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BASQUETE
Lavanderia
MELCHIADES FILHO
EDITOR DE ESPORTE
As datas se embaraçam, a
memória atolada de emoção
-por ora, mais que tudo, uma
tristeza, uma melancolia danada.
Matilde, 52, diz não se lembrar
mais do encontro com aquele objeto inamistoso. "Era estranha,
difícil de segurar, pesada. Só isso."
Bauru apaixonava-se pela bola
da bola-ao-cesto, na esteira da
bela campanha das brasileiras no
Mundial de 1971. Pela segunda
vez, o país abrigara a competição.
Pela primeira, subira ao pódio
-para um festejado bronze.
A empregada doméstica gostou
da bagunça. Ao lado de amigas,
torrava horas de folga/desemprego para decifrar aquele jogo dinâmico, ver os treinos das meninas
que defendiam a cidade paulista.
Tinha 16, talvez 17 anos. Ou seriam 22? Tanto faz. Chamaram a
atenção da jovem negra os gritos
de um jovem branco, à beira da
quadra. "Esse cara é louco! Como
elas suportam tudo isso?"
Mas a curiosidade, até um pouco masoquista, moveu-lhe os pés.
Desceu a arquibancada, pediu
uma chance. Queria participar.
Brincalhona, de tudo fez para se
encaixar, para ganhar a amizade
das atletas. Até se ofereceu para
tomar conta do filho de uma delas, convocada para a seleção.
Quando reparou, a moça-humilde-que-sempre-dizia-sim-a-quem-lhe-pedia-um-favor tinha
se transformado em babá de toda
a equipe do clube, convidada pelo
treinador-que-sempre-gritava.
De Bauru para Piracicaba, daí
para Campinas, de lá para a seleção brasileira adulta, foram quase 30 anos. Roupeira, mordomo,
assistente, quebra-galhos, amiga.
"Sempre fiz meu papel bem feito, com dedicação. Tratei as meninas muito bem. Tenho a consciência de que fiz um bom serviço.
Jamais falei um não para elas."
Pois, de volta dos Jogos Pan-Americanos, Matilde ouviu que
não vai mais cuidar do time, não
vai mais separar a roupa das jogadoras, não vai mais preparar os
copinhos de refresco, não vai mais
comprar absorventes, não vai
mais dar um jeito nos quartos,
não vai mais viajar com o grupo.
A seleção que busca uma vaga
olímpica desembarcou anteontem no México com uma auxiliar
de fisioterapia em seu lugar.
"A confederação sempre me
tratou com distinção. Mas não
me explicaram os motivos agora.
Só me comunicaram. Disseram
que é decisão de uma tal diretoria
técnica, que não vou poder mais
trabalhar. Sou solteira. Não saio
para lugar nenhum. Meu divertimento, minha única alegria era o
basquete. Tiraram um pedaço de
mim. Tinha pelo menos o direito
de saber o porquê", lamenta, magoada sobretudo com a indiferença do técnico Antonio Carlos Barbosa, o mesmo "sargentão" que,
entre berros, lhe abrira as portas
da esperança desde Bauru.
"As jogadoras já sabem tomar
conta de seus pertences", "o chefe
da delegação fará um acerto com
as lavadeiras do hotel", "a economia com o corte de uma pessoa
não é desprezível" e "uma fisioterapeuta é mais útil para as atletas", explica a CBB a esta coluna.
Ok. Mas não deixa de ser intrigante notar que, no basquete feminino, os tais "novos tempos"
por ora só atropelaram justamente quem cuidava da roupa suja.
Sabão em pó 1
Helen e Janeth treinaram menos de uma semana antes de seguir para
o Pré-Olímpico do México. Alguém lembrou de Nenê e Leandrinho?
Sabão em pó 2
Barbosa pediu mais tiros de três pontos e cortou a especialista Lilian.
Sabão em pó 3
Relatos e estatísticas dos amistosos na Europa apontam para o enfarte da tabelinha Tuiú/Alessandra, o pão e a água da seleção.
Sabão em pó 4
Ninguém anuncia a transmissão do torneio, que classifica apenas um
time a Atenas-2004. A Sportv, como fez no masculino, faz mistério.
E-mail melk@uol.com.br
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