São Paulo, sábado, 16 de janeiro de 1999

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A centésima

JOSÉ ROBERTO TORERO
da Equipe de Articulistas

Há cinquenta semanas, escrevi neste espaço minha primeira crônica na Folha. Para os que não têm intimidade com os números, adianto que cinquenta vezes dois, que é o número de textos que escrevo por semana, resulta em cem.
Ou, como escreveriam os matemáticos: 100.
Ou, como escreveriam os romanos: C.
É verdade que alguns gostam mais do dez, mas, convenhamos, cem é dez vezes dez. Cem é um número mítico, redondo, o número das antigas notas de escola e o número favorito dos economistas -só que acrescido do símbolo %.
Pois bem, aproveitarei esta centésima crônica, esta efeméride numérica, para exaltar uma injustiçada profissão: a de cronista esportivo.
Um dos mitos é de que o cronista trabalha pouco se comparado àqueles que ele comenta. Ledo engano. E provo isso numericamente.
Peguemos o Cruzeiro. Muitos ficaram com pena, porque em 1998 o time disputou 81 jogos. Realmente foi uma maratona. Mas eu não trabalhei menos. Fiz 95 crônicas no ano passado e, por coincidência, levo cerca de 90 minutos para fazer cada texto. Sem contar que muitas vezes preciso de prorrogação. Ou seja, em relação ao tempo de trabalho, fui mais aplicado do que os esforçados cruzeirenses.
Algum cético poderia dizer: "Mas eles têm que treinar". Eu responderia: "Eu também!". Tenho que ver os outros jornais, as revistas esportivas, consultar arquivos e ainda ler os outros cronistas para roubar alguma idéia -digo, inspirar-me em suas sabedorias.
O leitor poderá objetar se souber o que é isso: "Mas participar de um jogo é mais difícil do que escrever uma crônica". E eu responderei: "Rá!".
Fui, nos bons tempos de antanho, um razoável médio-volante e sei que escrever sobre futebol é mais árduo do que jogá-lo. No campo, há mais dez jogadores para o ajudar, enquanto, no texto, é raro alguém lhe passar uma idéia ou uma bela frase.
E não é fácil tirar uma crônica do nada. Você tem que lançar mão de vários truques baixos, como, por exemplo, analisar estatísticas, recordar velhos times, provocar torcedores, fazer analogias com o quadro político e construir engenhosas teorias sobre os cadarços das chuteiras dos jogadores ou o trinar dos apitos dos juízes.
Aliás, confesso que fiz isso várias vezes.
Também o que se pode esperar de quem escreve seus textos na terça-feira -quando quase tudo o que se tinha que falar sobre a rodada já foi esgotado na segunda- e no sábado -quando as partidas do final de semana ainda não começaram?
Mas o pior mesmo é que há entre esportistas e cronistas uma grande diferença de remuneração. É claro que não me considero um Marcelinho, um Muller ou um Edílson das letras esportivas. Mas com os salários de um Galeano ou de um Gilmar eu já estaria contente.
Enfim, o trabalho do cronista é mais árduo do que o do jogador. O atleta vive do passe, do cruzamento, do gol feito ou evitado. Nós não, nós muitas vezes temos que viver do ideal e do abstrato, temos inventar tudo do nada.
Nem sempre dá certo. E a prova disso está diante de seus olhos, leitor, que ficou sem crônica no dia da crônica cem.
˛


José Roberto Torero escreve às terças-feiras e aos sábados



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