São Paulo, sábado, 16 de janeiro de 1999

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

OLIMPÍADA
Escândalo de favorecimentos na escolha de sedes dos Jogos abala COI, que promete revelações no dia 24
Suborno vira "vilão' do esporte mundial

da Reportagem Local

Não são mais os boicotes olímpicos, nem o doping de esportistas de destaque. O grande "vilão" do esporte mundial na atualidade é o suborno de dirigentes.
Quase ao mesmo tempo, tanto o Comitê Olímpico Internacional quanto a tradicional FA (a federação inglesa de futebol) se viram em meio a problemas semelhantes (leia texto ao lado).
O COI é o órgão que está enfrentando maiores dificuldades, já que as principais denúncias de corrupção partiram de um de seus vice-presidentes, o suíço Marc Hodler.
Ele disse saber de irregularidades em quatro escolhas de sedes olímpicas relativamente recentes -Atlanta (EUA) e Sydney (Austrália), para os Jogos de 96 e 2000, respectivamente, e Nagano (Japão) e Salt Lake City (EUA), para os Jogos de Inverno de 98 e 2002.
Dessas cidades, a que está em pior situação, pelo menos até agora, é Salt Lake City.
O comitê que organizou a vitoriosa candidatura da cidade à próxima Olimpíada de Inverno já admitiu a existência de um "fundo" de assistência financeira a 13 pessoas -6 delas parentes diretas de membros do COI.
Os US$ 400 mil movimentados por esse fundo proporcionaram bolsas de estudo e de treinamento esportivo a pessoas como Sonia Essomba, filha do falecido secretário-geral dos comitês olímpicos africanos, René Essomba.
Graças a seu cargo, René teve grande influência sobre os cerca de 20 membros africanos do COI.
O "fundo" gerido pelo comitê de Salt Lake City funcionou durante quatro anos, de 91 a 95.
O ano inicial da distribuição das verbas foi o mesmo em que Salt Lake City perdeu para Nagano o direito de organizar a Olimpíada de Inverno de fevereiro de 98.
Quatro anos depois, a cidade teria 54 votos nas eleições para a sede de 2002, contra 35 de todas suas concorrentes somadas -Quebec (Canadá), Östersund (Suécia) e Sion (Suíça).
O ex-presidente do comitê organizador da candidatura de Salt Lake City, Frank Joklik (que renunciou após o escândalo), reconheceu que o fundo não deveria ter sido organizado da maneira que foi.
Mas, segundo ele, o dinheiro destinou-se apenas a "ajuda humanitária". "O programa pretendia auxiliar jovens a obter educação e treinamento esportivo que, de outra forma, não teriam condições de conseguir", afirmou.
Seu argumento esbarra, no entanto, na condição financeira de Sonia Essomba -seu pai formou-se na França, foi chefe da Ordem dos Médicos do país e governou um distrito de Camarões.
As dúvidas sobre a legalidade da campanha de Salt Lake City deixaram em aberto a possibilidade de a cidade perder os Jogos -o que o presidente do COI, o espanhol Juan Antonio Samaranch, nega.
Samaranch, aliás, reconheceu que ele mesmo recebeu duas armas de presente do Comitê Organizador de Salt Lake City.
Os presentes valeriam US$ 2.000, valor superior ao máximo estipulado pelo COI para gratificações a seus membros (US$ 150).
O espanhol afirmou não ver problemas em ter aceito as armas porque, segundo ele, elas serão colocadas no museu olímpico.
De qualquer forma, os ex-concorrentes de Salt Lake City já protestam. "Pensei que tínhamos competido contra Carl Lewis, mas agora vejo que foi contra Ben Johnson", disse Christer Persson, que foi diretor do comitê de campanha de Östersund.
Quebec, por sua vez, estuda processar o COI. "Fomos envolvidos em um processo em que a lei pode não ter sido seguida por um candidato desonesto. Queremos um reembolso financeiro substancial", disse René Paquet, que dirigiu o comitê de candidatura da cidade canadense.
Por que a organização de uma Olimpíada é alvo de tanta cobiça? Razões não faltam:
