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TURISTA OCIDENTAL
No Japão, a festa só começa quando o jogo termina
MUDANÇA DE ARES
MÁRIO MAGALHÃES
ENVIADO ESPECIAL A TÓQUIO
A vontade é de se fazer de louco,
correr atrás do piloto do Boeing-747 da Korean Air que comandou
o vôo 703 desde Incheon e perguntar: tem certeza de que parou
na cidade certa? No país certo?
O município é Narita, onde fica
o maior aeroporto internacional
do Japão, a 60 km de Tóquio. Mas
a chegada na tarde de ontem sugere tudo, menos que se aterrissou num dos dois países que hospedam a 17ª Copa do Mundo.
No aeroporto de Incheon, nos
arredores de Seul, basta o passageiro espichar o rosto para fora do
avião que tem início uma overdose de propaganda. Parece saguão
de estádio. Em Narita é possível
sair da área de desembarque sem
nem ter visto um adesivo do torneio. Do lado de fora, um quiosque com capacidade para um único recepcionista exibe o logotipo
da Copa. É de um patrocinador.
Na fila do câmbio para comprar
ienes, o japonês Daisuke Kawai,
22, diz: ""Estou sabendo que ainda
não está muito animado". Ele retorna de uma temporada de um
ano no Brasil, onde jogou no segundo time do Vitória-ES. Foi para aprender.
Por mais que se tenha falado sobre uma suposta falta de entusiasmo, a realidade ultrapassa o comentário mais amargo. O que começa a se confirmar é a fama de
turismo mais caro do planeta. A
passagem até o hotel no centro de
Tóquio, num ônibus com duas
poltronas estreitíssimas e sem divisórias entre elas, custa R$ 64.
O coletivo sai às 15h15, com viagem prevista em uma hora e meia
devido ao engarrafamento. O motorista se senta à direita, como na
Inglaterra. A mão de quem vai é a
da esquerda. No caminho vêem-se pequenas plantações de arroz
no campo encharcado. Em Osaka, mulheres plantaram ontem
arroz na cerimônia típica anual.
Simbolicamente, transmitiram
sua fertilidade à terra.
Com o passar dos quilômetros,
cresce a desconfiança de que há
algo estranho. Desde as 15h30
(horário local), a seleção japonesa
enfrenta a tunisiana numa partida
decisiva. O ônibus passa por viadutos quase grudados a escritórios. No momento do jogo, as pessoas trabalham normalmente.
Numa sala, cerca de 25 homens
engravatados se reúnem em torno de uma mesa. O trânsito anda
lentamente. As ruas estão cheias.
Em Seul, quando a seleção jogou, segunda, as empresas encerraram mais cedo o expediente, as
escolas fecharam, as ruas ficaram
vazias. Gente, só diante de telões.
Mais adiante, num ou outro bar,
algumas pessoas assistem ao jogo.
Em frente a uma vitrine com TV,
exatos seis espectadores. O funcionário do hotel que acompanha
o novo hóspede até o apartamento mostra os extintores de incêndio no corredor e insiste: decore
onde estão. Na hora de encontrar
a emissora com a partida, atrapalha-se: não sabe quem transmite.
Até que encontra o canal 11.
Com o público em êxtase no estádio Nagai, em Osaka, o Japão
vence por 2 a 0 e pela primeira vez
passa à segunda fase.
Hora de procurar alguma festa
em Tóquio. A televisão mostra
uma comemoração com jovens
mergulhando num rio. Infelizmente, a recepção do hotel informa: a cena é de Osaka.
Um estrangeiro com inglês macarrônico percebe o interesse e
ajuda: acaba de vir das cercanias
da estação de metrô Roppongi,
bairro de música e boemia no
centro da cidade. Milhares de pessoas viram a partida em telões. A
festa continua, conta o homem.
Quinze minutos e três estações
depois, o quadro pintado no desembarque em Narita passa a ganhar outros tons. E Tóquio não
tem nada a ver com Seul.
Cerca de 20 mil pessoas assistiram ao triunfo, segundo a polícia,
em telões que parecem ter um décimo do tamanho dos de Seul. Na
capital sul-coreana, só em duas
aglomerações reuniram-se 300
mil no princípio da semana.
Só que, na Coréia, a festa acaba
com o apito final. Em Tóquio,
não, como no Brasil. Nas horas
seguintes à partida, uns 5.000 torcedores cruzam as ruas de um lado para o outro, cumprimentando-se com as mãos feito atletas de
vôlei.
Há mascarados imitando o jogador japonês Miyamoto. Uma
garota exibe uma tatuagem de
mulher pelada nas costas, abaixo
da camisa azul da seleção. De postes, torcedores ""mergulham" no
colo dos amigos. Três rapazes
mostram as camisetas. Cada uma
tem uma palavra pintada, formando a expressão, eles traduzem, ""grande alma japonesa".
Ao contrário dos sul-coreanos,
que obedecem religiosamente às
ordens policiais, os japoneses ampliam a sua área para o meio da
rua, até serem empurrados de
volta. Há muitos gays, como eram
tantos samurais. Mulheres usam
saias curtas impensáveis em Seul,
apesar dos 20C primaveris. Homens tiram as camisas. A festa japonesa tem a sensualidade que a
coreana não tem.
Em torno da estação Roppongi,
continuam os gritos de ""Nippon"
(""Japão"), a correria e a cantoria.
Um certo jornalismo não resistiria à tentação de concluir assim: a
festa não tem hora para acabar.
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