São Paulo, sábado, 13 de janeiro de 2001

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FUTEBOL
Paranóias

JOSÉ GERALDO COUTO
COLUNISTA DA FOLHA

Tomei um táxi em Florianópolis cujo motorista, que se dizia vascaíno, tinha uma versão peculiar sobre o que aconteceu no estádio de São Januário em 30 de dezembro passado.
Segundo ele, o responsável pela tragédia que causou a interrupção da partida não foi Eurico Miranda nem a superlotação do estádio, e sim Romário.
Ao perceber que "o jogo estava difícil", o atacante e artilheiro vascaíno teria pretextado uma contusão para abandonar a caravela cruzmaltina.
"Ele sempre faz isso quando a coisa aperta", prosseguiu o taxista. E concluiu, como se proferisse a prova incontestável: "Com o dinheiro que o Romário ganha, como é que nenhum médico ainda descobriu o que é aquela "fisgada" que ele diz sentir?".
Contei essa historinha aqui só para mostrar como um único evento permite as leituras mais diversas, de acordo com a paranóia de cada um.
Nos últimos dias, recebi inúmeras mensagens de leitores, cada qual com sua explicação definitiva sobre o que está acontecendo no desfecho da Copa João Havelange.
Todas fazem sentido.
A paixão futebolística é como a paranóia do ciumento: organiza o mundo de modo a confirmar suas crenças e suspeitas.
Assim como o ciumento (vide Dom Casmurro) acha que tudo é indício da traição de sua mulher, o torcedor fanático vê em qualquer coisa o sinal de uma perseguição ao seu time ou de favorecimento ao adversário.
Um leitor disse que "chegou a pensar" que a confusão que deixou mais de 200 feridos em São Januário teria sido provocada de propósito pelo Vasco, quando percebeu que levava a pior em campo contra o São Caetano.
E quem não ouviu (ou leu na Internet) a explicação de que a final da Copa do Mundo da França, em 1998, teria sido uma "armação" em que o Brasil se comprometia a perder para os anfitriões em troca de abrigar a Copa do Mundo de 2002?
Teorias conspiratórias não faltam na cabeça de um torcedor apaixonado.
É nesse contexto que posso entender algumas mensagens contraditórias entre si que andei recebendo.
Alguns leitores me acusam de participar do "linchamento moral" de que Eurico Miranda estaria sendo vítima na mídia.
Outros me acusam de ter feito o jogo do "capo di tutti capi" vascaíno ao defender a realização de uma nova partida, em vez da entrega do título ao São Caetano.
Em vista disso, devo esclarecer algumas coisas:
1) não considero Eurico Miranda um caso isolado, nem no Vasco nem no futebol brasileiro. Como ele há muitos (certamente nenhum com a mesma cara-de-pau). Se ele existe e tem tanto poder, é porque o terreno do nosso futebol (e do Vasco) lhe é propício. Isso não significa que ele só possa ser criticado ou punido quando todos os outros o forem. Se fosse assim, Lalau também teria de ser solto, Collor teria de ser perdoado etc.;
2) o fato de abominar Eurico e tudo o que ele representa para o futebol não pode fazer com que eu me coloque automaticamente contra tudo o que ele diz. Minhas razões para defender uma nova partida (que expus aqui na última coluna) são certamente muito diferentes das dele. Se Eurico diz que a Globo determina o horário das partidas, não vou dizer que isso é mentira só para marcar posição contra ele. Mesmo o maior mentiroso tem que dizer uma verdade de vez em quando.
Talvez seja eu o contraditório.
Talvez a solução mais justa fosse proclamar o São Caetano campeão, como manda o regulamento. (Aliás, concordo com a observação de que, se a confusão tivesse acontecido em São Paulo, o Vasco já seria o campeão.)
Mas a maioria dos leitores que me escreveram sustentando essa posição mostrava-se motivada menos pela defesa da legalidade do que por um temor: o de que o São Caetano perca a nova partida. Um dos leitores chegou a dizer: "Afinal, o Vasco tem muito mais time".
Ora, jogar implica o risco de perder. Não existe "tapetão para o bem".

E-mail : jgcouto@uol.com.br

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