|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
FUTEBOL
Viva o rádio
JOSÉ GERALDO COUTO
COLUNISTA DA FOLHA
Uma das frases mais citadas
de Nelson Rodrigues é a que
diz que "o videoteipe é burro".
Mas pouca gente se dá conta do
sentido profundo desse aparente
disparate.
O videoteipe é burro porque liquida, ao menos momentaneamente, uma das mais belas faculdades humanas: a imaginação.
Enquanto não vêm o videoteipe, o tira-teima, a câmera lenta, o
"ângulo invertido" e outras armas de destruição da fantasia, o
que temos é a imagem que formamos na cabeça, em parte fotografia da realidade, em parte investimento da nossa imaginação e do
nosso desejo sobre essa mesma
realidade.
Por isso o rádio, num sentido
muito preciso -o do estímulo à
fantasia-, é superior à televisão.
Analogamente, o cinema mudo é
superior ao sonoro (porque nos
força a "ouvir" com a imaginação) e a fotografia em preto-e-branco é superior à colorida (porque nos faz imaginar as cores,
pintar com os olhos da mente).
Como muita gente da minha
geração, ouvi muito jogo pelo rádio na infância e na adolescência.
Não havia a inflação de transmissões televisivas que existe hoje.
O rádio nos trazia um futebol
vibrante, dramático e misterioso,
feito menos dos fatos reais ocorridos em campo do que do talento
expressivo dos locutores.
Autênticos artistas da representação, os narradores criavam seus
bordões pitorescos, infundiam ao
jogo uma velocidade que ele não
tinha, modulavam a voz à perfeição para criar atmosfera.
Até os silêncios do locutor eram
expressivos. No crescendo emotivo da narração de um lance
de ataque, algumas brechas do
discurso deixavam-nos ouvir ao
fundo o rumor da torcida, pelo
qual sintonizávamos a nossa
expectativa.
Um segundo antes de o desfecho
ser narrado, sabíamos se havia sido gol ou não, dependendo do
alarido.
Entrávamos no clima da partida horas antes do apito inicial,
quando soava o prefixo esportivo
da emissora escolhida (Jovem
Pan, Tupi, Bandeirantes) e começavam a ser transmitidas informações sobre os times, flashes do
estádio, hinos, perfis de craques,
reprises de jogos históricos etc.
Da mesma forma, o drama e a
comédia ocorridos em campo
continuavam durante as horas
posteriores, nas entrevistas, nos
comentários e nos programas especiais, entre os quais o mais memorável era o "Show de Rádio",
comandado por Estevem Sangirardi na Jovem Pan e, posteriormente, na Bandeirantes (parece
que hoje, bastante modificado, está na Capital).
A imaginação é um músculo,
dizia Luís Buñuel. Para que não
atrofie, é preciso exercitá-la como
exercitamos qualquer outro músculo.
O rádio, para milhões de brasileiros, representou -e para outros tantos ainda representa-
um meio de exercitar a imaginação e a sensibilidade. A TV registra a verdade, e a verdade é o seu
dom de iludir. O rádio, o rádio
não. O rádio inventa a verdade
junto com a gente.
Apelo público
Escrevi a coluna ao lado com
um objetivo principal: propor
que seja lançada em CD uma
seleção de bons momentos do
velho "Show de Rádio", com
personagens como o corintiano
Joca, o são-paulino Didu Morumbi e o palmeirense Fumagalli, além da impagável "Difusora de Camanducaia". Foi feito algo parecido alguns anos
atrás, quando um livro e um
CD resgataram a história da
PRK-30, genial programa humorístico dos anos 50 na rádio
Nacional. Por que não com o
"Show de Rádio"?
Duelo de gigantes
Internacional x São Paulo,
amanhã, no Beira-Rio, põe
frente a frente talvez os times
mais bem armados do país. E o
melhor é que o jogo vale disputa pela liderança do Brasileirão.
E-mail jgcouto@uol.com.br
Texto Anterior: Futebol - Rodrigo Bueno: Alto-astral do Arsenal Próximo Texto: Futebol: Robinho zera dívida santista com cartola Índice
|