São Paulo, Domingo, 11 de Abril de 1999
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É hora de rediscutir as torcidas organizadas

JUCA KFOURI
Colunista da Folha

Não gosto das torcidas organizadas. Jamais gostei.
E não vejo nelas autoridade para falar em nome da grande massa de torcedores de qualquer clube, posto que ninguém lhes deu mandato para tanto.
Além do mais, penso que quem torce por um clube não precisa se organizar para demonstrar sua paixão.
Em regra, o torcedor organizado gosta mais de sua facção do que do clube, razão pela qual fico pasmo quando vejo diretorias ou comissões técnicas de grandes clubes do país recebendo os ""organizados" como se fossem porta-vozes da grande massa. E por quê?
Porque provavelmente é o que eles são.
Por contraditório que pareça, o fato é que as organizadas existem, são reconhecidas nos clubes (o Flamengo chegou até ao absurdo de transformar chefes de torcida em dirigentes de seu futebol) e, justiça seja feita, são as maiores responsáveis pelos belos espetáculos coreográficos em nossos estádios -exceção feita aos de São Paulo, onde estão proibidas.
Quando a proibição foi estabelecida, logo após a carnificina de agosto de 1995, no Pacaembu, num jogo entre juniores de Palmeiras e São Paulo, que resultou na morte de um torcedor, não havia mesmo outra medida a ser adotada. Era necessário estancar a demência, suspender o próprio futebol se fosse o caso, porque não faz o menor sentido que pessoas morram em praças destinadas à diversão pública. E estava virando moda em São Paulo morrer nos campos de futebol.
Quase quatro anos se passaram desde então.
Se a violência em torno dos estádios tem recrudescido, dentro, é verdade, diminuiu sensivelmente. E a ausência das organizadas como tais colaborou decisivamente para isso.
Mas ninguém desconhece que elas jamais deixaram de frequentar as arquibancadas.
Passaram a ir em número menor, com disfarces, mas lá estavam, sempre.
E, cada vez mais, lá estão.
Como a proibição não é solução definitiva para o problema, além de provavelmente inconstitucional, talvez tenha chegado a hora de começar a se discutir a ""descriminalização" das torcidas organizadas.
Sem pressa, com cuidado, mas sem medo.
Porque as autoridades inglesas não proíbem os ""hooligans" de ir a campo, mas os vigiam a ponto de terem tirado os alambrados dos estádios.
Nossas autoridades já tiveram tempo suficiente para aprender como tratar com aqueles que se organizam para a baderna. Não parece justo que os que querem apenas se divertir paguem o mesmo preço, além do direito de ir e vir -vestido como bem entender.

Quem passou maus bocados com torcedores foi Eurico Miranda, em Brasília, no estádio Mané Garrincha, palco de Brasil e EUA, no meio de semana.
Sem esboçar reação, sorrindo amarelo, Miranda não só ouviu coros desagradáveis como, na própria tribuna de honra em que estava, um senhor de idade postou-se a sua frente e, dedo em riste, cara a cara, fez seu desabafo pessoal, para delírio das pessoas em volta.

Aguarde novidades sobre a deliciosa expressão ""matar a cobra e mostrar o pau".


Juca Kfouri escreve aos domingos, terças e sextas


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