1) Dificilmente uma cidade conseguiria construir em tão pouco tempo a infra-estrutura que recebe para organizar os Jogos. Em Atlanta-96, calcula-se que a cidade ganhou US$ 500 milhões em infra-estrutura de esportes e serviços;
2) A injeção econômica na cidade que organiza os Jogos, sobretudo a chamadas Olimpíada de Verão, é, evidentemente, significativa (o impacto na economia de Atlanta, em 96, foi de cerca de US$ 5 bilhões, segundo cálculos da época);
3) Organizar os Jogos dá à cidade, mesmo que por alguns dias, o status de "capital mundial";
Não foi à toa, portanto, que Thomas Welch, diretor do "fundo especial" de Salt Lake City, disse, tentando se defender, que "a quantia (US$ 400 mil) é insignificante em relação ao que representou a vitória de Salt Lake".
O problema com a cidade norte-americana atingiu tal gravidade que o COI decidiu instalar uma comissão de investigação.
As conclusões desse órgão serão divulgadas no dia 24 próximo, segundo o COI afirmou à Folha.
"Desta vez, não temos apenas ruídos ou rumores, mas documentos que vão nos permitir ir até o fundo das coisas", disse François Carrard, diretor-geral do COI.
Mesmo que se mantenha como sede dos Jogos, a cidade norte-americana terá de superar agora outro fantasma: o fracasso financeiro, fruto dos temores dos patrocinadores em relação às suspeitas de corrupção -a Coca-Cola e o McDonald's já põem em dúvida seus investimentos esportivos.
Segundo Hodler, o comitê de Salt Lake City precisa angariar ainda US$ 350 milhões para garantir o sucesso dos Jogos.
˛ Endêmica
Não é apenas Salt Lake City que está enfrentando sérias suspeitas.
Hodler, que é um dos 11 membros da Comissão Executiva do COI, apontou problemas crônicos de corrupção no processo de escolha das sedes olímpicas.
Ele disse existir um grupo de quatro agentes, incluindo um membro do COI, que oferecem habitualmente "pacotes de votos", em troca de quantidades de dinheiro que variam entre US$ 500 mil e US$ 1 milhão.
"Em caso de vitória, eles cobram de US$ 3 milhões a US$ 5 milhões. Um deles pode provar que nenhuma cidade jamais venceu sem sua ajuda", disse Hodler.
As revelações do dirigente suíço motivaram um dos responsáveis pela candidatura vitoriosa de Sydney à próxima Olimpíada, Bruce Baird, a revelar um suposto esquema de corrupção.
Ex-ministro de Estado da Austrália, ele disse ter recebido uma oferta de votos de dirigentes africanos do COI.
Segundo Baird, ao recusar a proposta, foi advertido de que Sydney poderia perder a eleição. A cidade australiana acabou vencendo Pequim por apenas dois votos.
Não foi apenas Sydney que "abriu o bico" após as denúncias de Hodler.
O prefeito da cidade japonesa de Nagano, Tasuku Tsukada, admitiu ter usado um "agente" suíço em sua campanha para conseguir os Jogos de Inverno do ano passado -o que, até então, ele negava veementemente.
A polêmica em torno da lisura das escolhas olímpicas já faz o COI admitir rever seus critérios de eleição das sedes dos Jogos.
No caso da Olimpíada, por exemplo, 115 membros têm direito a voto -sistema mais "aberto" que o adotado pela Fifa, em que votam apenas 24 pessoas.
"Acho que o sistema (de eleição das sedes olímpicas) merece ser discutido", disse Carlos Arthur Nuzman, presidente do Comitê Olímpico Brasileiro.
Certo mesmo é que o COI tem pela frente problemas que não enfrentava há um bom tempo.
"Já passamos por outras situações bem difíceis, com os diversos boicotes aos Jogos e com a eliminação de Ben Johnson em Seul-88. Agora, tenho confiança que a comissão de investigação dará um parecer o mais rápido possível", afirmou Samaranch.
"Vamos tomar uma decisão final no próximo dia 24. Se ficar provado que o comportamento de alguns membros do COI foi repreensível, eles terão de enfrentar as consequências", disse o espanhol.
"Espero que, depois desse dia (24), a paz volte ao COI", afirmou. (ROBERTO DIAS) ˛


Com as agências internacionais


Texto Anterior | Próximo Texto | Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Agência Folha.