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TURISTAS OCIDENTAIS
Em Daegu, gol da Coréia transforma protestos em festa
Chuva, sol e ressentimento
MÁRIO MAGALHÃES
ENVIADO ESPECIAL A SEUL
ROBERTO DIAS
ENVIADO ESPECIAL A DAEGU
Centenas de milhares de torcedores sul-coreanos transformaram ontem a comemoração do
gol de empate do seu time com a
seleção norte-americana num
protesto contra um episódio esportivo do começo do ano.
No estádio Daegu, o autor do
gol, Ahn Jung-hwan, festejou com
seus companheiros imitando o
movimento de um patinador.
Em Seul, onde cerca de 300 mil
pessoas assistiram à partida em
telões no centro da cidade, conforme a polícia, o movimento foi
imitado pelos torcedores.
A coreografia foi uma referência
a um fato que irritou profundamente os sul-coreanos: a desclassificação de Kim Dong-sung na
prova dos 1.500 metros da patinação de velocidade nos Jogos Olímpicos de Inverno, em Salt Lake
City, nos EUA, em fevereiro.
Kim terminou à frente do norte-americano Apolo Anton Ohno,
mas foi desclassificado porque
um juiz australiano considerou
que o fundista asiático bloqueou a
passagem do adversário.
"Não sei o que era aquilo", afirmou o treinador dos EUA, Bruce
Arena, sobre o gesto feito pelos jogadores do time oponente.
Vestindo camisa vermelha, em
Seul, o escritor de livros budistas
Jean Hyun-jong, 36, disse: ""Nós
nunca esqueceremos o que aconteceu em Salt Lake City".
A partida foi em Daegu, 297 km
a sudeste de Seul. Mas só no centro da capital se juntaram cinco
públicos do estádio (60.778).
A euforia com a seleção produziu um dos fenômenos da Copa
do Mundo. O que ocorre em dez
diferentes locais de Seul e em outros municípios não é a reunião
corriqueira em bares, restaurantes ou mesmo audiências amplas
diante de telões que
se conhece no Brasil. É algo muito
maior.
Ontem, a partida
começou às 15h30
(horário local). Em
todo o país, as escolas liberaram os estudantes e as empresas, os funcionários. A repercussão
é mundial. Pelo menos duas equipes da
CNN cobriram o
evento em Seul. A
CCTV, da China, o
relatou.
Como nos estádios, é a torcida organizada Diabos
Vermelhos -ou
Red Devils- que
puxa palavras de
ordem e cânticos.
Na Coréia do Sul, a
grande ""uniformizada" não é de clube, mas da seleção.
Numerosas pessoas
disseram que não viajaram a Daegu porque não havia ingressos sobrando.
Mais de 5.000 lugares, contudo,
ficaram vazios. Isso que desde a
véspera centenas de torcedores
formaram uma fila, na qual dormiram em barracas de camping,
para comprar uma entrada.
Embora a comemoração do gol
que selou o 1 a 1 tenha atiçado os
torcedores, não ocorreram os
problemas que o governo coreano temia: manifestações massivas
de repúdio aos EUA, seu aliado
político, econômico e militar.
Nos dias que antecederam a
partida, centenas de estudantes
pediram em Daegu a retirada dos
cerca de 37 mil militares norte-americanos que estão estacionados na Coréia do Sul.
No estádio, houve um esquema
especial, que reuniu 7.000 agentes. Por motivos de segurança, o
presidente sul-coreano, Kim Dae-jung, não compareceu.
Em Seul, 3.000 policiais cuidaram exclusivamente da proteção
da Embaixada dos EUA, a 500
metros da maior concentração de
torcedores, na área chamada
Gwanghwamun. Temendo problemas, a representação diplomática ficou fechada.
Apareceu um único manifestante, carregando cartazes na
frente e nas costas afirmando que
os EUA não são um país amigo.
Como inexistiram atos que fossem significativos, toda a tropa ficou como os soldados do romance (de Dino Buzzati) e do filme (de
Valerio Zurlini) "O Deserto dos
Tártaros": esperando um inimigo
que nunca chega.
O locutor que animou a platéia
em Gwanghwamun apelou para
que não houvesse protestos contra os EUA. Dias antes, o presidente da República pediu a mesma coisa.
Quase não se viram camisas da
seleção dos EUA em Seul, onde
norte-americanos têm escrito para jornais de língua inglesa reclamando da ""expansão do sentimento antiamericano".
No estádio havia mais torcedores, que foram sufocados pelos
sul-coreanos, como previsto.
Apesar da rivalidade, ambas as
torcidas se divertiram juntas com
um show de heavy metal num
parque ao lado. Um espectador
vestido de Elvis Presley agitou os
vizinhos.
Ao contrário do que ocorreu na
vitória da Coréia contra a Polônia,
choveu torrencialmente em Seul.
No estádio de Daegu fez sol na
maior parte do tempo.
O comportamento dos torcedores é curioso. Os gritos em falsete,
como fãs de ídolos de rock, não
são dados apenas por garotas,
mas também por rapazes.
Os berros mais histéricos ocorrem quando o treinador do time
coreano, o holandês Guus Hiddink, 49, aparece no telão. As pessoas ficam nas ruas até limpar o lixo jogado pela multidão.
Muitas mulheres passam o tempo tapando a boca. O motivo
principal é óbvio: nervosismo.
Outro é a tradição: aquelas que
mostram as gengivas -por
exemplo, ao rir- ainda são em
certos meios consideradas "fáceis, oferecidas".
"Infelizmente aqui ainda é assim", afirmou a secretária Kim
Hjo-sung, 30.
Depois de ver jogo num telão,
ela fez num café o que cada vez
mais mulheres fazem, mas ainda
em número reduzido: fumou em
público, atitude até pouco tempo
atrás restrita aos homens.
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