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FUTEBOL
Pé quente, cabeça fria
JOSÉ GERALDO COUTO
COLUNISTA DA FOLHA
Foi uma vitória na mais pura tradição corintiana: de
virada, no último minuto,
quando o adversário já se via
com um pé na final.
No fim das contas, venceu o time que procurou mais o gol
(com exceção dos primeiros dez
ou 15 minutos, em que o Santos
atacou mais).
O desenho do jogo -o Santos
congestionando os espaços, o
Corinthians tentando penetrar- era, até certo ponto, inevitável. Havia sido assim na primeira partida, e ontem poderia
voltar a dar certo para o time
santista, que tinha a vantagem
do empate.
Mas, mesmo com essa vantagem, uma equipe como o Santos, que tem no meio-campo jogadores da qualidade de Rincón
e Robert e atacantes como Dodô
e Deivid, não pode abdicar de
atacar o rival, pelo menos de vez
em quando, nem que seja só para obrigar o adversário a pisar
no freio.
O Santos não fez isso. O segundo tempo foi, praticamente, jogo
de um time só. Wanderley Luxemburgo colocava atacantes
em campo, Geninho colocava
zagueiros. O Santos se encolhia,
o Corinthians pressionava.
Poderia, repito, ter dado Santos. O Corinthians poderia ter
dado murro em ponta de faca
até o fim e morrido na praia. A
bola chutada por Ricardinho
poderia ir para fora, ou bater na
trave, como tantas outras durante o jogo.
Mas o fato é que, quanto mais
se chuta, maiores são as chances
de acertar.
Ricardinho -que não havia
brilhado durante a partida-
estava no lugar certo, no momento certo. E teve também pé
quente e cabeça fria para fazer a
coisa certa.
No contexto de crise do futebol
brasileiro, a morte de Didi ganhou inevitavelmente a dimensão de símbolo do fim de uma
era. Não houve quem deixasse
de notar o contraste entre o "futebol arte" que ele representou e
a atual decadência técnica e
moral de nossa seleção e de nossos clubes.
Vi muito pouco da arte de Didi. Só as escassas imagens que a
televisão mostra de vez em
quando: algumas jogadas das
Copas de 58 e 62, um gol de "folha-seca" -supostamente nas
eliminatórias de 57-, um ou
outro lance fugaz no Botafogo.
Nosso acervo audiovisual é lamentavelmente pobre.
Desses retalhos de imagens, ficou, para mim, a figura de um
negro altivo, sábio e elegante,
que jogava tanto com o cérebro
como com as pernas.
Ficou, sobretudo, essa imagem
tão bela, a da "folha-seca", que
fala de um tempo em que futebol e poesia podiam muito bem
ser sinônimos.
No futebol truculento de hoje,
Didi não teria chance de brilhar. Seria quebrado por um
Claudiomiro ou atropelado por
um Galeano antes de conseguir
matar a primeira bola.
E o pior é que há quem chame
isso de evolução, modernização
ou coisa que o valha. É a vitória
da força bruta contra o refinamento e a inteligência. Pensando bem, a morte de Didi simboliza uma decadência que não se
restringe ao futebol. Foi o mundo todo que se embruteceu.
"Não perguntes por quem os
sinos dobram; eles dobram por
ti", escreveu o poeta humanista
John Donne há quatro séculos.
Desconfio que o minuto de silêncio observado nos jogos de
ontem não foi só por Didi.
O azarão
Deu muita pena ver a Ponte Preta, o time de melhor campanha
do Paulistão, cair diante do Botafogo, que só se classificou para
a semifinal graças aos pontos extras conseguidos nos pênaltis
em partidas empatadas. Isso não quer dizer que o Botafogo não
tenha méritos. O Corinthians que se cuide. Quem foi buscar um
empate heróico depois de estar perdendo de 3 a 1 para a Ponte
em Campinas pode enfrentar qualquer um de igual para igual.
Os azarados
Foi o domingo dos pênaltis perdidos. Washington, Dodô e
Marcelinho perderam um cada. Washington e Marcelinho reagiram e se redimiram. O primeiro fez dois gols, o segundo fez
um. A diferença é que o gol que o artilheiro da Ponte deixou de
fazer foi fatídico no cômputo final e o do corintiano foi decisivo
para a vitória. Dodô, por sua vez, sumiu em campo e saiu vaiado
pela torcida. Um ótimo jogador num péssimo momento.
E-mail jgcouto@uol.com.br
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