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OLIMPÍADA
Escândalo de favorecimentos na escolha de sedes dos Jogos abala COI, que promete revelações no dia 24
Suborno vira "vilão' do esporte mundial
da Reportagem Local
Não são mais os boicotes olímpicos, nem o doping de esportistas
de destaque. O grande "vilão" do
esporte mundial na atualidade é o
suborno de dirigentes.
Quase ao mesmo tempo, tanto o
Comitê Olímpico Internacional
quanto a tradicional FA (a federação inglesa de futebol) se viram em
meio a problemas semelhantes
(leia texto ao lado).
O COI é o órgão que está enfrentando maiores dificuldades, já que
as principais denúncias de corrupção partiram de um de seus vice-presidentes, o suíço Marc Hodler.
Ele disse saber de irregularidades
em quatro escolhas de sedes olímpicas relativamente recentes
-Atlanta (EUA) e Sydney (Austrália), para os Jogos de 96 e 2000,
respectivamente, e Nagano (Japão) e Salt Lake City (EUA), para
os Jogos de Inverno de 98 e 2002.
Dessas cidades, a que está em
pior situação, pelo menos até agora, é Salt Lake City.
O comitê que organizou a vitoriosa candidatura da cidade à próxima Olimpíada de Inverno já admitiu a existência de um "fundo"
de assistência financeira a 13 pessoas -6 delas parentes diretas de
membros do COI.
Os US$ 400 mil movimentados
por esse fundo proporcionaram
bolsas de estudo e de treinamento
esportivo a pessoas como Sonia
Essomba, filha do falecido secretário-geral dos comitês olímpicos
africanos, René Essomba.
Graças a seu cargo, René teve
grande influência sobre os cerca de
20 membros africanos do COI.
O "fundo" gerido pelo comitê de
Salt Lake City funcionou durante
quatro anos, de 91 a 95.
O ano inicial da distribuição das
verbas foi o mesmo em que Salt Lake City perdeu para Nagano o direito de organizar a Olimpíada de
Inverno de fevereiro de 98.
Quatro anos depois, a cidade teria 54 votos nas eleições para a sede
de 2002, contra 35 de todas suas
concorrentes somadas -Quebec
(Canadá), Östersund (Suécia) e
Sion (Suíça).
O ex-presidente do comitê organizador da candidatura de Salt Lake City, Frank Joklik (que renunciou após o escândalo), reconheceu que o fundo não deveria ter sido organizado da maneira que foi.
Mas, segundo ele, o dinheiro destinou-se apenas a "ajuda humanitária". "O programa pretendia auxiliar jovens a obter educação e
treinamento esportivo que, de outra forma, não teriam condições de
conseguir", afirmou.
Seu argumento esbarra, no entanto, na condição financeira de
Sonia Essomba -seu pai formou-se na França, foi chefe da Ordem
dos Médicos do país e governou
um distrito de Camarões.
As dúvidas sobre a legalidade da
campanha de Salt Lake City deixaram em aberto a possibilidade de a
cidade perder os Jogos -o que o
presidente do COI, o espanhol
Juan Antonio Samaranch, nega.
Samaranch, aliás, reconheceu
que ele mesmo recebeu duas armas de presente do Comitê Organizador de Salt Lake City.
Os presentes valeriam US$ 2.000,
valor superior ao máximo estipulado pelo COI para gratificações a
seus membros (US$ 150).
O espanhol afirmou não ver problemas em ter aceito as armas porque, segundo ele, elas serão colocadas no museu olímpico.
De qualquer forma, os ex-concorrentes de Salt Lake City já protestam. "Pensei que tínhamos
competido contra Carl Lewis, mas
agora vejo que foi contra Ben
Johnson", disse Christer Persson,
que foi diretor do comitê de campanha de Östersund.
Quebec, por sua vez, estuda processar o COI. "Fomos envolvidos
em um processo em que a lei pode
não ter sido seguida por um candidato desonesto. Queremos um
reembolso financeiro substancial", disse René Paquet, que dirigiu o comitê de candidatura da cidade canadense.
Por que a organização de uma
Olimpíada é alvo de tanta cobiça?
