São Paulo, sábado, 16 de janeiro de 1999

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O bug do milênio


CBF estuda mudar o futebol do país no ano 2000, o que poderia trazer o Fluminense de volta à primeira divisão do Brasileiro


JOÃO CARLOS ASSUMPÇÃO
enviado especial ao Rio

A chegada do próximo milênio é apenas em 2001, mas, para a Confederação Brasileira de Futebol, será em 2000 o início de uma nova era na história do esporte no país.
Segundo Alfredo Nunes, presidente interino da entidade desde setembro do ano passado, quando Ricardo Texeira sofreu um acidente, fraturando a perna direita após queda de cavalo, "será a hora de zerar o futebol brasileiro".
E para tal, a CBF começa a trabalhar em três frentes. A primeira visa a reestruturação da própria entidade, que terá uma nova sede e passará a contar com dirigentes remunerados. A segunda, a formação de um grupo de estudos para remodelar os campeonatos no Brasil. A terceira, o início de um trabalho, em conjunto com o governo federal, para fortalecer a candidatura do Brasil à sede da Copa do Mundo de 2006.
Em entrevista à Folha, na antevéspera de completar dez anos à frente da CBF, Ricardo Teixeira deixou claro que irá se dedicar "de corpo e alma" para que o país consiga abrigar o segundo Mundial do próximo milênio.
Com isso, os demais assuntos, como a própria organização do Brasileiro-99, devem ficar nas mãos de seus assessores, entre os quais Alfredo Nunes, Marco Antônio Teixeira, secretário-geral da CBF, e Carlos Eugênio Lopes, diretor jurídico da entidade, que também participaram da entrevista.
Entre esses assuntos, a possível volta do Fluminense à Série B do Brasileiro ou, dependendo de acordo entre os clubes, até à Série A do campeonato.
Mas, segundo Alfredo Nunes, não em 1999. "Em 99, não haverá virada de mesa", garantiu.
Mas em 2000 tudo será possível. "Será a hora de implantar as mudanças", disse Nunes. "Vamos ver o que os clubes querem e iniciar vida nova, zerar as coisas do futebol. As competições têm que ser rediscutidas, e os clubes que participam de cada uma delas também", disse o dirigente, que costuma dizer que não manda nada na CBF.
"Aqui é uma delegacia em que o delegado não manda nada", disse ele. "Quem manda são os clubes."
Com a remodelação das competições no país, o número de participantes na Copa do Brasil, que já foi de 32 clubes, pode ser reavaliado e aumentar, em definitivo, para 64 times.
"A Copa do Brasil foi um dos grandes feitos da administração do Ricardo Teixeira. É um torneio que valoriza todas as regiões do país, atrai interesse do público, dá uma vaga na Libertadores..."
Para Ricardo Teixeira, no entanto, o principal objetivo da entidade em 2000 será vencer a briga para receber a Copa de 2006, a segunda do próximo milênio -a primeira, em 2002, será dividida entre Japão e Coréia do Sul.
Tendo como principais concorrentes Inglaterra, Alemanha e África do Sul, o dirigente mostra-se confiante na possibilidade de o Brasil voltar a abrigar um Mundial depois de 56 anos.
O único realizado no país, em 1950, foi vencido pelos uruguaios, que superaram os brasileiros, por 2 a 1, de virada, emudecendo as cerca de 200 mil pessoas que compareceram ao Maracanã.
"A candidatura do Brasil não é um sonho, é uma realidade. Não é por acaso que o Franz Beckenbauer (campeão mundial pela Alemanha em 1974, como jogador, e em 1990, como técnico, e atual presidente do Bayern de Munique) reconheceu que o Brasil é o mais forte concorrente dos alemães."
O maior concorrente dos brasileiros, porém, não é a Alemanha. Nem a Inglaterra. A candidatura da África do Sul, se conseguir unir o continente africano em torno de sua candidatura, já que Egito, Marrocos, Nigéria e Gana também se lançaram na corrida pela Copa, é a que mais assusta.
