São Paulo, domingo, 16 de julho de 2000


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"Procuro sair de fininho", conta Bigode

DA REPORTAGEM LOCAL

"Vai, Bigode", gritavam as 200 mil pessoas no Maracanã cada vez que Ghiggia apontava em direção ao gol brasileiro.
Mais do que alertar, o coro atordoou o médio João Ferreira, o tal Bigode, que não conseguiu parar o endiabrado ponteiro uruguaio ao longo do jogo e, pior, no gol que decretou a derrota brasileira.
Além de tudo, Bigode foi acusado de se acovardar após um tapa de Obdulio Varela que, ele jura, nunca existiu.
Bigode largou o futebol em 1957, passou a trabalhar como técnico de rádio e TV. Quando ia à casa de um cliente, muitas vezes escondia o rosto com um aparelho para evitar gozações.
Pagou ao extinto INPS tributos sobre cinco salários mínimos por dez anos. "Depois o pulso abriu e eu não pude mais trabalhar. Hoje recebo só dois salários. Alguém está comendo esse dinheiro."
Aos 78 anos, mora em São Mateus, litoral do Espírito Santos, de favor, num quarto na casa de um compadre. (FV)

Folha - O que mudou no comportamento das pessoas nesses 50 anos?
Bigode -
Eu não tenho sofrido muito, não. Porque eu sou um pouco tímido, de maneira que as pessoas quando querem me agredir, procuro sair de fininho, viu, sem discussão, sem nada. Peço até desculpas, viu (risos).

Folha - Mas ainda pegam no seu pé, vêm falar?
Bigode -
Não, é muito difícil. Porque, em primeiro lugar, não é toda a gente que está viva, né, puxa. Porque são 50 anos depois, né.

Folha - Criticaram mais você ou o Barbosa?
Bigode -
Eu fui mais criticado, lógico. Porque inventaram o tapa do Obdulio Varela. Com o gol do Ghiggia, já viu, né. Dois a zero.

Folha - Você esteve recentemente no Maracanã, no jogo Brasil x Uruguai. Fazia quanto tempo que você não ia lá?
Bigode -
Ah, já tinha mais de cinco anos. Desde que eu saí do Rio. Porque (quando morava no Rio) de vez em quando eu ia, né, puxa, assistir um joguinho. Depois fui a Belo Horizonte, fiquei lá uns tempos, agora estou aqui. E daqui resolvi... resolvi, não, me levaram. Por conta própria eu não iria não. Não tenho muita emoção mais não, viu, puxa.

Folha - O que você achou do jogo?
Bigode -
Tem muitos jogadores novos, de maneira que enfrentar o Maracanã não é fácil, não, viu, puxa. A responsabilidade é muita e às vezes dá uma tremedeira ou uma infelicidade num lance qualquer. E a torcida, ela exige demais, viu, puxa. Exigem porque não estão lá dentro, né.

Folha - E o seu encontro com o Ghiggia?
Bigode -
Achavam que eu era inimigo do Ghiggia. Ele estava do outro lado da fila e alguém se interessou que eu falasse com ele. Ele veio a mim e demos um abraço um no outro e tudo bem.

Folha - Você diz que não levou tapa de Obdulio Varela, como foi difundido durante muito tempo. Quem criou essa história?
Bigode -
Por causa do veneno dos jornalistas. Criaram a mentira. Nominalmente, eu não sei. Mas os jornais e as revistas já estavam prontos para o Brasil campeão do mundo, você sabe disso... Os erros começaram deles, que deram força ao adversário.

Folha - Tem algo que você ainda gostaria de falar sobre o jogo?
Bigode -
Não, eu apenas acho que houve um erro dos cartolas. Porque nós estávamos tranquilamente (concentrados) lá para o lado da Barra do Tijuca, no Joá. E depois, nas vésperas, põem a gente em São Januário. Então os seus próprios colegas da imprensa lotavam lá o campo do Vasco todo dia. Não tivemos descanso, era muito tumulto. E muito político também ia lá. Foram parte dos culpados também.

Folha - Parece que você era um jogador muito viril...
Bigode -
Eu era violento, sim. Procurava a violência, mas dentro do normal, né, puxa. Tanto que nunca quebrei perna de ninguém. Eu era viril, o que é que eu posso fazer, pô.

Folha - Será que a lembrança daquela derrota nunca vai morrer?
Bigode -
Um dia tem que desaparecer, né, puxa. Você ter que contar a história para todas as gerações daqui a mais cem anos, acho que é um absurdo. Mas vai ficar na história. É possível. Agora, que eu não vou ficar fazendo aniversário todo ano, né, puxa.



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