São Paulo, segunda-feira, 14 de maio de 2001

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

FUTEBOL

Pé quente, cabeça fria

JOSÉ GERALDO COUTO
COLUNISTA DA FOLHA

Foi uma vitória na mais pura tradição corintiana: de virada, no último minuto, quando o adversário já se via com um pé na final.
No fim das contas, venceu o time que procurou mais o gol (com exceção dos primeiros dez ou 15 minutos, em que o Santos atacou mais).
O desenho do jogo -o Santos congestionando os espaços, o Corinthians tentando penetrar- era, até certo ponto, inevitável. Havia sido assim na primeira partida, e ontem poderia voltar a dar certo para o time santista, que tinha a vantagem do empate.
Mas, mesmo com essa vantagem, uma equipe como o Santos, que tem no meio-campo jogadores da qualidade de Rincón e Robert e atacantes como Dodô e Deivid, não pode abdicar de atacar o rival, pelo menos de vez em quando, nem que seja só para obrigar o adversário a pisar no freio.
O Santos não fez isso. O segundo tempo foi, praticamente, jogo de um time só. Wanderley Luxemburgo colocava atacantes em campo, Geninho colocava zagueiros. O Santos se encolhia, o Corinthians pressionava.
Poderia, repito, ter dado Santos. O Corinthians poderia ter dado murro em ponta de faca até o fim e morrido na praia. A bola chutada por Ricardinho poderia ir para fora, ou bater na trave, como tantas outras durante o jogo.
Mas o fato é que, quanto mais se chuta, maiores são as chances de acertar.
Ricardinho -que não havia brilhado durante a partida- estava no lugar certo, no momento certo. E teve também pé quente e cabeça fria para fazer a coisa certa.
No contexto de crise do futebol brasileiro, a morte de Didi ganhou inevitavelmente a dimensão de símbolo do fim de uma era. Não houve quem deixasse de notar o contraste entre o "futebol arte" que ele representou e a atual decadência técnica e moral de nossa seleção e de nossos clubes.
Vi muito pouco da arte de Didi. Só as escassas imagens que a televisão mostra de vez em quando: algumas jogadas das Copas de 58 e 62, um gol de "folha-seca" -supostamente nas eliminatórias de 57-, um ou outro lance fugaz no Botafogo. Nosso acervo audiovisual é lamentavelmente pobre.
Desses retalhos de imagens, ficou, para mim, a figura de um negro altivo, sábio e elegante, que jogava tanto com o cérebro como com as pernas.
Ficou, sobretudo, essa imagem tão bela, a da "folha-seca", que fala de um tempo em que futebol e poesia podiam muito bem ser sinônimos.
No futebol truculento de hoje, Didi não teria chance de brilhar. Seria quebrado por um Claudiomiro ou atropelado por um Galeano antes de conseguir matar a primeira bola.
E o pior é que há quem chame isso de evolução, modernização ou coisa que o valha. É a vitória da força bruta contra o refinamento e a inteligência. Pensando bem, a morte de Didi simboliza uma decadência que não se restringe ao futebol. Foi o mundo todo que se embruteceu.
"Não perguntes por quem os sinos dobram; eles dobram por ti", escreveu o poeta humanista John Donne há quatro séculos. Desconfio que o minuto de silêncio observado nos jogos de ontem não foi só por Didi.

O azarão
Deu muita pena ver a Ponte Preta, o time de melhor campanha do Paulistão, cair diante do Botafogo, que só se classificou para a semifinal graças aos pontos extras conseguidos nos pênaltis em partidas empatadas. Isso não quer dizer que o Botafogo não tenha méritos. O Corinthians que se cuide. Quem foi buscar um empate heróico depois de estar perdendo de 3 a 1 para a Ponte em Campinas pode enfrentar qualquer um de igual para igual.

Os azarados
Foi o domingo dos pênaltis perdidos. Washington, Dodô e Marcelinho perderam um cada. Washington e Marcelinho reagiram e se redimiram. O primeiro fez dois gols, o segundo fez um. A diferença é que o gol que o artilheiro da Ponte deixou de fazer foi fatídico no cômputo final e o do corintiano foi decisivo para a vitória. Dodô, por sua vez, sumiu em campo e saiu vaiado pela torcida. Um ótimo jogador num péssimo momento.

E-mail jgcouto@uol.com.br



Texto Anterior: Vôlei - Cida Santos: Vitória e drama
Próximo Texto: Automobilismo: Barrichello abre para alemão e se irrita
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.