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Fênix olímpica
Das ruínas pós-guerra, iraquianos superam adversidades e mantêm vivo sonho de ir a Atenas
GUILHERME ROSEGUINI
DA REPORTAGEM LOCAL
As janelas estilhaçadas são a
única fonte de ar fresco nos dias
de calor. Não há ventiladores,
chuveiros, bebedouros. No teto,
três pares de lâmpadas iluminam
o ambiente, mas a eletricidade falha quase diariamente.
Nessa acanhada saleta, localizada na parte leste de Bagdá, treinam os melhores atletas iraquianos de levantamento de peso.
Ninguém reclama. Não há tempo.
Nos próximos meses, os competidores tentarão cumprir uma
missão crucial para seu país: obter
vagas na Olimpíada de Atenas,
programada para agosto.
"Eles estão empolgados com a
possibilidade de disputar torneios
classificatórios para os Jogos. Esperamos por isso há muito tempo. É uma prioridade nacional",
conta Mustafa Saraj, que vive na
capital e é membro do comitê interino que administra o esporte.
O engenheiro foi um dos dirigentes que descreveram à Folha a
situação local e de outros países
assolados por grandes conflitos.
Estruturalmente, o cenário é
pouco animador. De acordo com
a Autoridade Provisória da Coalizão, que rege o país após a queda
do ex-ditador Saddam Hussein, o
Iraque tem hoje cerca de 200 instalações esportivas, entre campos,
quadras e academias. "Quase tudo está destruído ou em estado
bastante precário", lembra Saraj.
Mísseis e bombas lançados por
ingleses e americanos durante a
guerra, bem como os atentados e
a guerrilha que se sucederam após
a ocupação, não são os únicos responsáveis pelo estrago.
Segundo especialistas, o esporte
local está arrefecendo desde que
Uday Hussein, filho do ex-ditador, assumiu o comando do comitê olímpico, em 1984. "O país
ficou desatualizado. Provamos
com documentos que Uday realmente torturava atletas", diz Muttaleb Ahmad, diretor do Conselho
Olímpico da Ásia.
Sua tese encontra respaldo na
história. Em Londres-1948, o Iraque debutou em Olimpíadas. A
primeira e única medalha foi angariada somente 12 anos depois,
nos Jogos de Roma -Abdul Wahid Aziz conquistou o bronze no
levantamento de peso.
Para Moscou-1980, os iraquianos enviaram sua mais abrangente delegação: 44 competidores.
Daí em diante o número foi decaindo até os quatro representantes que marcharam no estádio
olímpico de Sydney, em 2000.
Novos rumos
Com a ajuda do Comitê Olímpico Internacional, o projeto é repetir esse número em Atenas. Mesmo com critérios técnicos mais rígidos para evitar o inchaço dos Jogos, a entidade prometeu quatro
vagas ao Iraque -duas no atletismo e duas na natação.
"É uma questão de identidade.
Participar da Olimpíada vai trazer
de volta o orgulho do iraquiano.
Isso é essencial", conta Ahmad.
Nas pistas, os "wild cards", como os convites do COI são chamados, devem beneficiar a galhardia de Ali Hamdan Hashim.
Em dezembro, ele se tornou o primeiro iraquiano a competir nos
EUA após a guerra -disputou a
Maratona da Califórnia.
A história que vem das piscinas
é ainda mais emblemática. Sarmad Mohamad, Zaid Saeed e Mohammed Abbas receberam, em
julho do ano passado, uma convocação da Federação Internacional de Natação para a disputa do
Mundial de Barcelona, em agosto.
Aceitaram imediatamente e
aproveitaram os holofotes para
fazer uma denúncia. Desde abril,
estavam treinando no rio Tigre.
Motivo: os soldados da coalizão
haviam tomado a única piscina
olímpica (50 m) de Bagdá.
"Eles querem destruir tudo.
Não nos sobra nada", protestou
Saeed, um dos que devem chegar
à Atenas via "wild-card".
Para as forças de coalizão, não
houve má-fé ou sortilégio. A piscina foi interditada, segundo a
Autoridade Provisória, porque a
água estava contaminada.
Coincidência ou não, os iraquianos puderam voltar a usar o
local quando retornaram do
evento na cidade catalã.
Mais vagas
Os quatro lugares oferecidos
pelo COI não parecem suficientes.
Mesmo sem convites, outras modalidades ainda tentam incrementar a delegação iraquiana.
Atletas que praticam levantamento de peso, boxe e tae-kwon-do seguem treinando nas pífias
condições da capital para disputar, a partir deste mês, os torneios
pré-olímpicos, que vão até maio.
Enfrentarão adversários preparados e bem treinados, não terão a
complacência de ninguém, mas,
ainda assim, sonham em desfilar
sob o preto, verde, vermelho e
branco da bandeira iraquiana.
Só que, com tantas limitações,
eles não devem repetir na Grécia a
cena que emocionou os membros
do COI na última visita que fizeram ao país, em maio.
De acordo com o relato de Ahmad, a comitiva interrompeu a
peregrinação na biblioteca da
Universidade de Bagdá.
Lá, pregadas na parede, uma flâmula da Olimpíada de Moscou e
uma foto da delegação iraquiana
no desfile de abertura trouxeram
muitas lembranças à tona. "É
aquela vibração esportiva que
queremos de volta", diz Ahmad.
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