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São Paulo, terça-feira, 16 de setembro de 2003

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BASQUETE

Lavanderia

MELCHIADES FILHO
EDITOR DE ESPORTE

As datas se embaraçam, a memória atolada de emoção -por ora, mais que tudo, uma tristeza, uma melancolia danada.
Matilde, 52, diz não se lembrar mais do encontro com aquele objeto inamistoso. "Era estranha, difícil de segurar, pesada. Só isso."
Bauru apaixonava-se pela bola da bola-ao-cesto, na esteira da bela campanha das brasileiras no Mundial de 1971. Pela segunda vez, o país abrigara a competição. Pela primeira, subira ao pódio -para um festejado bronze.
A empregada doméstica gostou da bagunça. Ao lado de amigas, torrava horas de folga/desemprego para decifrar aquele jogo dinâmico, ver os treinos das meninas que defendiam a cidade paulista.
Tinha 16, talvez 17 anos. Ou seriam 22? Tanto faz. Chamaram a atenção da jovem negra os gritos de um jovem branco, à beira da quadra. "Esse cara é louco! Como elas suportam tudo isso?"
Mas a curiosidade, até um pouco masoquista, moveu-lhe os pés. Desceu a arquibancada, pediu uma chance. Queria participar.
Brincalhona, de tudo fez para se encaixar, para ganhar a amizade das atletas. Até se ofereceu para tomar conta do filho de uma delas, convocada para a seleção.
Quando reparou, a moça-humilde-que-sempre-dizia-sim-a-quem-lhe-pedia-um-favor tinha se transformado em babá de toda a equipe do clube, convidada pelo treinador-que-sempre-gritava.
De Bauru para Piracicaba, daí para Campinas, de lá para a seleção brasileira adulta, foram quase 30 anos. Roupeira, mordomo, assistente, quebra-galhos, amiga.
"Sempre fiz meu papel bem feito, com dedicação. Tratei as meninas muito bem. Tenho a consciência de que fiz um bom serviço. Jamais falei um não para elas."
Pois, de volta dos Jogos Pan-Americanos, Matilde ouviu que não vai mais cuidar do time, não vai mais separar a roupa das jogadoras, não vai mais preparar os copinhos de refresco, não vai mais comprar absorventes, não vai mais dar um jeito nos quartos, não vai mais viajar com o grupo.
A seleção que busca uma vaga olímpica desembarcou anteontem no México com uma auxiliar de fisioterapia em seu lugar.
"A confederação sempre me tratou com distinção. Mas não me explicaram os motivos agora. Só me comunicaram. Disseram que é decisão de uma tal diretoria técnica, que não vou poder mais trabalhar. Sou solteira. Não saio para lugar nenhum. Meu divertimento, minha única alegria era o basquete. Tiraram um pedaço de mim. Tinha pelo menos o direito de saber o porquê", lamenta, magoada sobretudo com a indiferença do técnico Antonio Carlos Barbosa, o mesmo "sargentão" que, entre berros, lhe abrira as portas da esperança desde Bauru.
"As jogadoras já sabem tomar conta de seus pertences", "o chefe da delegação fará um acerto com as lavadeiras do hotel", "a economia com o corte de uma pessoa não é desprezível" e "uma fisioterapeuta é mais útil para as atletas", explica a CBB a esta coluna.
Ok. Mas não deixa de ser intrigante notar que, no basquete feminino, os tais "novos tempos" por ora só atropelaram justamente quem cuidava da roupa suja.

Sabão em pó 1
Helen e Janeth treinaram menos de uma semana antes de seguir para o Pré-Olímpico do México. Alguém lembrou de Nenê e Leandrinho?

Sabão em pó 2
Barbosa pediu mais tiros de três pontos e cortou a especialista Lilian.

Sabão em pó 3
Relatos e estatísticas dos amistosos na Europa apontam para o enfarte da tabelinha Tuiú/Alessandra, o pão e a água da seleção.

Sabão em pó 4
Ninguém anuncia a transmissão do torneio, que classifica apenas um time a Atenas-2004. A Sportv, como fez no masculino, faz mistério.

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