|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
A centésima
JOSÉ ROBERTO TORERO
da Equipe de Articulistas
Há cinquenta semanas, escrevi neste espaço minha primeira
crônica na Folha. Para os que
não têm intimidade com os números, adianto que cinquenta
vezes dois, que é o número de
textos que escrevo por semana,
resulta em cem.
Ou, como escreveriam os matemáticos: 100.
Ou, como escreveriam os romanos: C.
É verdade que alguns gostam
mais do dez, mas, convenhamos, cem é dez vezes dez. Cem é
um número mítico, redondo, o
número das antigas notas de escola e o número favorito dos
economistas -só que acrescido
do símbolo %.
Pois bem, aproveitarei esta
centésima crônica, esta efeméride numérica, para exaltar uma
injustiçada profissão: a de cronista esportivo.
Um dos mitos é de que o cronista trabalha pouco se comparado àqueles que ele comenta.
Ledo engano. E provo isso numericamente.
Peguemos o Cruzeiro. Muitos
ficaram com pena, porque em
1998 o time disputou 81 jogos.
Realmente foi uma maratona.
Mas eu não trabalhei menos.
Fiz 95 crônicas no ano passado
e, por coincidência, levo cerca
de 90 minutos para fazer cada
texto. Sem contar que muitas
vezes preciso de prorrogação.
Ou seja, em relação ao tempo de
trabalho, fui mais aplicado do
que os esforçados cruzeirenses.
Algum cético poderia dizer:
"Mas eles têm que treinar". Eu
responderia: "Eu também!". Tenho que ver os outros jornais, as
revistas esportivas, consultar
arquivos e ainda ler os outros
cronistas para roubar alguma
idéia -digo, inspirar-me em
suas sabedorias.
O leitor poderá objetar se souber o que é isso: "Mas participar
de um jogo é mais difícil do que
escrever uma crônica". E eu responderei: "Rá!".
Fui, nos bons tempos de antanho, um razoável médio-volante e sei que escrever sobre futebol é mais árduo do que jogá-lo.
No campo, há mais dez jogadores para o ajudar, enquanto, no
texto, é raro alguém lhe passar
uma idéia ou uma bela frase.
E não é fácil tirar uma crônica
do nada. Você tem que lançar
mão de vários truques baixos,
como, por exemplo, analisar estatísticas, recordar velhos times,
provocar torcedores, fazer analogias com o quadro político e
construir engenhosas teorias sobre os cadarços das chuteiras
dos jogadores ou o trinar dos
apitos dos juízes.
Aliás, confesso que fiz isso várias vezes.
Também o que se pode esperar
de quem escreve seus textos na
terça-feira -quando quase tudo o que se tinha que falar sobre
a rodada já foi esgotado na segunda- e no sábado -quando
as partidas do final de semana
ainda não começaram?
Mas o pior mesmo é que há entre esportistas e cronistas uma
grande diferença de remuneração. É claro que não me considero um Marcelinho, um Muller ou um Edílson das letras esportivas. Mas com os salários de
um Galeano ou de um Gilmar
eu já estaria contente.
Enfim, o trabalho do cronista
é mais árduo do que o do jogador. O atleta vive do passe, do
cruzamento, do gol feito ou evitado. Nós não, nós muitas vezes
temos que viver do ideal e do
abstrato, temos inventar tudo
do nada.
Nem sempre dá certo. E a prova disso está diante de seus
olhos, leitor, que ficou sem crônica no dia da crônica cem.
˛
José Roberto Torero escreve às terças-feiras e
aos sábados
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
|