São Paulo, sábado, 16 de julho de 2005

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FUTEBOL

Caubóis do crepúsculo

JOSÉ GERALDO COUTO
COLUNISTA DA FOLHA

Uma das imagens mais bonitas da inesquecível noite de anteontem no Morumbi foi a do abraço entre Amoroso e Luizão no banco do São Paulo, depois que os dois veteranos foram substituídos e saíram de campo sob o aplauso consagrador da torcida.
Estamos acostumados, para não dizer anestesiados, com as manifestações rotineiras e artificiais de afeto no palco do futebol: o jogador que beija o escudo do clube que acabou de contratá-lo, o time que entra em campo de mãos dadas para esconder a fogueira das vaidades que o devasta, o atleta substituído que beija o reserva que entra, quando seu real desejo era esbofeteá-lo.
Nesse contexto, o abraço de Luizão e Amoroso ganhou uma contundente, quase escandalosa, aura de verdade. Foi um gesto, por assim dizer, nos bastidores, embora as câmeras o tenham flagrado. Estavam ali dois amigos, dois homens que se respeitam, que se admiram, que se amam fraternalmente.
Os dois começaram juntos, ainda adolescentes, no Guarani. Brilharam, correram o mundo, sofreram percalços e contusões, fizeram história. Depois de dez anos de separação, voltaram a se encontrar no São Paulo para uma "última missão", como os caubóis veteranos de "Pistoleiros do Entardecer", de Sam Peckinpah.
A alusão a um filme de faroeste não é acidental. O "western", como o futebol, é um universo essencialmente masculino, que não admite questionamentos ou dúvidas quanto à virilidade dos personagens. Não é outra a fonte da comicidade das tiras de "Rocky e Hudson", de Adão Iturrusgarai, publicadas diariamente na Ilustrada.
No entanto algumas das histórias mais tocantes de amizade masculina que o cinema já ofereceu estão em faroestes de John Ford e de Howard Hawks.
No Brasil, não temos essa mitologia do "western" (embora a ética viril dos jagunços de Guimarães Rosa tenha pontos de contato com a dos caubóis hollywoodianos). Aqui, salvo engano, o lugar onde o afeto masculino se expressa, ou se sublima, é o futebol.
Onde mais dois ou mais homens se abraçam e rolam na grama, se beijam e dizem "Eu te amo" (como Bebeto para Romário na Copa de 94) sem provocar a ira dos vigilantes morais?
Onde mais um homem pula e dança abraçado a um desconhecido, como ocorre na arquibancada de um estádio na comemoração de um gol ou de uma vitória?
Numa entrevista antiga, Chico Buarque chamou a atenção para esse aspecto do futebol, dizendo mais ou menos o seguinte: as meninas podem andar de mãos dadas umas com as outras; os meninos não. Por isso, no futebol, um passe pode fazer as vezes de um carinho, de uma troca amorosa simbólica -o que não tem necessariamente a ver com homossexualismo.
Chico Buarque: está aí um sujeito que sabe duas ou três coisas sobre o futebol, a cultura brasileira e a afetividade humana.

Poderoso San-São
O clássico San-São de amanhã promete ser tão sensacional quanto o Corinthians x Palmeiras de domingo passado. O São Paulo vem embalado pela brilhante conquista da Libertadores, seu primeiro título de expressão em 12 anos. O Santos, por sua vez, quer mostrar à sua torcida que pode sobreviver sem Robinho, Deivid e Léo.

Pé na lama
No outro extremo, dois confrontos entre desesperados: o clássico carioca Flamengo x Vasco e o choque dos Atléticos (Paranaense e Mineiro). Quatro ex-campeões nacionais que hoje lutam para sair da areia movediça da zona de rebaixamento. De acordo com a matemática, pelo menos dois deles vão continuar lá ao fim da rodada.


E-mail: jgcouto@uol.com.br

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