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FUTEBOL
Caubóis do crepúsculo
JOSÉ GERALDO COUTO
COLUNISTA DA FOLHA
Uma das imagens mais bonitas da inesquecível noite
de anteontem no Morumbi foi a
do abraço entre Amoroso e Luizão no banco do São Paulo, depois que os dois veteranos foram
substituídos e saíram de campo
sob o aplauso consagrador da
torcida.
Estamos acostumados, para
não dizer anestesiados, com as
manifestações rotineiras e artificiais de afeto no palco do futebol:
o jogador que beija o escudo do
clube que acabou de contratá-lo,
o time que entra em campo de
mãos dadas para esconder a fogueira das vaidades que o devasta, o atleta substituído que beija o
reserva que entra, quando seu
real desejo era esbofeteá-lo.
Nesse contexto, o abraço de Luizão e Amoroso ganhou uma contundente, quase escandalosa, aura de verdade. Foi um gesto, por
assim dizer, nos bastidores, embora as câmeras o tenham flagrado. Estavam ali dois amigos, dois
homens que se respeitam, que se
admiram, que se amam fraternalmente.
Os dois começaram juntos, ainda adolescentes, no Guarani. Brilharam, correram o mundo, sofreram percalços e contusões, fizeram história. Depois de dez anos
de separação, voltaram a se encontrar no São Paulo para uma
"última missão", como os caubóis
veteranos de "Pistoleiros do Entardecer", de Sam Peckinpah.
A alusão a um filme de faroeste
não é acidental. O "western", como o futebol, é um universo essencialmente masculino, que não
admite questionamentos ou dúvidas quanto à virilidade dos personagens. Não é outra a fonte da comicidade das tiras de "Rocky e
Hudson", de Adão Iturrusgarai,
publicadas diariamente na Ilustrada.
No entanto algumas das histórias mais tocantes de amizade
masculina que o cinema já ofereceu estão em faroestes de John
Ford e de Howard Hawks.
No Brasil, não temos essa mitologia do "western" (embora a ética viril dos jagunços de Guimarães Rosa tenha pontos de contato com a dos caubóis hollywoodianos). Aqui, salvo engano, o lugar onde o afeto masculino se expressa, ou se sublima, é o futebol.
Onde mais dois ou mais homens se abraçam e rolam na grama, se beijam e dizem "Eu te
amo" (como Bebeto para Romário na Copa de 94) sem provocar
a ira dos vigilantes morais?
Onde mais um homem pula e
dança abraçado a um desconhecido, como ocorre na arquibancada de um estádio na comemoração de um gol ou de uma
vitória?
Numa entrevista antiga, Chico
Buarque chamou a atenção para
esse aspecto do futebol, dizendo
mais ou menos o seguinte: as meninas podem andar de mãos dadas umas com as outras; os meninos não. Por isso, no futebol, um
passe pode fazer as vezes de um
carinho, de uma troca amorosa
simbólica -o que não tem necessariamente a ver com homossexualismo.
Chico Buarque: está aí um sujeito que sabe duas ou três coisas
sobre o futebol, a cultura brasileira e a afetividade humana.
Poderoso San-São
O clássico San-São de amanhã
promete ser tão sensacional
quanto o Corinthians x Palmeiras de domingo passado. O São
Paulo vem embalado pela brilhante conquista da Libertadores, seu primeiro título de expressão em 12 anos. O Santos,
por sua vez, quer mostrar à sua
torcida que pode sobreviver
sem Robinho, Deivid e Léo.
Pé na lama
No outro extremo, dois confrontos entre desesperados: o
clássico carioca Flamengo x
Vasco e o choque dos Atléticos
(Paranaense e Mineiro).
Quatro ex-campeões nacionais
que hoje lutam para sair da
areia movediça da zona de rebaixamento. De acordo com a
matemática, pelo menos dois
deles vão continuar lá ao fim
da rodada.
E-mail: jgcouto@uol.com.br
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