São Paulo, terça-feira, 14 de janeiro de 2003

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FUTEBOL

Grande Final: Veredas

JOSÉ ROBERTO TORERO
COLUNISTA DA FOLHA

O cérebro faz caminhos tortuosos. Ontem, por exemplo, eu matutava sobre futebol, o futebol me fez pensar em grama, a grama me levou aos jardins, os jardins às flores, as flores me fizeram lembrar de rosas e rosas me levaram a Guimarães Rosa.
Como comecei com o futebol e acabei com Guimarães, juntei as duas pontas desse pensamento e fiquei imaginando como seria se, em vez de escritor, o autor de "Grande Sertão: Veredas" fosse um cronista esportivo. Nesse caso, a final da Copa do Mundo, mal imitando, poderia ter sido escrita mais ou menos assim:
 
Vou contar uma história aqui. É história que instrui vida. Tudo sai é mesmo de escuros buracos, tirante o que vem do céu. Eu sei.
O sol ia entrando, vi o céu nos roxos, nos vermelhos. Começou a peleja. Futebol é isso, tudo incerto, tudo certo. Os brancos do outro lado eram cabras difíceis, como até os dias de hoje não vi muitos. Tanto assim é e foi que eles começaram atacando. Eles vinham, se avinham, num pé-de-vento, no desadoro, bramavam, se investiram. Viver é muito perigoso... Mas os nossos jogavam como quem tivesse o Cujo no corpo. Deus ou o Cujo, que os dois estão misturados em tudo.
Então que os de cá chutaram a bola e o mais alto dos de lá, de nome Khan, quase que agarra, mas não. Bobeou a sentinela. Foi é que largou, e Ronaldo não perdeu tempo. Atirou com força, querendo mesmo era acertar. Acertou bonito. Acertou acertando e pulando já de alegria. Ele e todos os outros dez. A grande área é do tamanho do mundo.
O segundo acerto é que foi de uma boniteza bonita. Kléberson a vir do meio do campo, bola em pé, correndo amouco... Os zagueiros se vinham, cometer. Os passos, o passe. Os inimigos na fúria, animosamente. Mas Rivaldo, que quase se chama Riobaldo, estava ali, bem no meio. Quem nasce com jeito nem ninguém pode desfazer. Tocou a bola sem tocar. Ordenou sem falar. E ela foi que direito, bem até os pés de Ronaldo. E ele acertou pela vez segunda. Bola estripitriz. Ronaldo no meio do redemunho. Agora, nós, felizes, era só gozar gozo. O Brasil tinha vencido mil-vezes-mente! E eu sabia, e queria saber, meus olhos marejavam. Sufoquei numa estrangulação de bom.
O capitão Cafu ergueu aquela beleza de troféu bem no meio de fumacinha expelida e só ele é que se via. Falava que gostava era demais da mulher dele, e muita gente chorou. Aquele grande gritar, de se estremecer. Deve de ter tido muito babando de inveja, mas isso é coisa de coração magro. Melhor deslembrar. Ronaldo era campeão como o sol não acende a água do rio. A torcida soluçava suas alegrias. Travessia.
Quando eles chegaram em casa foi uma festança só. Maluqueira. Teve desfile e até cambalhota na capital, mas foi que ninguém achou ruim ruim. Desdigo. Teve gente que reclamou, falou que era lá falta de respeito. Toleima. A seleção está depois das tempestades.
Não sei o que foi melhor. Os gols, a taça, o rir. Se tudo, se nada. Nonada? Não, digo que tudo. Agora é esperar pela vez que vem. E isso está sempre mais ligeiro. Quando eu for perceber, já vou aqui estar, de repentemente, contando de novo.
No que narrei, o senhor até ache mais do que eu, a minha verdade. Fim que foi. Aqui a estória se acabou. Aqui, a estória acabada. Aqui a estória acaba.

Papelão 1
Pela Copa São Paulo, os corintianos que foram a Limeira fizeram um papelão. Não souberam perder para a Inter e apelaram para a briga. Duas derrotas num só dia.

Papelão 2
Lusa e Sorocaba não ficaram atrás. Agiram como dentes-de-leite e expulsaram oito.

Milagre 1
Fred, do América-MG, fez o gol mais rápido do mundo. O jogador passou-lhe a bola e ele deu um chutão que encobriu o goleiro. Mas o América jogou só três segundos na partida. Depois, tomou uma goleada de 5 a 1 do Vila Nova.

Milagre 2
E o Palmeiras conseguiu o que parecia impossível. Ganhou por cinco gols de diferença do Joseense. É um bom começo para quem terá pela frente a missão quase impossível de voltar à elite.

E-mail torero@uol.com.br


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