São Paulo, quarta-feira, 14 de agosto de 2002

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FUTEBOL

O fantasma

JORGE KAJURU
ESPECIAL PARA A FOLHA

Antes de Felipão, apenas um treinador de seleção alcançou a quase unanimidade nacional: Telê Santana. O "fio de esperança" era querido por todos.
Mesmo perdendo a Copa de 82, o mestre ainda era respeitado.
Tanto que se transformou em um fantasma na vida de outros técnicos que sonhavam dirigir o Brasil em 1986, no México.
Na mesma equipe de transmissão do SBT, em 1985, nas eliminatórias, trabalhavam Juca Kfouri, Osmar de Oliveira, Telê Santana e este repórter, à época com 24 anos no meio das feras. Escutava mais do que falava. O suficiente para lembrar que todo jantar (nunca pago pelo Telê, que sempre esquecia a carteira) após jogo de seleção terminava com a dúvida: "Será que Santana assume a seleção amanhã?". Em apartamentos conjugados, camas enormes de casal, noite fria de Santiago -Juca, Osmar e eu tomávamos bola nas costas. Naquele cenário, diante de nossas caras, Giullite Coutinho fechava contrato por telefone com Telê, que já dirigira o Brasil nas eliminatórias. Apenas Juca desconfiou.
Telê, de honestidade rara, não queria nos privilegiar com o furo. Aconteceu aquilo que a gente já sabia desde 1982: foi anunciado oficialmente, para delírio da nação, o retorno de Santana.

Mesmo filme
Não tenham a menor dúvida. Esse é o destino de Luiz Felipe Scolari, que voltará, nos braços do povo. Felipão será pedido nos estádios em uma só voz. Nenhum outro técnico brasileiro conseguirá trabalhar em paz. Exceto se obtiver êxito de 100% nos jogos amistosos e eliminatórios.
E a reposição é mesmo difícil.
Qual treinador tem hoje o carisma de Scolari? Assim como ele, quem pediria desculpas a um jogador na frente de todos (como ocorreu com Cafu) após o jogo da Bélgica? Definitivamente, as virtudes do gaúcho-mineiro bastam.
Acredito que Parreira seria o único a combater o fantasma e a sombra sem esquentar a cabeça.
Os demais perderiam a paciência em cinco jogos. Agora, diferentemente de Telê, o que Felipão não conhece é o desgaste de uma segunda Copa. Bem antes do jogo com a França em 1986 (perdemos nos pênaltis), uma declaração inesperada abalou muita gente: "Estou enojado do futebol! Para mim chega! Quando acabar, acabou. Nunca mais". Palavras de um Telê amargurado, isolado em uma cabana da concentração de Guadalajara, acompanhado do filho e do irmão. A entrevista impacto e me rendeu noites sem dormir, editando as melhores partes, porque Ciro José (chefe da cobertura do SBT) pediu a reprise por seis vezes.
Terminada a primeira fase da Copa, Telê já não suportava o ambiente, onde poucos lhe falavam na comissão técnica.
Gilberto Tim chegou a pedir ajuda de jornalistas amigos de Telê. O grupo de jogadores estava implacavelmente rachado. Leão, Oscar e outros dois queriam boicotar até treinamento coletivo.
Felipão já sentiu. Ainda comemorando o penta, uma simples revelação sobre o "mimado" Ronaldo por pouco não trinca o enlace. Como sei que Scolari sonha disputar o hexa na Alemanha, não custa nada seguir os passos da mineirice de Telê. Paciência e silêncio, porque o silêncio não comete erros. E há certos assuntos que a gente não comenta nem com a gente mesmo.

É cedo
Cansamos de ver a gangorra das rodadas do Brasileiro. Bom mesmo foi ver reações e atuações de Flamengo, Romário, Fluminense e Vasco. Brasileirão não pode prescindir do brilho dos cariocas e de um Maracanã cheio de sorrisos e esperança.

É tarde
Patrocinadores de camisas dos clubes e anunciantes de programas de show de auditório e jornalismo um dia poderão reagir. O melhor momento de aparição, para quem paga milhões nas camisas dos times, é na hora do gol. O jogador, por sua vez, comemora sem camisa ou com outra por baixo ("Jesus é fiel"). Por causa do ibope, os programas só chamam os comerciais quando a audiência permite. E quando a mídia combinar o mesmo jogo, com exigências para clubes, TVs, jogadores e apresentadores? Talvez, seja tarde.

E-mail kajuru@terra.com.br


Tostão, em férias, volta a escrever neste espaço em 4 de setembro.



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