"É só a gente raciocinar. A Alemanha e a Inglaterra organizaram Mundiais em anos mais recentes do que o Brasil. A Alemanha fez a Copa de 1974, a Inglaterra, a de 1966. A última no Brasil terá sido, em 2006, há mais de meio século", afirmou o dirigente.
Teixeira lembrou ainda que, em 2006, terão sido transcorridos 28 anos desde que a América do Sul abrigou um Mundial -realizado na Argentina, em 1978. A Europa, por sua vez, organizou a última Copa, com a França, em 1998.
No ano passado, o presidente da CBF angariou as primeiras adesões à candidatura do Brasil.
Na Europa, os iugoslavos foram os primeiros a se manifestarem favoravelmente aos brasileiros.
Da América do Norte, o apoio veio dos EUA, que prometeram cooperação no processo de organizar a infra-estrutura para o evento caso o Brasil seja escolhido como sede, em março do ano 2000.
Desde o início dos anos 90, quando o advogado Alan Rothenberg ganhou as eleições para a Federação de Futebol Norte-Americano, ocupando o lugar de Werner Fricker, com apoio de João Havelange, ex-presidente da Fifa, os Estados Unidos têm defendido a realização da Copa no Brasil.
Mais importante, porém, é o apoio do governo federal, agora que Rafael Greca assumiu o Ministério dos Esportes e Turismo, ocupando o espaço deixado por Edson Arantes do Nascimento, o Pelé.
"Ele é um homem competente, interessado por tudo o que está ligado ao esporte, uma pessoa dinâmica, que com certeza vai nos ajudar", disse Teixeira, referindo-se a Greca, que compareceu à homenagem feita pela CBF a Havelange, no domingo passado.
˛ A relação com Havelange
Um dos principais obstáculos para a candidatura do Brasil à sede da Copa-2006 é, segundo avaliação da diretoria da CBF, o estremecimento da relação entre Teixeira e João Havelange, seu ex-sogro.
No último domingo, o ex-presidente da Fifa faltou à homenagem prestada a ele pela CBF, no hotel Copacabana Palace, no Rio.
Para piorar, em nenhum momento deu qualquer justificativa por não ter comparecido, mesmo tendo confirmado presença.
Apesar de Teixeira não ter comentado o assunto, Alfredo Nunes, demonstrando constrangimento pela situação, reconheceu que a presença de Havelange seria importante para obter apoio internacional à candidatura brasileira.
Mas ele diz achar que a situação não é incontornável. "Não foi uma desfeita ao presidente (Teixeira), nem a mim, porque foi a Assembléia Geral da CBF que decidiu fazer a homenagem. Não fui eu nem o Teixeira", disse Nunes, que é amigo pessoal de Havelange.
Ainda de acordo com o presidente interino, ele próprio, e não Ricardo Teixeira, teria feito o convite ao ex-presidente da Fifa.
˛ A nova sede
Ao falar em Havelange, Nunes lembrou que a sede na rua da Alfândega, no centro do Rio, que leva o nome do dirigente, deixará de ser a sede da CBF. "Mas nada a ver com o jantar", brincou, referindo-se à polêmica homenagem.
A entidade irá se transferir para a Barra, na zona oeste da cidade, ocupando um prédio de dois andares, que será construído em um terreno pago, segundo Teixeira, com recursos da CBF.
"O prédio da rua da Alfândega está obsoleto para nossas necessidades, a fiação é antiga, faz parte de uma outra realidade. Precisamos horizontalizar nossa administração. Um prédio moderno, de dois andares, todo informatizado, vai ser muito mais útil."
Na nova sede, será montado o Memorial do Futebol Brasileiro, um banco de dados, a ser montado com ajuda da iniciativa privada, para contar a trajetória do esporte no país.
˛ As contas da entidade
Ao fazer um balanço de seus dez anos no comando da CBF, o contrato com a Nike, que tanta confusão gerou na Copa-98, quando o Brasil perdeu a final para a França, é citado por Teixeira como um dos pontos altos de sua administração.
"Mostra o quanto a seleção foi valorizada", disse o dirigente, referindo-se aos US$ 220 milhões que a empresa paga à entidade para patrocinar a equipe do Brasil.
