São Paulo, quarta-feira, 10 de maio de 2006

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FUTEBOL

Garra, marcação e talento

TOSTÃO
COLUNISTA DA FOLHA

A seleção brasileira teve nos últimos tempos, como agora, um número maior de grandes craques do que a Argentina. Por isso, ganhou mais títulos. Mas os times argentinos têm sido, mais ou menos, tão eficientes quanto os do Brasil.
Os clubes brasileiros geralmente têm melhores jogadores, mas os argentinos combinam melhor a garra, a correria e a marcação forte com a técnica e a calma para decidir. Já muitas equipes brasileiras, como o Corinthians contra o River Plate, quando jogam com muita garra e são pressionados, costumam perder a lucidez e também o jogo.
Ao mesmo tempo em que muitos jogadores do Corinthians estavam em pânico pela responsabilidade e pela pressão de decidir em casa, eles pensavam que seria quase impossível perder a vaga, pois bastava ganhar por um gol de diferença e todos diziam que o Corinthians era muito melhor.
Nesses momentos de tensão, aumenta a ambivalência humana. Um sentimento luta contra o outro. Os atletas demonstram no campo as contradições humanas.
Além dos passes decisivos, até o Gallardo desarmou bastante no meio-campo. O volante Xavier era pressionado e entregava a bola. Marcar como Gallardo era o que o Passarella tentou fazer com Roger, sem sucesso, quando era técnico do Corinthians.
Todos os jogadores do mundo, até os maiores craques brasileiros, têm dificuldades quando são marcados por pressão, como fez o River Plate e fazem os times argentinos. Ainda bem que a maioria dos outros adversários têm medo da seleção brasileira e, em vez de pressionar, recuam para contra-atacar.
Há ainda um conceito equivocado no Brasil de que marcar bastante está associado ao defensivismo, ao excesso de faltas e ao jogo feio. O São Paulo mostra que isso não é sempre verdade. O time pressiona, toma a bola com facilidade e ataca com muitos jogadores. Para isso é preciso treino e muito preparo físico.
As grandes equipes do Grêmio e do Internacional uniam também a marcação forte com a qualidade dos jogadores e a busca pelo gol.
O Inter atual, que possui bons jogadores e tem sido muito elogiado, ainda não mostrou todas essas características em um único jogo. Se isso acontecer, será, ao lado do São Paulo, um forte candidato aos títulos da Taça Libertadores da América e do Campeonato Brasileiro.

Argumentos
Um leitor, que encontrei em uma de minhas caminhadas pelas ruas de Belo Horizonte, me fez uma ótima observação: "Se o ala Cicinho vai ser convocado para a lateral, por que o ala Júnior, que tem jogado muito bem, não pode ser chamado, já que jogou quase toda sua carreira de lateral?".
No Real Madrid, Cicinho é reserva do meia-direita Beckham. O lateral-direito titular é o Michel Salgado, que é pior que o Belletti, reserva do Cafu na Copa do Mundo de 2002.
Por isso, continua o leitor, o Parreira, para ser coerente, não deveria convocar o Cicinho nem o Júnior ou então chamar os dois. Sugiro a contratação desse leitor, que não sei o nome, para ser comentarista de uma das mesas-redondas da televisão.
Mas contra fatos há argumentos. Eu convocaria o Serginho e o Cicinho porque o lateral do Milan tem mostrado que desarma e apóia bem. Cicinho seria uma opção diferente do Cafu, para jogar contra equipes que deixam espaços para o lateral avançar. No ataque, ele é hoje melhor que o Cafu. Para o Cicinho atuar mais como marcador do que apoiador, é melhor convocar o Belletti ou o Maicon.
O técnico do México disse recentemente numa entrevista à Folha que a estratégia usada na vitória sobre o Brasil na Copa das Confederações foi explorar bastante os espaços nas costas do Cicinho. Isso ficou evidente durante o jogo.
Não dá para um técnico prever tudo que pode acontecer durante a partida. Os bons treinadores são os que, além de treinar e orientar bem os jogadores, sabem lidar bem com os imprevistos.
Outras freqüentes características dos técnicos -como gritar e indicar as jogadas na lateral do campo, como se os jogadores fossem medíocres, infantis ou imbecis, e as palestras de motivação e auto-ajuda- são menos importantes ou irrelevantes.
Será que o Parreira já leu o livro "A Arte da Guerra?". É a bíblia, o livro de cabeceira de todos os treinadores, dos bons e dos ruins.

E-mail
tostao.folha@uol.com.br


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