mais curioso -para dizer
o mínimo- de toda a Olimpíada.
O motivo: não há muito a ser
feito. Na verdade, não há nada.
"Nossa proposta é reproduzir o
ambiente dos Jogos da Antigüidade. Ou seja, não haverá nenhuma
tecnologia. Não faremos nada de
especial ou de diferente. Os atletas
simplesmente chegarão aqui e
competirão, como séculos atrás",
disse Sophia Hassapis, responsável pela organização do evento.
Não é exagero. A primeira eliminatória será às 8h30 (horário
local) e a última final, a masculina,
começará às 17h30. Portanto, não
haverá refletores. "Também não
usaremos placares eletrônicos.
Haverá só um tabuleiro, no qual
colocaremos os resultados."
A força da tradição venceu até
os patrocinadores oficiais de Atenas-2004, que investiram, juntos,
US$ 603 milhões nos Jogos. O Stádion será a única sede olímpica
sem nenhuma faixa com logomarcas -usualmente, apenas o
recinto da competição é poupado.
"É um sítio arqueológico dos
mais importantes do mundo, não
um estádio comum. Não dá para
banalizar, torná-lo um ponto comercial. As empresas entenderam
perfeitamente", explica Sophia.
Não haverá vendas de ingressos,
arquibancadas ou pódio.
As entradas foram distribuídas
de graça para quem se inscreveu
numa lista de espera e já estão
quase esgotadas -há poucos bilhetes, só para as eliminatórias.
O público, de 15 mil pessoas, ficará sentado na grama, como antigamente -só haverá assentos
para alguns oficiais do COI (Comitê Olímpico Internacional).
E a premiação, mais um revival,
será apenas para o vencedor: um
ramo de oliveira. Na Antigüidade,
os helênicos desprezavam os segundo e terceiro colocados.
Só dois dias depois, no Estádio
Olímpico, já em Atenas, acontecerá a cerimônia oficial. Aí, com direito a ouro, prata e bronze.
A única intervenção em Olímpia, patrimônio da humanidade
tombado pela Unesco, será a marcação da área circular para o arremesso e a colocação da gaiola,
proteção para evitar acidentes.
Dos 84 inscritos nas duas competições, haverá apenas uma brasileira: Elisângela Adriano, 32,
prata no Pan de Santo Domingo.
Ela está na Espanha e chegará à
Grécia dois dias antes da prova.
Mas está longe da lista de favoritas. No feminino, a Rússia domina o arremesso de peso. Os americanos comandam no masculino.
Para Olímpia, isso pouco importa. Porque também não haverá hino. A vitória será da história.
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