São Paulo, sábado, 15 de maio de 2004

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MOTOR

Retratos

JOSÉ HENRIQUE MARIANTE
EDITOR-ADJUNTO DE ESPORTE

Está em uma edição especial da "Sports Illustrated", recheada de fotos históricas. Uma largada em Le Mans registrada em 1954 por Maurice Jarnoux. Melhor dizendo, o início da largada. Os pilotos correndo pelo asfalto, os carros estáticos a 45 graus junto ao pit wall, um público inimaginável às margens da pista.
Homens, alguns de gravata, outros só de paletó, mulheres. Meninos nas costas dos pais. Também elevados, mas por escadas de madeira, fotógrafos. Um privilegiado cinegrafista no barranco de não mais de 50 centímetros que separa a multidão da ação. Do outro lado, policiais a caráter, preservando os carros que em poucos segundos partirão e mais uma massa espetacular de gente, empilhada em frente e em cima dos boxes. Um dia sem muito sol, colorido por aqueles carrinhos que lembram autorama antigo, bandeiras dos países, uma pintura.
O texto da revista afirma que algumas fotos de esporte são tão boas que funcionam praticamente como arquétipos. Fiquei alguns minutos olhando para a imagem e concordei. Nosso ideal de automobilismo parece estar longe, em algum lugar, em tempos em que muitos não vivemos, mas que por algum motivo lembramos.
Reconheço na corrida, qualquer corrida, uma necessidade infantil. É nosso primeiro conceito de esporte, singelo, não envolve tática ou inteligência. A regra é única, correr para chegar à frente.
Isso talvez explique o ar quase familiar da foto, como descreve a revista. Mas não é suficiente. Há algo nela que perdemos. A tradicional largada? Os grandes números no círculo branco pintado no capô? A teia de fita isolante nos faróis? Os próprios faróis?
Tudo isso, mas fundamentalmente o risco. Um novo olhar para a foto revela um terrível lado sádico. Todos estão ali esperando para constatar não apenas quem sairá vencedor, mas também quem sairá vivo daquelas cadeiras elétricas para as quais correm como crianças inocentes.
Um ano depois do instantâneo feito, Le Mans registrou o considerado pior acidente da história do automobilismo, que fez a Mercedes abandonar as pistas por quatro décadas e a Suíça proibir o esporte -Pierre Levegh bateu seu 300 SLR e voou contra o público, matando a si e a mais 80 espectadores, uma tragédia.
Cinquenta anos depois daquela foto, assistimos a uma F-1 anódina, dominada por um único time e um único piloto. Procuramos a culpa na competência de Schumacher ou na incompetência do resto. É preciso, mais uma vez, um novo olhar. A F-1 de hoje é uma chatice porque não há risco.
A F-1 mais segura da história é segura porque o motor precisa durar e ninguém força, porque uma ultrapassagem forçada é passível de punição, porque é mais fácil superar na tática e nos boxes do que no braço e na pista, porque ninguém com US$ 300 milhões nas mãos vai sair inventando e até porque as pistas estão ficando largas para só 20 carros.
A F-1 de hoje e do futuro, por mais que se mudem regras, nunca mais será a que lembramos, pois só lembramos da emoção, mas nunca de seu alto preço, o horror.

Passado
Os pilotos largam atados pelo cinto de segurança em Le Mans desde a edição de 1970. Um ano antes, Jackie Ickx, em corajoso protesto, se recusou a cumprir a tradição e andou até o seu Ford GT 40. Venceu.

Presente

Indianápolis sempre coloca 33 carros no grid das 500 Milhas? Hoje, o Pole Day, o burocrático sistema de classificação da maior corrida do mundo, começa com apenas 29 inscrições. Um vexame histórico.

Futuro
A McLaren já tirou o pé, a Williams está muito perto disso. A BAR fará o que puder, a Renault, nem isso. As bolsas de Londres já pagam para quem apostou em Schumacher campeão. Quem vai ligar a TV?

E-mail: mariante@uol.com.br



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