A direção da CBF editou uma fita de vídeo, inclusive, para mostrar a melhora da situação financeira da entidade.
Num discurso semelhante ao de Havelange, que diz ter pego a Fifa sem recursos em caixa, em 1974, e a remodelado financeiramente, tornando-a lucrativa, Teixeira lembra, na fita, que a seleção hoje vale muito mais do que em 1989, quando ele assumiu a CBF. "Saneamos as contas da entidade", disse ele.
"Você quer melhor resultado do que isso?", perguntou Nunes.
Em 1992, diz a direção da CBF, ela não recebia mais do que US$ 1 milhão de patrocinadores. Cinco anos depois, o valor foi cerca de 20 vezes maior.
As cotas de amistosos também teriam crescido, indo de US$ 80 mil por jogo para US$ 500 mil por partida. "Quando jogamos contra Japão e Coréia, chegamos a receber US$ 2 milhões de cota", afirmou Marco Antônio Teixeira, secretário-geral da CBF.
Com mais recursos financeiros, a entidade pretende ampliar parcerias com prefeituras brasileiras para estimular crianças a praticarem futebol.
"Damos uniforme, vale-refeição, vale-transporte e, para os melhores jogadores, uma ajuda de custo de meio salário mínimo até que eles completem 18 anos e um estágio na Granja Comary", contou Nunes, contabilizando 4.576 atletas atendidos pelo projeto, a maioria de favelas cariocas.
A partir de 2000, a entidade pretende ampliar o número de projetos sociais de que participa, cooperando com o governo federal.
Um exemplo citado pela CBF foi o amistoso contra a seleção russa, em novembro, no Maranhão, quando o Brasil ajudou a difundir a campanha do governo de prevenção à Aids.
Atualmente fazendo parceria com 895 municípios brasileiros para formação de escolinhas de futebol, a entidade espera, ainda em 1999, aumentar o número de convênios em pelo menos 15%.
˛ O caso Ronaldinho
Se a administração Teixeira se vangloria dos títulos conquistados nos anos 90, reconhece que a final da Copa da França, quando Ronaldinho teve uma crise nervosa momentos antes da decisão e mesmo assim foi escalado, foi seu maior fiasco dentro dos campos.
Em nenhum momento, no entanto, responsabiliza o técnico Zagallo por ter escalado o atacante. Nega, também, qualquer interferência da Nike pelo fato de Ronaldinho ter entrado em campo.
"O Zagallo foi muito claro em suas últimas entrevistas. Era uma situação delicada. O Ronaldinho pede para jogar, e ele não o escala, aí o Brasil perde. O que acontece? Era uma decisão difícil, foi uma fatalidade", afirmou Marco Antônio Teixeira.
Nas críticas feitas ao comando da seleção, o secretário-geral da entidade vê uma série de injustiças por parte da imprensa.
"Os jornalistas deveriam se informar melhor antes de escrever as coisas. Saem muitas informações erradas. O próprio caso do Ronaldinho, por exemplo, teve um precedente. No futebol de salão, o Brasil era invencível, não perdia um jogo havia uns três anos. De repente, 24 horas antes de pegar o Paraguai, nosso goleiro teve uma convulsão, o time se desequilibrou e, se não me engano, perdeu por 6 a 1", comentou.
"Agora, imagine você, não 24 horas antes, mas no mesmo dia da final, o Ronaldinho passa mal, o grupo todo se preocupa. Era uma convivência de 45, 50 dias, o descontrole foi natural", disse Marco Antônio. "Foi uma pena ter acontecido tudo aquilo bem no dia da final. Mas aconteceu."
Alfredo Nunes concorda com o secretário-geral e lamenta a postura da imprensa, "geralmente contra a CBF". "Até no enterro do Admildo Chirol (ex-preparador físico da seleção, morto em dezembro do ano passado), fomos criticados."
"Disseram que a CBF não enviou representantes ao enterro, que não mandou flores. A gente só soube depois que ele tinha morrido, foi bem entre Natal e Ano Novo, todo mundo viajando... Até parece que não iríamos mandar uma flor."



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