Razões não faltam:
1) Dificilmente uma cidade conseguiria construir em tão pouco
tempo a infra-estrutura que recebe
para organizar os Jogos. Em Atlanta-96, calcula-se que a cidade ganhou US$ 500 milhões em infra-estrutura de esportes e serviços;
2) A injeção econômica na cidade que organiza os Jogos, sobretudo a chamadas Olimpíada de Verão, é, evidentemente, significativa
(o impacto na economia de Atlanta, em 96, foi de cerca de US$ 5 bilhões, segundo cálculos da época);
3) Organizar os Jogos dá à cidade, mesmo que por alguns dias, o
status de "capital mundial";
Não foi à toa, portanto, que Thomas Welch, diretor do "fundo especial" de Salt Lake City, disse, tentando se defender, que "a quantia
(US$ 400 mil) é insignificante em
relação ao que representou a vitória de Salt Lake".
O problema com a cidade norte-americana atingiu tal gravidade
que o COI decidiu instalar uma comissão de investigação.
As conclusões desse órgão serão
divulgadas no dia 24 próximo, segundo o COI afirmou à Folha.
"Desta vez, não temos apenas
ruídos ou rumores, mas documentos que vão nos permitir ir até o
fundo das coisas", disse François
Carrard, diretor-geral do COI.
Mesmo que se mantenha como
sede dos Jogos, a cidade norte-americana terá de superar agora
outro fantasma: o fracasso financeiro, fruto dos temores dos patrocinadores em relação às suspeitas
de corrupção -a Coca-Cola e o
McDonald's já põem em dúvida
seus investimentos esportivos.
Segundo Hodler, o comitê de Salt
Lake City precisa angariar ainda
US$ 350 milhões para garantir o
sucesso dos Jogos.
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Endêmica
Não é apenas Salt Lake City que
está enfrentando sérias suspeitas.
Hodler, que é um dos 11 membros da Comissão Executiva do
COI, apontou problemas crônicos
de corrupção no processo de escolha das sedes olímpicas.
Ele disse existir um grupo de
quatro agentes, incluindo um
membro do COI, que oferecem habitualmente "pacotes de votos",
em troca de quantidades de dinheiro que variam entre US$ 500
mil e US$ 1 milhão.
"Em caso de vitória, eles cobram
de US$ 3 milhões a US$ 5 milhões.
Um deles pode provar que nenhuma cidade jamais venceu sem sua
ajuda", disse Hodler.
As revelações do dirigente suíço
motivaram um dos responsáveis
pela candidatura vitoriosa de
Sydney à próxima Olimpíada, Bruce Baird, a revelar um suposto esquema de corrupção.
Ex-ministro de Estado da Austrália, ele disse ter recebido uma
oferta de votos de dirigentes africanos do COI.
Segundo Baird, ao recusar a proposta, foi advertido de que Sydney
poderia perder a eleição. A cidade
australiana acabou vencendo Pequim por apenas dois votos.
Não foi apenas Sydney que
"abriu o bico" após as denúncias
de Hodler.
O prefeito da cidade japonesa de
Nagano, Tasuku Tsukada, admitiu
ter usado um "agente" suíço em
sua campanha para conseguir os
Jogos de Inverno do ano passado
-o que, até então, ele negava veementemente.
A polêmica em torno da lisura
das escolhas olímpicas já faz o COI
admitir rever seus critérios de eleição das sedes dos Jogos.
No caso da Olimpíada, por
exemplo, 115 membros têm direito
a voto -sistema mais "aberto"
que o adotado pela Fifa, em que
votam apenas 24 pessoas.
"Acho que o sistema (de eleição
das sedes olímpicas) merece ser
discutido", disse Carlos Arthur
Nuzman, presidente do Comitê
Olímpico Brasileiro.
Certo mesmo é que o COI tem
pela frente problemas que não enfrentava há um bom tempo.
"Já passamos por outras situações bem difíceis, com os diversos
boicotes aos Jogos e com a eliminação de Ben Johnson em Seul-88.
Agora, tenho confiança que a comissão de investigação dará um
parecer o mais rápido possível",
afirmou Samaranch.
"Vamos tomar uma decisão final
no próximo dia 24. Se ficar provado que o comportamento de alguns membros do COI foi repreensível, eles terão de enfrentar as
consequências", disse o espanhol.
"Espero que, depois desse dia
(24), a paz volte ao COI", afirmou.
(ROBERTO DIAS)
˛
Com as agências internacionais
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