São Paulo, domingo, 16 de junho de 2002

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Yoshimura um brasileiro

Eduardo Knapp/Folha Imagem
Nelson Yoshimura, brasileiro naturalizado japonês, carrega troféu de melhor passador dos anos 70, quando era astro do futebol do país, em Amagazaki, onde mora


Nos anos 60, quando o futebol japonês ainda vivia fase feudal, um brasileiro deixou os campos de várzea em São Paulo para abrir a migração de jogadores estrangeiros para o país que hoje é um dos organizadores da Copa do Mundo. Nelson Yoshimura, nissei, saiu contra a sua vontade do Brasil para fazer história na seleção japonesa. Amador, não ganhou dinheiro, mas construiu família na terra de seus pais. Aos 55 anos, um anônimo no país em que nasceu e um quase desconhecido para a nova geração japonesa que vibra com o Mundial da Coréia e do Japão, assiste pela TV a transformação que o futebol sofreu no Japão. E torce, é claro, para o Brasil.

RODRIGO BUENO
ENVIADO ESPECIAL A OITA

""Não queria vir para o Japão. Não falava japonês, não conhecia ninguém. Vim por causa do meu pai. Ele negociou tudo para eu vir. Meus irmãos e minhas irmãs não queriam que eu viesse."
Ele, Nelson Yoshimura, 55, foi. E fez história, conhecida quase apenas por sua família no Brasil. Em 1967, chegava ao Japão o primeiro jogador de futebol estrangeiro, um brasileiro, um paulista, um cidadão de Tupã.
Nelson era meia-direita. Aprendeu a jogar em Adamantina, interior de São Paulo. Mudou aos 16 anos para a capital e abraçou o futebol de várzea. Filho de japoneses, foi defender o Grêmio Recreativo Tóquio, na Água Branca.
""Ganhamos o título do Campeonato Nissei em 1966. O presidente da Yanmar [empresa japonesa de motor a diesel" queria um jovem para o time da fábrica. Meu pai negociou para eu ir. Achava que seria bom. Falei que não queria, mas ele insistiu: "Vai, você tem primo, família, lá"".
No ano seguinte, Nelson era astro do Yanmar, hoje o Cerezo Osaka, famoso time da J-League.
""Na minha época o futebol era amador. Não se ganhava dinheiro." Então por que foi, deixando três irmãos e quatro irmãs? ""Meu pai quis. Só eu vim."
O dinheiro não veio mesmo. Nelson trabalha ainda na Yanmar e vai se aposentar só daqui a cinco anos. Mora em um subúrbio de Kobe, cidade de onde partiram tantos imigrantes para o Brasil.
""Meus pais viajaram para o Brasil antes da Segunda Guerra. Minha mãe morreu quando ainda estava no Brasil. Meu pai está vivo. Falo por telefone de vez em quando com a família. Já faz 12 anos que não volto ao Brasil."
Mas queria voltar? ""É queria, mas sabe como é... casei aqui, tenho dois filhos, japoneses. Acho que não tenho mais a cidadania brasileira. Quando cheguei podia manter a cidadania brasileira se tivesse até 18 anos. Tinha 23. Queria ter as duas nacionalidades".
Após três anos jogando no Yanmar, Nelson se naturalizou japonês. Era o que tinha que fazer para jogar pela seleção japonesa. De 1970 a 1978, foi o que ele fez. ""Não lembro quantos gols eu marquei. Mas jogamos as eliminatórias para as Copas de 1974 e 1978. Também não conseguimos a classificação para a Olimpíada."
Jogador de várzea no Brasil, ídolo no Japão. ""Ele foi possivelmente o mais veloz jogador da história da seleção japonesa", diz Masaaki Sasaki, jornalista japonês que cobre a Copa em seu país.
""Eu não era o melhor da seleção japonesa. Era o Kamamoto [considerado por muitos o melhor atacante do Japão"."
Nelson deu sua parcela de contribuição para a popularização do futebol no Japão (""Quando vim era só beisebol e sumô; hoje a molecada toda joga bola na rua"), mas seu trabalho não acabou. É ""olheiro" do Cerezo Osaka.
Seus olhos puxados, mas brasileiros para enxergar futebol, descobriram, por exemplo, Morishima, autor do primeiro gol japonês nos 2 a 0 sobre a Tunísia. ""Ele chegou a jogar comigo, pois começou quando o Cerezo Osaka era Yanmar. Fui seu treinador bem no início de sua carreira."
Nos anos 90, teve início no Japão a liga profissional, que encheu o país de estrangeiros, mas Nelson (Yoshimura no Japão) parou de jogar em 1980. Zico, Rui Ramos, Tita, Wagner Lopes, Alex... Vários brasileiros ajudaram de alguma forma o futebol japonês. Nelson foi o primeiro.
""Fui o primeiro estrangeiro a jogar aqui. Mas era outro tempo, liga amadora. Fico emocionado vendo o futebol pegar no Japão. No meu tempo nem sonhávamos em ver o Japão no Mundial."
Quase anônimo para a nova geração, não comenta jogos na TV, não vai aos estádios, pouco fala.
""Tenho visto a Copa só na TV. Para o Japão agora tudo é lucro. Ninguém acreditava, mas ele se classificou. Pode pegar o Brasil." Para quem o senhor torceria?
""Torço pela seleção, torço mais para o Brasil. Vamos ver. Acho que ele ficará com a taça."
Um brasileiro com antepassados japoneses e com descendentes japoneses. ""Meus pais e avós no Brasil falavam em japonês. Eu até entendia, mas não falava. Meus filhos são japoneses, não pegaram gosto pela bola."



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