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FUTEBOL
Zé Cabala, o retórico
JOSÉ ROBERTO TORERO
COLUNISTA DA FOLHA
Um sujeito não muito alto
e já um tanto grisalho cruzou uma pequena ponte negra e
dirigiu-se até a porta do grande
místico Zé Cabala. Pegou na aldrava em forma de dragão e bateu três vezes. Gulliver, o anão,
veio atender:
- Sete da manhã!, protestou
ele lá de baixo.
- Desculpe, eu sou do interior..., lá nós acordamos cedo.
- Tudo bem, mas já aviso
que o mestre está meio estranho.
- Efeito de algum duelo com
as trevas malignas?
- Não, é que ele cismou de fazer um curso de oratória e está
falando mais complicado que
economista. O senhor verá com
seus próprios olhos. Ou com seus
ouvidos.
O cliente entrou na sala do
mago dos magos e ficou à espera. Um minuto depois chegou
Zé Cabala. Seu turbante estava
um pouco torto e por baixo da
túnica via-se um pijama com estampas do Pateta.
- Salve, mestre!
Zé Cabala bocejou, depois curvou-se de leve e indicou uma cadeira para que ele se sentasse.
- Guia dos guias, o senhor
sabe que eu tenho uma pedreira
pela frente neste domingo, não
sabe?
- Claro. Ou você logra um
triunfo ou vão impulsionar a
extremidade do membro inferior contra a sua região glútea.
- Como?!
Gulliver pôs a mão no ombro
do sujeito, que estava sentado, e
disse:
- Ele falou que ou você ganha ou te dão um pé na bunda.
- Na verdade, disse o visitante, a gente não contava com a
última derrota.
- Você creditou o primata e
deglutiu batráquios.
- Isso quer dizer...?
- Que você pagou um mico e
teve que engolir sapos.
- Obrigado, Gulliver.
- Sou pequeno, mas meu vocabulário é grande.
- Mas diga, ó técnico dos técnicos, o senhor acha que devo
começar o jogo cautelosamente
para não tomar um gol no começo e só no segundo tempo ir
para cima?
- Nem sequer considere a
possibilidade de a fêmea bovina
expirar fortes contrações laringo-bucais!
- Nem que a vaca tussa!,
emendou Gulliver.
- Sei, sei...
- Meu dileto, ou você derruba com intenções letais ou colocará o prolongamento caudal
entre os membros inferiores.
- Ou você cai matando ou
enfia o rabo entre as pernas,
adiantou-se Gulliver.
- Entendi, ó grande mestre.
Quer dizer que eu tenho que pôr
o time no ataque e dar um sufoco no inimigo.
- Sim, meu grande Nelsinho,
o resto é prosopopéia flácida para acalentar bovinos.
O cliente olhou para Gulliver:
- Conversa mole para boi
dormir.
- Obrigado, grande vidente,
seus conselhos acabaram com
minhas dúvidas.
Os dois sorriram e apertaram-se as mãos com força. Logo em
seguida, porém, o cliente limpou
a garganta:
- Bem, quanto ao pagamento..., há um pequeno problema:
me excedi um pouco este mês e
não vou poder pagar a consulta.
Poderíamos colocar na conta?
Zé Cabala, furioso e com o dedo em riste, vociferou:
- Recolha o filhote de equino
da perturbação pluviométrica!
Desesperado, o cliente olhou
para Gulliver, que traduziu:
- Tire o cavalinho da chuva!
O jogo das jogadas
O treinador chamou seus homens e iniciou a preleção: "Você
tem que conter os avanços pela esquerda, Renato, os ataques
começam sempre por ali. Michel, você pode entrar duro, sem
temer! Já você, Zé Filho, me fecha o centrão, que ali é o seu meio
ambiente. O Chico Dá Neles vai voltar a ser titular, já que a reserva andou fazendo besteira ultimamente. Padilha, você tem a
missão de congestionar o meio-campo. O Serra tem que se soltar. Aproveita essa tua saúde, homem! Agora você, Jáder, se a
bola chegar na tua mão, atrasa a reposição o mais que puder,
entendeu? Faz cera mesmo! Vamos lá, quero vocês a dois milhões por hora!". Parece a preleção do treinador de um retrancado time do interior? Parece, mas poderia ser também uma
dessas reuniões que FHC fez com seu pessoal para derrubar a
CPI da corrupção. Nesse tipo de partida vale apelar, vale o antijogo e vale carrinho por trás. É o que pode ser chamada de democracia de resultados.
E-mail: torero@uol.com.br
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